Page 190 - A trajetória da Faculdade de Ciências e Letras de Assis nos desafios educacionais do ensino superior: entre o passado e o futuro

destinatário (cavalo). Há uma vitalidade básica nesse artista, em sua
jovem esposa e no filhinho de ambos, como se eles fossem porta-
dores de vida num mundo de morte – a peste a seu redor, a Igreja
explorando o medo
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.
E esse traço se associa à atividade teatral: Arte
é vida, garantia de sobrevivência da humanidade. Já o destinatário,
cavalo de tração, representa o que há de mais humilde em termos
de audiência: muito longe (ou próximo apenas como objeto de ex-
ploração) de nobres, guerreiros, homens de negócios e religiosos
categorias sociais que, freqüentemente, se justapõem. O cavalo
trabalha, trabalha e leva sua pequena vida, junto com as pequenas
vidas daqueles humanos que trabalham, trabalham. Certamente,
há diferenças entre cavalo e pessoas, e a capacidade humana para
fabular é uma das mais importantes.
Joff, em seguida, tem uma visão: a Virgem Maria, com o
Menino, brincando na relva, ensinando-o a andar, ao som de mú-
sica suave. Ele esfrega os olhos, nada mais vê. O homem fala dessa
visão para Mia, que comenta: “Coisas de sua imaginação.”
É possível que aquela bonita visão estivesse no imaginá-
rio do artista. Mas, no filme, isso não se opõe, necessariamente, à
verdade, pelo contrário: a imaginação de Joff pode ser importante
suporte para uma visão da verdade menos perceptível. E os mais
afastados daquele mundo da imaginação – comerciantes, religiosos,
soldados – vivem muitas vezes em pleno reino da mentira.
Joff é um modesto sonhador, seus planos de futuro para o
filho são que ele se torne um grande acrobata, e faça mágicas im-
possíveis. Mia tem os pés muito mais no chão, mas declara amar o
companheiro, demonstra esse sentimento o tempo todo em relação
a ele e ao menino. A pobreza e a Arte, portanto, são espaços de liga-
ção comNatureza, Beleza, Amor, continuidade (gerações), Razão e
Imaginário associados.
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DELUMEAU, Jean.
Medo no ocidente:
1300/1800.
Uma cidade sitiada.. São
Paulo: Companhia das Letras, 1989.
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Faculdade de Ciências e Letras de Assis (1958-2008) 50 anos. Por que comemorar?