Evolução Humana e Aspectos Socio-Culturais


Esta página é uma síntese do módulo Physical Characteristics of Humans do curso World Civilizations I da Washington State University. Este módulo possui 24 páginas que foram traduzidas e disponibilizadas abaixo.

Características Peculiares da Espécie Humana 

Cultura é a principal característica distintiva de nossa espécie, e é de várias maneiras um reflexo das  nossas características físicas. Cultura desenvolveu-se  passo a passo ao longo de nossa evolução física. 
Um dos temas importantes no estudo evolutivo é a presença de artefatos culturais e evidências de práticas culturais no registro fóssil da primitiva vida humana. Evidências culturais e pistas sobre suas origens também podem ser relacionadas ao design único de nossos corpos e em nossos padrões de maturação. 

Se é verdade que cultura, pelo menos em termos mais complexos e elaborados , é uma característica distintamente humana, devemos ressaltar os seguintes questionamentos: Por que o comportamento cultural é tão exclusivamente importante aos seres humanos? Como e por que se desenvolveu? Qual o papel em nossas vidas? A cultura é um simples reflexo de nossa inteligência? Surgiu automaticamente relacionado ao aumento da caixa craniana? Talvez..., mas devemos responder criteriosamente, inicialmente precisamos examinar " como nós somos, fisicamente ?", e posteriormente podemos analisar as pistas sobre a natureza da cultura e seu papel em nossa existência.

O corpo humano apresenta um design notável que pode nos apontar, em grande parte, aspectos do nosso modo de vida. Algumas das habilidades mais importantes da nossa espécie podem ser observadas em características peculiares que determinam nossas vantagens especiais, limitações físicas, e o modo distinto que amadurecemos como indivíduos.

Estes aspectos se sobressaem quando comparados aos nossos parentes mais próximos, os macacos. Não iremos nos ater a diferenças secundárias entre macacos e humanos, pois ressaltaremos dez diferenças significativas que influenciam como nós vivemos nossas vidas como seres humanos:

Tamanho do Cérebro

Inteligência é relacionada ao tamanho do cérebro. Um aspecto claro na Evolução humana é o drástico aumento no tamanho do crânio. Podemos ver na imagem à esquerda o aumento da capacidade craniana ao longo de mais de 3,5 milhões de anos. O crânio de A. afarensis à esquerda possui o volume aproximado de 400 cc, (mesmo tamanho do cérebro de um chimpanzé). O crânio de Homo erectus no centro tem 1200 cc, e o crânio humano moderno, à direita  tem 1400 cc. A forma do crânio também foi alterada, ampliando a área frontal e  mudando as relações com o tamanho da face. Note que A. afarensis na esquerda, um hominídeo bem primitivo não tem quase nenhuma área frontal. 

A figura acima, mostra da esquerda para a direita, um macaco, chimpanzé, e cérebro humano. O cérebro humano aumentou também o número e profundidade das circunvoluções.

A evidência fóssil nos permite traçar o aumento gradual do tamanho de cérebro de 2,5 M.anos com algum grau de precisão.

 O tamanho de cérebro comum de H. habilis  (2,0 M. a.) era de 750 cc (crânio à esquerda na figura acima). No H. Erectus (próximo crânio à direita) podemos notar que houve a transição mais dramática, indicando o maior aumento evolutivo em tamanho de cérebro acontecido ao longo da linhagem evolutiva humana. Os primeiros H. erectus da África (1,7-1,0 M.a.) tinha o volume médio de 900 cc, os H. erectus de 500.000 anos já possuíam  cerca de 1100-1200cc, portanto dentro dos limites de variação do volume dos atuais H. sapiens.As formas mais arcaicas de H. sapiens (crânio do centro), datados entre 400.000-300.000 anos tem médias de mais de 1200 cc. O crânio neandertalense (segundo à direita), tem um tamanho de cérebro de 1500 cc portanto são realmente maiores que os cérebros da maioria dos humanos modernos. A média para Homo sapiens sapiens, é de 1400 cc 

Apesar da aproximada correlação entre tamanho de cérebro/tamanho do corpo e inteligência, devemos analisar com precaução, pois tais correlações são muito sutis. Tanto o tamanho do cérebro quanto  do corpo humano varia consideravelmente entre os indivíduo. O tamanho de cérebro de "gênios reconhecidos " pode variar de 1000 cc a 2000 cc em humanos modernos. Claramente, temos que examinar as características do cérebro para entender as relações entre características físicas e capacidades intelectuais ou mesmo entre a fisiologia de cérebro e comportamento sócio-cultural.

