Anais do 1º Colóquio Internacional de Texto e Discurso - CITeD - page 1256

As atitudes de acordar com a TV ainda ligada (24 horas), comer o pão, ouvir
música, todas essas ações sugerem um ritmo vertiginoso na narrativa, tanto quanto a
vida moderna numa grande metrópole. A música “Construção”, de Chico Buarque, além
de remeter o leitor ao seu próprio contexto, faz a ponte entre a realidade da canção e a
da narrativa, ou seja, da procura de busca de sentido da personagem. Sugere também a
própria maneira da personagem encarar a arte como um “organismo vivo”, ou uma
construção, uma pista revelada ao leitor, e intensificada por meio de seu ritmo
incessante.
Essa fragmentação é várias vezes cortada por duas frases que se repetem
insistentemente: “a vida é dura” e “eu não gosto de ninguém” ou “eu nunca gostei de
ninguém”. São orações que se estabelecem como ligação, de modo a “prender” a
atenção do leitor, para depois culminar em outros fragmentos, citando outros autores ou
mesmo os próprios textos, como: “Feliz ano novo”, conto de Rubem Fonseca;
fragmentos do poema “O dia da criação”, de Vinícius de Morais; fragmentos da prosa
de Paul Auster, etc. Elas exercem a função de “leixa-pren” (MOISÉS, p. 259), já que
retomam a idéia anterior, formando uma narrativa híbrida, dialógica e polissêmica.
Além da tentativa de reescrever esses textos, culminando a narrativa em um
espécie de paródia, remete também à metalinguagem, na medida que consegue recriar
esses mesmos textos, como por exemplo, “Águas de março”, de Tom Jobim e
“Domingo no parque”, de Gilberto Gil. Assim sendo o elemento de ligação que se
estabelece na narrativa com a repetição citada acima: “Eu nunca gostei de ninguém”, “a
vida é dura”, “o cheiro vem do ralo”... é uma espécie de gancho que liga os fragmentos
de outros autores à narrativa presente.
2.1 Tempo, espaço e enredo - (des)fragmentos
Outro aspecto – que se pode chamar de pós-modernista – da narrativa de Mutarelli pode
ser observado na desconstrução do texto, ou seja, na fragmentação da narrativa com um
esfacelamento do tempo, do espaço e do enredo, de modo a criar uma estrutura
labiríntica que vai se emaranhando numa sucessão de acontecimentos, conjecturas,
metáforas, comparações e associações, numa total dispersão do sentido. Tais elementos,
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