“cada sociedade tem seu regime de verdade, sua ‘política geral’ da verdade: os tipos de
discurso que ela acolhe e faz funcionar como verdadeiros, (...); o estatuto daqueles que
tem o encargo de dizer o que funciona como verdadeiro”.
(FOUCAULT, 1979, p. 12)
O que é valorizado é o respeito aos pais, às regras estabelecidas pelos pais: “não
nos encontramos no verdadeiro senão obedecendo às regras de uma ‘política’ discursiva
que devemos reativar em cada um de nossos discursos” (FOUCAULT, 1999, p. 35).
Assim, Karen representa a figura “rebelde”, de transgressão, pois está, de certa forma,
afastada de um discurso dominante, não apta a “morar aqui”, para usar a expressão de
Jack.
Outra situação de instabilidade é exibida no 4º episódio, quando o namorado de
Karen vai jantar com a família. Louis, estudante de Filosofia Política, participante de
movimentos estudantis e sociais, hippie e vegetariano, conversa com Norma, enquanto
ela prepara o jantar, cortando um frango. O fato de ser vegetariano causou
estranhamento entre a família e Louis, defendendo um ideal de proteção aos animais,
justificou seu hábito alimentar. Porém, o foco não está na alimentação de Louis, mas
nas perguntas que parecem ter atormentado Norma. A cada pergunta, Norma parecia
descontar seu desconforto naquele pedaço de frango, cortando-o com mais força:
- Sr.ª Arnold, o que a senhora faz?
- Como assim?
- Qual é a sua profissão?
- Ah, claro [risos]. Certo... Nada. Quero dizer... Sou dona de casa.
- Então faz muita coisa.
- Você tem razão [risos]. Tenho que me desdobrar.
- Eu acredito... A senhora se sente realizada?
- Realizada? – surpresa – Acho que nunca pensei sobre isso.
- Deveria pensar, mãe. – disse Karen.
- A senhora fez faculdade?
- Fiz. Eu estudava História. Mas conheci o pai de Karen no 2º ano e não me formei.
- A senhora se arrepende?
- Oh [risos]. Não!
- [risos]. Que ótimo! Há mulheres que se sentem inferiores só servindo ao marido e aos filhos.
Após essa fala, um pedaço de frango cai no colo de Louis.
Ao analisar as mudanças e continuidades no papel da mulher no contexto
familiar brasileiro, Biazoli-Alves (2000) nos mostra que nos anos 30, 40 e 50 houve
uma abertura maior para a escolarização e profissionalização das mulheres. Também se
observa que a mulher prioriza a sua vida doméstica, deixando tudo de lado quando se
casa, o que evidencia o papel principal do homem dentro da família como provedor de
