Anais do 1º Colóquio Internacional de Texto e Discurso - CITeD - page 999

deve preencher criticamente”. Volta-se a ideia do mascaramento engendrado na
composição do
Chalaça
(1994):
[...] a trapaça do pícaro atinge o leitor: o narrador se esforça para identificar-
se com o autor implícito e assim aparecer como o autor real. Esse processo se
constrói por meio de uma motivação realista do texto que conduz o leitor a
sentir-se perante um documento e não perante um texto ficcional. (González,
1994, p. 268).
Estas são ideias funcionais no romance de Torero (1994), pois é o processo
supracitado da motivação realista que conduz também o processo de releitura crítica da
história brasileira por meio do ponto de vista de Francisco Gomes da Silva. As
características da picaresca espanhola permeiam, assim, a obra
O Chalaça
(1994), de
modo a ancorá-la no tripé básico do gênero: a presença do anti-herói (desconstrução do
altruísta cavalheiro medieval), seu projeto de ascensão social e a sátira social exposta na
narração. Esta, no caso do romance histórico de Torero, é apresentada na visão
carnavalizada dos fatos que revelam o aventureiro processo de ascensão social do anti-
herói por meio do cultivo da aparência, pois “o Pícaro quer confundir-se com o ‘homem
de bem’ para, assim, parecendo, ser um ‘homem de bem’” (González, 1994, p. 79).
A leitura apresentada do diálogo do romance de Torero com a picaresca
espanhola permite uma maior compreensão do processo realizado pelo romance como
texto centralizador dos sentidos que lhe são agrupados pelos intertextos, apropriando-se
de seus signos e conduzindo-os para suas próprias construções. O passado é resgatado
no presente a partir de materiais textuais: “a paródia intertextual da metaficção
historiográfica encena as opiniões de determinados historiógrafos contemporâneos: ela
apresenta uma sensação da presença do passado, mas de um passado que só pode ser
conhecido a partir de seus textos, de seus vestígios – sejam literários ou históricos”
(Hutcheon, 1991, p. 164). A paródia da picaresca clássica permite que o texto se abra
para novas possibilidades significativas na retomada dos signos da história, ou outros
caminhos para se atingir objetivos semelhantes.
Com isso, pode-se afirmar que muito da compreensão e até mesmo do prazer na
leitura do romance histórico, e mesmo da literatura em geral, como demonstrado pela
análise do romance, só é possível pelo resgate de determinados conhecimentos, ainda
que de modo inconsciente, ou da ativação nas estruturas profundas da mente de certos
mitos ou percursos míticos, processos que se articulam pela linguagem. No caso das
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