Anais do 1º Colóquio Internacional de Texto e Discurso - CITeD - page 476

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ele se apresenta como se fosse uma peça de linguagem dotada de completude, resultado
de uma ilusão de que tudo foi dito e escrito, nada faltando e nada sobrando.
A língua é constituída pela falha através da impossibilidade de fechamento dos
sentidos produzidos pela sua inscrição na história. O Estado falha ao instituir regras
para uma escrita transparente com um sentido único, pois a língua não se constitui como
de madeira rígida na sua materialidade, mas na sua opacidade múltipla em que os
sentidos, enquanto efeito, são produzidos a partir da posição discursiva que o sujeito
ocupa e que determina o que ele pode e deve - ou não pode e não deve – escrever/dizer.
Conforme salienta (Pêcheux 2009, p. 146), o sentido de uma palavra ou
expressão não existe em si mesmo – na sua relação transparente com a literalidade do
significante – mas é determinada pelas posições ideológicas em jogo no processo sócio-
histórico em que estas palavras ou expressões são (re)produzidas. Reafirmando com as
próprias palavras do autor “[...] as palavras, expressões, proposições, etc., mudam de
sentido segundo as posições sustentadas por aqueles que as empregam [...]”.
Entra em jogo nessa questão, a Formação Discursiva (FD) definida como aquilo
que, numa Formação Ideológica (FI) dada, numa conjuntura dada, determinada pelo
estado de luta classes, determina
o que pode e deve ser dito,
articulado sob a forma de
uma arenga, sermão, panfleto, exposição, programa ou carta. Isso significa que as
palavras, expressões ou proposições recebem seu sentido da FD na qual são produzidas,
ou seja, os indivíduos são interpelados em sujeitos do seu discurso pelas FDs que
representam, na linguagem, as FIs que lhes são correspondentes (Pêcheux 2009, p.147).
De acordo com o autor, se uma mesma palavra, expressão ou proposição podem
receber sentidos diferentes, conforme se refira a esta ou aquela FD é porque uma
palavra, expressão ou proposição não tem um sentido próprio, vinculado a sua
literalidade. Pelo contrário, seu sentido se constitui nas relações em que tais palavras se
mantêm com as outras em uma mesma FD.
Se as palavras não possuem sentido nelas mesmas, mas na posição daquele que a
escreve ou diz, o Estado ao impor ao preso o modo como deve e pode escrever para que
sua carta chegue até o seu destinatário, esquece que em todo o ritual/lei/norma há falhas,
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