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atender as exigências práticas do processo industrial de produção e difusão da notícia.
Suas peculiaridades são, portanto, próprias
de
e específicas
à
sua materialidade
discursiva, caracterizações mesmas que dão visibilidade a esta linguagem – esta prática
discursiva “transfronteira” –, ao mesmo tempo em que tais marcas – sígnicas e
semânticas – expõem e exibem suas (in) coerências, (in) congruências, bem como suas
lógicas e racionalidades.
Sendo assim, quem é o autor do discurso da notícia? É bastante provável que esta
autoria esteja, certamente, bem para além de quem a escreve, o jornalista, produção
mesma que é e se dá no meio social – “obra e instrumento” (Morin, 2005) –, inscrita na
tecelagem de sentidos que tornam cada época reconhecível a si própria. Portanto, social
e histórica perante sua própria memória: artefato arqueológico que as gerações futuras
irão ou não desencavar dos arquivos do esquecimento, para saber dos sentidos de hoje
que amanhã serão passados, por tantas e quantas vezes tão remotos, distantes, como
indiferenciados... Até saírem de seu silêncio, de sua insignificância (Davallon, 1999), do
esquecimento profundo em que se encontrem, e de lá retornarem como vestígios, traços,
vermes, fontes e berços de memória.
Um primeiro passo aqui sugerido para tentar elucidar a autoria do discurso jornalístico é
desvendar antes o discurso – o que é ele, do que se trata? Em sua aula inaugural no
Collège de France
, em dezembro de 1970, Michel Foucault afirmou supor que “em toda
sociedade a produção do discurso é ao mesmo tempo controlada, selecionada,
organizada e redistribuída por certo número de procedimentos que têm por função
conjurar seus poderes e perigos, dominar seu acontecimento aleatório, esquivar sua
pesada e temível materialidade” (1996, pp. 8-9).
Posteriormente, no curso em que procurou “constituir pouco a pouco uma ‘morfologia
da vontade de saber’”, o filósofo escreveu que “As práticas discursivas não são pura e
simplesmente modos de fabricação de discursos. Ganham corpo em conjuntos técnicos,
em instituições, em esquemas de comportamento, em tipos de transmissão e de difusão,
em formas pedagógicas, que ao mesmo tempo as impõem e as mantêm” (Foucault,
2007, p. 12). Tais práticas, “com seus princípios de exclusão e de escolha”, “não
remetem a um sujeito de conhecimento”, mas, “antes de tudo, designam uma vontade de
saber, anônima e polimorfa, suscetível de transformações regulares” (p. 13).