qual pretende dialogar o narrador que se propõe a reescrever a biografia de Fernando
Cão (Lampião) à luz dos folhetos de cordel, da tradição oral e dos diários da província.
Assim, a narrativa é entrecortada por um texto biográfico sobre o referido herói, uma
entrevista com um dos sobreviventes do bando, uma autobiografia e um texto de cordel.
O conflito com a figura paterna é algo que parece desencadear o demonismo do
protagonista, que se enamora da filha do padrasto e o mata em legítima defesa ao tentar
defender a mãe e a irmã de suas violentas crises decorrentes da ingestão excessiva de
bebidas. É com base nesses acontecimentos que o narrador tenta justificar o delito
cometido por Fernando Cão que, apesar de entregar-se espontaneamente à polícia, foi
encarcerado com criminosos da mais baixa extração. Outras façanhas narradas pelo
narrador nos fornece um retrato do protagonista que consegue vencer seus antagonistas
pela astúcia e pelos disfarces que assume. Além disso, narrador faz questão de ressaltar
que ele não era um simples jagunço graças à cultura letrada que recebeu de um padre e
que era homem de ação e de palavra. Contudo, a entrevista com o único sobrevivente de
seu bando contrasta com o relato biográfico do narrador e desconstrói seu discurso
desmistificando vários argumentos que pendiam para a exaltação do herói. Dentre eles,
reforça-se o caráter dissimulado, egoísta e traidor de Fernando Cão, além de associá-lo
aos elementos pactários e demoníacos. A primeira alusão ao pacto consiste na afirmação
de que Fernando Cão conseguia fugir das piores emboscadas depois de ter feito “acordo
com os macacos”. Outra característica alude a um comportamento “faustoso”
(corresponde aqui à acepção de luxúria que o termo adquiriu) do protagonista:
“Fernando Cão parecia rei, lenço de seda no pescoço, anel de doutor no dedo, relógio de
dar corda no bolso, dependurado com correntinha de ouro, cabelo encerado com
gomalina, bem apessoado até era” (Gomes 1997, p.309). Os apontamentos do jagunço
entrevistado se contrapõem a cada um dos argumentos anteriores do narrador e
desenham um destemido pactário do demo, um Fausto do sertão, “que trocou sua alma
pelo corpo fechado” (Gomes 1997, p.312).
A narrativa de Cardoso Gomes flui como um rio e os diferentes discursos e
pontos de vista crescem diante do leitor para que este possa obter o distanciamento
crítico necessário e julgar as complexas artimanhas do protagonista. Por isso, além do
discurso do narrador e do jagunço também nos é apresentada uma autobiografia na qual
Fernando se declara o demônio de mil faces e mil nomes diferentes, texto que consiste