Anais do 1º Colóquio Internacional de Texto e Discurso - CITeD - page 760

O teatro é o espaço de representação da tragicomédia plautina; nele, o escritor
latino reconstrói a cidade de Tebas, das grandes histórias mitológicas, dos deuses e
heróis. Já o espaço da narrativa saramaguiana é qualquer grande cidade de nossa época,
na qual os seres humanos, envolvidos no universo globalizado, onde tudo é massificado,
inclusive as relações pessoais, perdem a sua individualidade.
Assim, a disposição do cenário no começo do
Amphytruo
já é suficiente para
percebermos o alto e o baixo que caracterizam a obra. A peça começa com Mercúrio em
um lugar acima de sua plateia, a dialogar e a antecipar os fatos que ocorrerão na peça.
Na cena seguinte, o espaço representado é o da casa de Anfitrião. Nesses cenários
ressaltamos a coexistência de elementos que se opõem: o das regiões do Olimpo, onde
habita Júpiter, e o terreno, representado pela casa de Anfitrião e pela área desta.
Temos, disseminado pela peça, esse jogo entre os espaços celestes e terrenos,
sendo que o terreno será o local das ações, sejam elas sexuais (relacionamento entre
Júpiter e Alcmena), de revelações (aparecimento de Júpiter epifânico a Anfitrião), o
lugar do conflito (briga entre Anfitrião e Alcmena, briga entre Sósia e Mercúrio, tensão
entre os dois Anfitriões) etc.
Esse espaço é, guardadas suas devidas proporções, semelhante à praça pública
carnavalesca de que nos fala Bakhtin. A praça pública é “o principal palco das ações
carnavalescas”, uma vez que “o carnaval é, por sua própria ideia, público e universal,
pois todos devem participar do contato familiar” (Bakhtin, 1997, p. 131). Estas
observações referem-se ao carnaval enquanto festividade, mas podem ser ampliadas e
estendidas à leitura de espaços ficcionais que permitam e estimulem a interação plena
entre as personagens, como aparece fortemente evidenciado no teatro de Plauto.
Já em
O Homem Duplic
ado, a oposição entre o espaço sagrado e o profano dá-se
pela representação da escola e do cinema. A escola é o lugar do tradicional, das certezas
e das verdades, espaço que representa o sagrado. Já o cinema é o lugar da representação,
da farsa e da mentira, um espaço que representa o profano. Trasladada para o romance,
essa noção de espaços celestes e profanos adquire novo tom, passando por um
deslocamento que os obriga a serem relidos por Saramago em nossa sociedade pós-
moderna. É essa releitura que configura o deslocar do espaço celeste para a escola e do
espaço terreno para o cinema.
Tanto n’
O Anfitrião
quanto n’
O Homem Duplicado
temos, como núcleo base de
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