Anais do 1º Colóquio Internacional de Texto e Discurso - CITeD - page 411

Bourdieu. De acordo com as teorias do sociólogo, o discurso por si só não tem
autoridade se não for pronunciado por uma pessoa legitimada a pronunciá-lo. Por isso, o
ethos
não é apenas uma construção discursiva: ele se baseia na autoridade exterior do
enunciador, que concentra o capital simbólico acumulado pelo grupo que ele representa,
ou seja, que é reconhecido como uma autoridade pelos demais membros. Assim sendo,
o discurso adquire, segundo Amossy (2008, p. 121), uma dupla perspectiva:
interacional, em que a eficácia discursiva não pode ser compreendida fora da troca entre
participantes, e institucional, visto que tal troca é indissociável das posições ocupadas
pelos participantes no campo no qual atuam.
Diferentemente do
ethos
dos pragmáticos, que é puramente interno ao discurso, o
dos sociólogos apóia-se em trocas simbólicas e posições institucionais exteriores ao
discurso. Buscamos, aqui, utilizar as duas abordagens de forma complementar, seguindo
os passos de Amossy, Maingueneau e Viala. “A construção discursiva, o imaginário
social e a autoridade institucional contribuem, portanto, para estabelecer o
ethos
e a
troca verbal do qual ele é parte integrante”, conclui Amossy (2008, p. 137). Em outras
palavras, o estudo da enunciação aqui proposto considera: 1) a imagem construída pelo
enunciador no discurso, ou o
ethos
propriamente dito; 2) a imagem preexistente do
enunciador (
ethos
prévio ou pré-discursivo); 3) conjunto de valores incorporados tanto
no discurso quanto nos posicionamentos do ser empírico, ou seja, aproximação do
ethos
com o
habitus
.
O habitus representa a marca da sociedade no indivíduo, que se expressa de forma
inconsciente. “Estrutura estruturante, que organiza as práticas e a percepção das
práticas, o habitus é também estrutura estruturada: o princípio de divisão em classes
lógicas que organiza a percepção do mundo social é ele mesmo o produto da
incorporação da divisão em classes sociais” (BOURDIEU, 1979, p. 191).
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O habitus pode ser considerado como um mecanismo de interiorização
inconsciente do exterior, e é um produto da posição e da trajetória social do indivíduo.
O habitus primário é construído durante a infância, no seio da família, e as disposições
nele apreendidas são as mais duráveis, pois são as mais precocemente adquiridas. Como
toda família ocupa uma posição no espaço social, a educação recebida é, em geral,
ligada a uma posição de classe - a divisão social leva à construção de diferentes habitus
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As traduções utilizadas são nossas e os trechos originais foram omitidos para facilitar a leitura.
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