Anais do 1º Colóquio Internacional de Texto e Discurso - CITeD - page 763

tanto a época quanto a sujeição religiosa vigente naquele contexto impedem que o
descentramento seja mantido. Tudo é resolvido ao final da trama pela interferência de
Júpiter
ex machina
. O sujeito expresso pela dramaturgia plautina jamais contestará o
deus. Anfitrião é monolítico. Apesar de sua revolta implícita, a unidade monolítica
inicial retorna ao final da peça.
É a subversão paródica dessa condição que Saramago promoverá em seu
romance ao recuperar, palimpsesticamente, a peça plautina e o mito da duplicação.
Catalisando elementos que permitirão fazer uma reflexão sobre a questão identitária do
sujeito, o escritor português propiciará a sua personagem principal certo grau de tensão
emocional, de ansiedade ou de medo, o que acaba por desestabilizar sua identidade,
colocando-a em estado de alerta. Esse momento de transformação identitária
desencadeia momentos de conflito interno ou de sentimentos extremos,
desestabilizando-a ainda mais e levando sua identidade a entrar em choque.
Na obra de Saramago, não há núcleo interior imutável, mas indecisão e
mutabilidades periódicas. A personagem saramaguiana transita do que se conhece como
sujeito moderno para o que Hall (e também Linda Huchteon) chama de sujeito pós-
moderno, ou sujeito contemporâneo
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, que é fragmentado, descentrado. Transformado
continuamente pelas características sociais que o rodeiam e sem um centro unificador, o
sujeito “pós-moderno” é um indivíduo que apresenta várias identidades, eventualmente
contraditórias por causa do modo de usá-las conforme as necessidades de mudança
estruturais e/ou institucionais. A identidade desse sujeito é definida pela História, e não
mais pela religião. Esse sujeito, que assume identidades diferentes em diferentes
momentos, apresenta mutabilidades conforme suas realidades e necessidades.
N’O
Homem Duplicado,
temos, como exemplo dessa mutabilidade, a postura do professor de
História ao assumir o lugar de seu duplo:
(...) levo-a, ninguém me verá, E como me vais levar tu, se já não tens carro,
Estou com o que era dele. A mãe abanou a cabeça tristemente e disse, O
carro dele, a mulher dele, só falta que passes a ter também a sua vida, Terei
de descobrir outra melhor para mim, e agora, por favor, vamos comer
qualquer coisa, tréguas à desgraça (Saramago, 2002, p. 306).
Essa quebra de referências no romance reconfigura, sistematicamente, as
diversas formas de o narrador buscar sua identidade perdida. E essa obsessão pelo duplo
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Há também a variante sujeito da modernidade tardia, proposta por Fredric Jameson em seu
Pós-
modernismo:
a lógica cultural do capitalismo tardio
.
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