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o subir a serra gaúcha, pela
BR 116, no km 162 e a cinco quilômetros antes de se
chegar a Caxias do Sul, depara-se com um vilarejo espalhado pelo vale cuja fundação e
desenvolvimento, enfim sua própria história, associa-se indelevelmente à Imigração
dos operários de Schio ao Brasil. Seu nome é Galópolis.
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Vista
do casario operário numa das ruas centrais de Galópolis.
Fonte: Antonio Folquito Verona (janeiro, 1996). |
egundo a
historiografia riograndense, em 1891 teriam partido de Schio, para o Rio Grande do Sul,
308 operários e seus familiares. Destes, um pequeno grupo fixou-se na capital, Porto
Alegre (ver Família Scalabrin). Outro grupo, mais numeroso, adentrou o planalto para atingir as terras férteis
do Município de Caxias do Sul, cuja sede era, então, apenas uma modesta cidade
interiorana. Aí chegando, algumas famílias alojaram-se numa gleba denominada, na época,
de "5a. Légua" (Nossa Senhora da Maternidade), nas proximidades onde
há, ainda hoje, uma queda de mais de 80 metros do Arroio Pinhal. Se no início a fixação visava transformá-los novamente
em agricultores, passados alguns anos, 28 desses imigrantes fundavam, em
1894, a "Cooperativa de Tecidos de Lã"
que encampava a "Sociedade de Tecidos Tevere" e a "Sociedade Novità",
dissolvidas após decisão dos sócios, em assembléia geral, aos 4 de fevereiro de 1917.
propósito,
assim escreve Vânia Merlotti: (...) il caso particolarmente interessante della città
operaia di Galópolis, formata inizialmente da un gruppo di operai di Schio, licenziati
dalla Lanerossi e immigrati a fine Ottocento, i quali, organizzati in cooperativa,
fondarono un piccolo lanificio. La città operaia ad esso collegata, nata per
lesigenza di attirare, concentrare e fissare in un contesto urbano una potenziale
manodopera disseminata nelle colonie agricole (...) (Cf.
HEREDIA, Vânia Merlotti 120 anos de imigração italiana. In Revista da UCS,
Chronos, vol. 29 (1996), 1, pp. 128, número monográfico. Apud
http://www.italians-world.org/_vti_bin/shtml.exe/altreitalie/16_Riviste.htm/map).
entre os sócios fundadores
estavam os imigrantes: Giovanni Battista Mincato, Giuseppe Berno, Giuseppe Bolfe, Giuseppe
Casa, Giuseppe Comerlato, respectivas esposas e filhos. Na fotografia
abaixo, vemos os cinco operários adequadamente vestidos para o evento, nos primeiros anos
do séc. XX. Suas origens indicam que, na Itália, estiveram vinculados às unidades
fabris do Lanificio Rossi SpA existentes em Torrebelvicino, Pievebelvicino e Piovene
(Rocchette), municípios pertencentes ao circondario de Schio.
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Da esquerda para a direita -
em pé: Giuseppe Comerlato e Giuseppe Berno; - sentados: Giuseppe Casa, Giuseppe
Bolfe e Giovanni Battista Mincato. (Fonte: FORNER, Débora et alii Rezar e trabalhar:
a história de vila de Galópolis. Caxias do Sul, UCS, 1990.) |
ontudo, em 1904, o imigrante piemontês Ercole
Gallò, ex-químico-tintureiro da Fiação e Tecidos Porto-Alegrense, comprou parcialmente
a cooperativa. A pequena cidade que cresceu com o lanifício receberia, mais tarde, seu
nome. Com ele, interrompia-se a experiência de gestão coletiva e iniciava-se a
exploração do trabalho assalariado. Dois anos depois, o novo proprietário registrou a
empresa, com pequeno capital, na junta comercial por 30 contos de réis. Em 1912, o
lanifício acelerou seu crescimento, com a associação à casa comercial Chaves &
Almeida, que permitiu a compra de máquinas na Itália.
ascida das
mãos operárias, entretanto, teria outro fim, conforme nos atesta, sob outro enfoque, um
incógnito autor: Um grupo tentou a sorte em Caxias, em terras devolutas da quarta e
quinta légua. Construíram rodas d'água e montaram uma cooperativa para uma pequena
tecelagem de lã. Em 29 de janeiro de 1898 era inaugurado o Lanificio São Pedro. Sem
experiência administrativa, os italianos uniram-se a um antigo industrial de Piemonte que
modernizou a empresa. Em pouco tempo, Hércules Galló assumiu o controle da indústria de
tecidos de lã e o poder político na vila. Até hoje a localidade fundada pelos grevistas
de Schio tem o nome de um capitalista. (ZERO HORA, Porto
Alegre, 04/12/96, Fasc. Esp. In http://www.paginadogaucho.com.br/hist/cs.htm.)
s anotações contidas na folha de pagamento dos operários e
mensalistas, referente ao mês de setembro de 1912, revela-nos uma empresa pouco
burocratizada e cuja administração estava ao alcance dos fundadores e seus descendentes.
