Anais do 1º Colóquio Internacional de Texto e Discurso - CITeD - page 1258

Tem-se, então, um diálogo entre a realização literária musical – com a letra
composta por Tom Jobim e imortalizada na interpretação feita pelo mesmo ao lado de
Elis Regina – e o escrito dessacralizador de Mutarelli.
Transformando interativamente a música de Tom Jobim, o texto de Mutarelli
intersecciona sua experiência de leitor e produtor. Carregadas de um contexto diverso,
sua releitura ao mesmo tempo recorda e dessacraliza, repensando criticamente todo o
conteúdo até então explorado. E essa dessacralização não acontece apenas nesse trecho,
mas está presente em quase todas as páginas do romance em questão. Um exemplo
instigante é o Rosebud de Welles que o narrador diminui ao máximo até o colocar ao
lado da bunda. Justamente aquele Rosebud que é objeto de investimento afetivo que
desencadeia a narrativa de Cidadão Kane, filme de Orson Welles.
Acontece novamente uma dessacralização, que agora se realiza por meio de uma
intersecção de linguagens semióticas distintas: filme e livro. Porém, se na música de
Jobim todo o romance é trazido para dentro da estrutura musical, na relação com o filme
de Welles, o que temos como elemento de ligação é um vocábulo da trama fílmica que
aproxima os dois contextos. Rosebud torna-se metáfora de bunda como expressa o
trecho a seguir: “Se aquela bunda estivesse comigo agora eu brincaria tanto com ela. Eu
brincaria com ela como um garoto brinca com o seu Rosebud” (
Idem
, p. 18). No trecho
citado, dessacralização e desejo se encontram para formar uma imagem de infância que
se perdeu ao longo dos tempos, uma bela metáfora para o pós-modernismo que se
desvanece frente ao simulacro.
Mais ainda, a imagem da metáfora/Rosebud assume a função própria de
simulacro: um signo que usurpa o lugar do real e se torna avatar dessa ambiência. E a
fantasia ocupa o lugar do real, como artefato mais interessante do que a própria
realidade. Esta se descortina a cada frase cortante e curta que o livro apresenta.
Aprende-se então, a lidar mais com signos que com as coisas em si.
Assim, temos, por meio de signos vários, a fantasia do real, mas saturada por
uma espetacularização da palavra, uma via em que o grotesco e o elevado se cruzam a
todo o momento. Em outras palavras, o estrutural e o ideológico que se cruzam para
compor o encadeamento narrativo.
Várias são as desconstruções realizadas em
O cheiro do ralo
, lançando o leitor
em uma vertiginosa avalanche de informações que se cruzam para compor o mosaico
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