Anais do 1º Colóquio Internacional de Texto e Discurso - CITeD - page 256

“E afim de que não haja causa de dúvida sobre a inteligência dos ditos decretos, nós
queremos, ordenamos, que eles sejam feitos e escritos tão claramente que não possa
haver nenhuma ambiguidade, ou incerteza, nem dê lugar a interpretação”.
O século XVI é marcadamente um momento humanista e o edito veio para aumentar o
acesso das pessoas à justiça, proporcionando uma forma de igualdade, também
atendendo aos interesses do rei em unificar a administração da justiça e do reino
(HAROCHE, 1992).
A escolha do francês poderia ser uma forma de luta contra o hermetismo do latim, mas
na realidade as pessoas não conhecem o francês, conhecem o patoá (dialetos populares).
Até a difusão de um francês nacional, há a necessidade de intérpretes.
Naquele momento o edito cumpria uma função de assujeitamento do Estado para com
os súditos, os homens que falavam o francês eram a elite intelectual do reino.
Os homens de beca não buscam nem a ideia de estilo, nem de elegância: melhor, eles
recusam uma e outra. Se estes, pensamos, procuram abertamente a clareza, eles a ligam
a exigências de exaustividade, exigência que somente poderia, então, provocar
pesadume, obscuridade, e até mesmo, ambiguidade (HAROCHE, 1992,
p. x
).
Haroche (1992) ensina que pesadume e hermetismo estão na gênese do Direito
Continental europeu – no caso analisado aqui o francês – e que pelo viés de uma língua
da qual o povo francês apreende mal as significações, eles (pesadume e hermetismo)
atuam para submissão do sujeito às leis; e diz mais: o brocardo jurídico “Ninguém pode
alegar ignorância diante da lei” deveria ser assim completado por este outro: “Ninguém,
entretanto pode alegar compreendê-la verdadeiramente”. A autora, citando Garnier
(1979) diz que “nos inícios do século XVI, a língua judiciária é tão obscura que
Montaigne chega a se perguntar: Por que nossa linguagem comum, tão fácil para
qualquer outro uso, torna-se obscura e ininteligível em contrato e testamento”?
O que ocorreu é que o poder real não permitia que fosse usada a língua do Palácio para
as necessidades internas do funcionamento da justiça. Teria que ser usada uma língua
que todos ainda não dominassem por completo. O poder real desenvolve o poder do
Estado, ele não pode, sob pena de renunciar a esse estabelecimento/desenvolvimento,
vulgarizar as significações da língua jurídica, que constitui, com efeito, sua melhor
garantia (HAROCHE, 1992). É pela língua que se assujeita o homem.
Esse mecanismo (hermetismo) visava única e exclusivamente ao assujeitamento, como
se dera pelo viés religioso, que mantinha o latim como língua oficial. O essencial para o
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