Anais do 1º Colóquio Internacional de Texto e Discurso - CITeD - page 191

Narrando em primeira pessoa, o enunciador conta com um coenunciador
ficcional, um doutor da cidade, a quem recorre sempre em busca de adesão à tese de que
o diabo não existe, portanto, o pacto não teria validade. Em outro movimento
discursivo, busca convencer o doutor, com artimanhas argumentativas, de que teria
havido um caso de amor entre ele, Riobaldo, e seu amigo Diadorim.
Neste trabalho, escolhemos examinar a trajetória discursiva de Riobaldo em seus
esforços para construir seu
ethos
e, através dele, construir também a imagem
sexualmente ambígua, do ponto de vista dos estereótipos, de Diadorim. Com esse
movimento, o enunciador almeja criar, na enunciação, a mesma tensão que
experimentara no plano da história. Para esse exame, valemo-nos dos conceitos de
enunciação e de
ethos
, do ponto de vista da Análise do discurso de linha francesa.
Assim, concebemos a enunciação na dimensão do discurso [ em oposição à dimensão
lingüística], segundo a qual a enunciação refere-se “...ao contexto no interior do qual se
desenvolve o discurso. Nesse nível, pensa-se em termos de cena de enunciação, de
situação de comunicação, de gênero do discurso...” (CHARAUDEAU E
MAINGUENEAU, 2004). O
ethos
discursivo, “imagem de si construída no e pelo
discurso” (AMOSSY, 2005, p.142), é parte integrante da cena da enunciação e sua
constituição se faz na própria enunciação.
O exame das estratégias discursivas do enunciador Riobaldo permite detectar, de
início, a preocupação com a construção do
ethos
. De fato, o ex-jagunço, agora em
situação confortável de fazendeiro aposentado, começa por colocar-se como um
simplório ignorante, contrapondo-se ao invejado e adulado coenunciador, doutor da
cidade grande. Os elementos discursivos referentes a essa relação já foram objeto de
estudo em outra ocasião (SPERA, 2004). Nesse trabalho, como já afirmamos, faremos o
exame da construção de Diadorim, com referências à construção do
ethos
do enunciador
Riobaldo.
Relação em conflito
A relação entre os dois jagunços começa a ser referida aos poucos, com menção
à amizade que os une e considerações sobre a condição de enunciação:
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