Anais do 1º Colóquio Internacional de Texto e Discurso - CITeD - page 548

ou ainda Raskólnikov, personagem de
Crime e Castigo
. O estilo e a própria
sensibilidade aproximam esses dois escritores.
Assim como a liberdade e a verdade são temas presentes nos textos desses dois
pensadores, a autoconsciência do homem narrada na obra de Dostoiévski é uma
característica presente em várias de suas obras.
Ao mesmo tempo em que tal autoconsciência critica o racionalismo, (caso de
Memórias do Subsolo
), também é capaz de revelar um homem em construção, um
homem profundamente incomodado. Vale ressaltar que tal incômodo em algumas de
suas personagens surge como certa indiferença, um genuíno niilismo, por exemplo,
Kirílov (personagem de
Os Demônios
). “Sou terrivelmente infeliz porque sinto um
terrível medo. O medo é a maldição do homem. Mas proclamo o meu arbítrio e sou
obrigado a crer que não creio” (DOSTOIÉVSKI, 2005, p.599). Essa mesma personagem
irá proclamar “que todo o planeta é uma mentira”, ou seja, o homem vive
acreditando
em mentiras. Nessa obra,
Os Demônios,
de Dostoiévski, percebe-se claramente a
inquietação com o niilismo e com o problema de uma Verdade, assim tal inquietação
aproxima-se do filósofo Nietzsche, pois em seu texto
Verdade e mentira do sentido
extra-moral,
ao analisar a verdade o filósofo irá perguntar sobre ela. Existe realmente
uma verdade absoluta? Para Nietzsche não, pois tudo não passa de uma questão de
interpretação, isto é, não há no homem um destino para a verdade ou para o
conhecimento. Tal crítica ao conhecimento, ao valor da ciência, vale ressaltar, é
predominante em seus primeiros textos de 1870 a 1876. Posteriormente, sua análise irá
passar para o campo da moral, no entanto, como bem lembra Roberto Machado, tal
divisão não é tão incisiva assim, uma vez que, embora a moral tenha maior destaque em
sua análise, a arte ainda permanecerá como a grande
redentora
humana, ou seja, a
despeito da ciência, a arte é o maior impulso humano.
A questão da verdade estará presente na filosofia nietzscheana, e dessa forma a
inquietação com o niilismo surgirá no pensamento do filósofo como também no de
Dostoiévski. Desse modo, percebe-se que Dostoiévski foi além das fronteiras literárias,
pois saiu do campo literário e mergulhou em um universo filosófico e psicanalítico.
Os pensadores modernos Nietzsche e Dostoiévski inovaram tanto na filosofia como no
interior da literatura. Com seu aforismo e sua forma paradoxal, Nietzsche mostrou sua
sensibilidade e, por que não, sua racionalidade marcante; por outro lado, Dostoiévski
ultrapassou toda a literatura romanesca, ou seja, criou um universo literário que se
aproxima com maestria da filosofia. Pode-se dizer, então, que sua obra não só inovou
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