É possível detectar os nome dos antigos associados entre os trabalhadores assalariados,
conforme segue, em ordem alfabética: Albino Bolfe, Amalia Comerlato, Angela Dalle Molle,
Angelo Bellò, Bolfe Catterina, Catterina Piazza, Domenico Zicchelero, Egide Comerlato,
Enrico Comerlato, Ernesto Bellò, Francesco Baschiera, Giacinto Vial, Giorgio Dozziati,
Giovanni Battista (GioBatta) Canuto, Giovanni Bellò, Giovanni Berno, Giovanni Bos, Giovanni
Battista Mincato, Giuseppe Berno, Giuseppe Comerlato,
Giuseppe Dal Medico, Guerino Pizzolato, Isolina Leonardi, Luigi Trentin, Maria Portolan,
Pasquale Brusa, Pietro Pizzolato e Rizzieri Pizzolato.
interessante notar os nomes de três (destacados) dos cinco
fundadores nessa mesma relação. Giuseppe Bolfe e Giuseppe Casa, entretanto, não
aparecem na listagem, provavelmente, porque já haviam falecido. Ao que parece, os antigos
e novos associados tinham direito a retiradas em separado, numa forma de repartição dos
lucros, pois na mesma relação aparecem os nomes de: Ercole Gallò, Angelo Bellò,
Giovanni Battista (Giobatta) Canuto, Giovanni Battista Mincato, Emilio
Casa, Francesca Berno, Teresa Trentin, Giuseppe Comerlato, Benvenuto
Baschiera e Giorgio Dozziati como beneficiários de quantias que iam além do pagamento
pelo trabalho realizado.
empresa, passaria, todavia, por transformações em 1913,
com a constituição de uma nova firma: a Chaves Irmãos & Cia, cujo capital era de
700 contos réis. Em 1917, a empresa comprou os bens restantes da antiga cooperativa e, em
1928, os Chaves Barcelos adquiriram o controle da Sociedade Anônima Companhia Lanifício
"São Pedro", com capital de 4.500 contos réis.
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Galópolis:
estrada de acesso ao Lanifício "São Pedro", hoje COTEGAL.
Fonte: Antonio Folquito Verona (janeiro, 1996). |
egundo escreve o Prof. Mário Maestri,
professor de História do Rio Grande do Sul no Programa de Pós-Graduação em História
da Universidade de Passo Fundo: "Devido à baixa capitalização, a empresa deslizou
das mãos dos imigrantes para as do capital de origem luso-brasileira, que a administrou
em forma absenteísta. Porém, seu crescimento apoiou-se na exploração da mão-de-obra
adulta, juvenil e infantil, local e regional, de origem itálica. Fora o caso de
especialistas, o salário operário não cobria sequer as necessidades familiares,
obrigando crianças de nove e mais anos a trabalharem com os pais, para financiar o
consumo doméstico.
rande parte da força de trabalho explorada no
lanifício fora expulsa, parcialmente, do meio rural, pelo parcelamento, perda de
fertilidade e encarecimento dos lotes coloniais. Como em outras indústrias da região,
após a jornada na usina, o operário labutava em sua nesga de terra, produzindo parte de
sua subsistência, que não era paga pelo salário fabril.
evido ao baixo nível de salário praticado
pelo lanifício, não houve sequer desenvolvimento comercial e terciário em Galópolis,
apesar do seu meio milhar de assalariados. Os capitais ali produzidos tampouco foram
investidos na região.
enômenos de "ordem cultural"
não explicam a passividade, diante do alto nível de exploração, já que os acomodados
trabalhadores ítalo-gaúchos de Galópolis eram descendentes diretos dos rebeldes
operários de Schio.
expansão do Lanifício São Pedro, até
sucumbir às convulsões econômicas dos anos 1970, apoiou-se em ininterrupta política de
controle e cooptação operária, que manteve no acomodamento seus trabalhadores, até
após a II Guerra. O Lanifício propiciou moradia, cooperativa de consumo, farmácia etc.;
apoiou e controlou a fundação de círculo operário, de escolas, da igreja etc.
esse processo de alienação, desempenhou papel
essencial o caráter híbrido da mão-de-obra local, meio camponesa, meio proletária. A
desesperada defesa do sonho de viver na América como pequenos proprietários tornou-se o
algoz individual e coletivo do operário ítalo-gaúcho de Galópolis e de outras regiões
sulinas, incapaz de assumir plenamente sua nova condição e suas novas
necessidades." (Ver. MAESTRI, Mario RS: industrialização e pequena
propriedade. In http://www.correiocidadania.com.br/ed191/cultura3.htm)
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Galópolis:
Antonio Marchioro, descendente de imigrantes de Schio (ver Família Pressanto), que chegou à condecoração de
"operário padrão" no Lanifício "São Pedro". Fonte: Antonio Folquito Verona (janeiro, 1996). |
om a abertura da economia e a
importação de roupas a preços abaixo dos praticados pela indústria local, trouxe, nos
anos de 90 do século passado, um crise sem volta para a empresa que controlava o
Lanifício "São Pedro", então pertentecente ao grupo Sehbe. A falência foi
inevitável e o patrimônio existente acabou nas mãos dos próprios trabalhadores que
fizeram ressurgir, um século depois, a cooperativa de produção, agora sob o nome de
Cotegal (Cooperativa Têxtil de Galópolis). |
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