Anais do 1º Colóquio Internacional de Texto e Discurso - CITeD - page 110

verdade que não é universal, o que não quer dizer que seja rara. É a verdade dispersa,
produzida, vale repetir, como acontecimento.
As duas séries na história da verdade implicam uma da ordem do que é e outra
da ordem do que acontece. Esta última é perseguida, mais produção do que apofânica,
provocada por rituais, captada por artimanhas, apreendida conforme as ocasiões; a
primeira é descoberta, constante, constituída etc. Questões do método são as
preocupações da verdade-descoberta e questões relativas ao poder e às estratégias são as
da verdade-acontecimento. Isso porque:
[...] entre essa verdade-acontecimento e o que dela é apreendido, que a apreende
ou que é atingido por ela, a relação não é da ordem do objeto ao sujeito. Não é,
por conseguinte, uma relação de conhecimento; é antes uma relação de choque;
é também [...] uma relação arriscada, reversível, belicosa; é uma relação de
dominação e de vitória, não portanto de conhecimento, mas de poder (Foucault
2006, p.304).
As verdades, quer como demonstração quer como acontecimento, estão
espraiadas em toda e qualquer sociedade. Mas elas não são unívocas, uma vez que cada
sociedade possui, subjacente às suas práticas, um “regime de verdade”, uma “política
geral de verdade”, o que significa que há
[...] tipos de discurso que ela acolhe e faz funcionar como verdadeiros; os
mecanismos e as instâncias que permitem distinguir os enunciados verdadeiros
dos falsos, a maneira como se sanciona uns e outros; as técnicas e os
procedimentos que são valorizados para a obtenção da verdade; o estatuto
daqueles que têm o encargo de dizer o que funciona como verdadeiro. (Foucault
1979, p. 12).
É nessa direção que, em A
Ordem do Discurso
(Foucault 2001), ao desenvolver
a ideia de que “nossa civilização, apesar de venerar o discurso, tem por ele uma espécie
de temor” e de que a consequência disso é a produção “de sistemas de controle
instituídos de forma a dominar a proliferação dos discursos e a apagar as marcas de sua
irrupção nos jogos do pensamento e da língua” (Gregolin 2004, p.97), Foucault coloca a
vontade de verdade, juntamente com a segregação e a interdição, como forma de
exclusão discursiva, isto é, como um dos procedimentos externos que têm por função
conjurar os poderes e os perigos do discurso.
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