Anais do 1º Colóquio Internacional de Texto e Discurso - CITeD - page 767

sua infância. Porém, Eco não conta sua história em primeira pessoa, mas cria um
narrador que se assemelha em muitos aspectos a ele mesmo.
Giambattista Bodoni, conhecido como Yambo, colecionador e vendedor de
livros antigos, vive em Milão. Certo dia, ao despertar de um coma, cuja causa não nos é
revelada, descobre que perdeu sua memória pessoal e afetiva, aquela que constituiria
seu ser e sua própria história, embora preserve sua memória coletiva, a chamada
memória semântica. Yambo se lembra quem foram Napoleão e Júlio Verne, consegue
citar trechos inteiros da
Divina Comédia
, sabe como dirigir um automóvel e escovar os
dentes, mas é incapaz de se lembrar que é casado com Paola, que tem duas filhas e três
netos e está na casa dos 60 anos, mesma idade de Eco no início dos anos 1990, quando
se passa a ação.
Depois do coma que causou a perda da memória, seguindo as recomendações
de seu médico e de sua esposa que é psicóloga, Yambo viaja para as montanhas do
Piemonte, para a casa de campo que fora de seu avô, um colecionador de tralhas,
quinquilharias, jornais e revistas antigas, lugar onde passou grande parte de sua infância
e adolescência.
Nessa propriedade da família, em Solara, Yambo passa a procurar nos objetos
que fizeram parte de sua vida, vínculos com o passado e as chaves para sua lucidez. O
contato com músicas, odores, livros e quadrinhos, coisas que viu e tocou há sessenta
anos, o ajudam a recuperar o presente. Por meio dos salvo-condutos do passado, livros
de Júlio Verne, gibis com histórias de Mickey, Flash Gordon e Dick Tracy, canções
populares e hinos fascistas, discos de 78 rotações, figurinhas de álbuns famosos,
embalagens de chocolate e brinquedos, Yambo vai dissolvendo pouco a pouco a névoa
da memória, ao mesmo tempo em que Umberto Eco parece resgatar sua própria
juventude, misturando, página a página, sua história com a do protagonista da trama.
Nessa busca pelo passado adormecido, Yambo encontra nos livros que formaram sua
personalidade a oportunidade de recuperar sua própria história e, assim, corrigir os
defeitos de uma existência que, muitas vezes, fugiu do seu controle.
Justificando o subtítulo, “romance ilustrado”, a edição é repleta de ilustrações
dos anos 1930 e 1940. A obra apresenta um panorama da Itália durante o período
fascista e da guerra, em que o protagonista faz muitas referências à literatura, à história,
à filosofia, à religião e à política. Eco revisita, através de Yambo, o passado de uma
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