Anais do 1º Colóquio Internacional de Texto e Discurso - CITeD - page 710

tomando emprestado o termo interdiscurso
2
. Assim, o repertório da criança, as
diferentes experiências culturais que presenciam e vivenciam constituem o
interdiscurso, que, por sua vez, ocupa um papel imprescindível nas práticas de leitura e
de construção de textos tanto escritos quanto orais, pois é na interdiscursividade que se
dará toda a prática dialógica, todo jogo de negociações discursivas e as trocas de saberes
que caracterizam a relação inter-intradiscursiva, a partir da qual a criança começa a
elaborar seu trabalho de escrita. Vale ressaltar que o interdiscurso se compõe por meio
dos esquecimentos dos discursos do outro. Sobre a noção de interdiscurso, Smolka
(2001, p. 40) defende, do ponto de vista bakhtiniano, o processo dialógico na concepção
desse lugar na memória discursiva:
É no sentido da internalização do discurso de outrem que Bakhtin nos fala,
nos seus últimos escritos, do movimento de apreensão das “palavras alheias”
e na transformação dessas “palavras alheias” em “palavras próprias”, num
processo de “esquecimento progressivo dos autores”: ao serem incorporadas,
as palavras dos outros, as vozes dos outros, vão se apagando, tornando-se
anônimas, num processo de monologização da consciência (grifos do autor).
De acordo com Bakhtin (1995), de um modo geral, todo homem está sujeito a
sofrer o processo de monologização da consciência, pois, é por intermédio desse
processo que os sujeitos delineiam-se, constituindo suas formações discursivas. Dito de
outra forma, o sujeito, quando inserido em uma determinada sociedade, está em
constante contato com o mundo objetivo, isto é, as estruturas sociais, políticas e
ideológicas que são históricas e configuram as condições de produção de um discurso.
O contato com esse mundo objetivo permite que o sujeito reformule, no plano mental,
as experiências com essa realidade e guardadas na memória, num processo contínuo de
construção de conhecimento caracterizando o interdiscurso. Dessa memória discursiva
origina o intradiscurso
3
, sendo este compreendido como a subjetividade do
eu
. Contudo,
o
eu
não é uma formulação inatista, psicológica apenas, deriva das projeções do
interdiscurso, o qual é real e objetivo, mas mediante o processo de esquecimento, de
monologização a formulação do
eu
torna-se uma propriedade do sujeito, apaga-se a
materialidade histórica da língua.
O esquecimento é visto por Orlandi (2009) como estruturante do sujeito e dos
sentidos. Segundo essa autora, o processo em questão não é um ato voluntário, mas
2
De acordo com Orlandi (2009, p. 33), “o interdiscurso é todo o conjunto de formulações feitas e já
esquecidas que determinam o que dizemos”.
3
Charaudeau; Maingueneau (2008) observam que o intradiscurso é atravessado pelo interdiscurso.
1...,700,701,702,703,704,705,706,707,708,709 711,712,713,714,715,716,717,718,719,720,...1290
Powered by FlippingBook