Surpreendentemente, um cérebro grande não é uma vantagem evolutiva óbvia, pelo menos não imediatamente, ou seja, um cérebro grande requer um cuidado extraordinário, alimentação com uma dieta rica em proteínas,  e um controle de temperatura primoroso para que possa funcionar corretamente. Portanto o aumento em tamanho do cérebro requereu mudanças no hábito alimentar primitivo, por causa da necessidade de maior aporte protéico. Enquanto a linhagem humana permaneceu onívora, uma preferência por carne aconteceu de fato com o passar do tempo. A necessidade energética associada ao funcionamento do cérebro requer um comprometimento de cerca de 25% de nosso metabolismo, o que representa um enorme investimento de energia, o que poderia ser um risco enorme em termos das chances globais para sobrevivência da espécie. Outro aspecto, foi a necessidade de obter um sistema para difusão de calor pois aquecendo demais o cérebro humano era potencialmente fatal dado o clima quente de África oriental.

 

Postura Ereta e Bipedalismo

Uma das características mais distintivas é nossa habilidade para caminhar ereto (bipedalismo). Este tipo de locomoção é experimentada ocasionalmente por alguns grandes macacos, porém apoiados nas mãos. Analisando o esqueleto humano podemos verificar que nossa anatomia é projetada para isto e afetou diretamente a estrutura deste esqueleto onde temos:  o crânio acima da coluna vertebral com o forâmen magno (passagem pela qual a medula espinhal se liga ao cérebro) centrado na sua base. Humanos têm uma curva em S na coluna para apoiar o peso superior do corpo. A estrutura pélvica foi adaptada para suportar a tensão e peso associado ao bipedalismo, bem como a ligação do fêmur com o quadril também foi modificado para estes propósitos. Evidências fósseis mostram que o Bipedalismo antecede o gênero Homo

Na figura ao lado podemos ver a modificação da pélvis e articulação do quadril necessário para bipedalismo contrasta " Lucy "  A. afarensis de 3.5 M.a. com um chimpanzé. Lucy era completamente bípede possuia uma postura ereta tipicamente humana, embora classificada como uma macaca. 

É interessante notar nesta consideração que as mudanças complexas associadas ao bipedalismo já estavam presentes na espécie de Hominídeo, A. anamensis datados em 4,2 M. a. e indícios não comprovados referentes a outro Hominídeo (A. ramidus que é até mais velho que A. anamensis datados em 4.4 milhões de anos)  mostram que a Postura ereta e o bipedalismo estava provavelmente presente no A. ramidus que vivia em um ambiente de floresta na Etiópia. 

O desenvolvimento do bipedalismo era uma " pré-adaptação " que permitiu aos descendentes dos Hominídeos sobreviverem e florescerem após os eventos que tornaram o clima mais seco após 5 M.a., que converteu ambientes florestais  em Savana. Concluindo a postura ereta e bipedalismo precedem o aparecimento de espécie humana, e inclusive a produção de ferramentas, como anteriormente atribuído como causa deste desenvolvimento.

O jovem Homo erectus à esquerda, datado em 1,65 M.a. já mostra completa modificação na anatomia humana sugerindo uma adaptação para o adverso hábitat africano. Conseqüentemente as mãos estavam livres para realização de outras tarefas que levaram ao aparecimento de um modo distintamente humano de vida que incluía a produção de ferramentas de acordo com padrões pré-estabelecidos e novos conceitos. 
Enquanto os pés das espécies de macacos atuais são adaptados essencialmente a vida nas árvores (caracterizados por possuírem dedão grande e capaz, como o dedo polegar de primata, de agarrar galhos das árvores) os pés dos hominídeos/humanos  são adaptados a locomoção bípede e o dedão do pé provê uma plataforma flexível para caminhar e correr. Outras adaptações do pé humano incluem uma porção proximal estendida e arcos para equilíbrio A estrutura do pé permite o uso completo de nossos poderes físicos para andar e correr ereto, livrando nossas mãos.

O pé humano é uma maravilha de engenharia, capaz de absorver choques e tensões de aproximadamente 6,000 libras durante uma atividades como o salto. É óbvio que sem tal pé efetivamente adaptado a locomoção bípede fariam de um hominídeo uma presa fácil para os predadores africanos, assim é razoável assumir que o andar ereto e um pé eficiente evoluiu conjuntamente.

 

A pele humana (sistema de difusão de calor)

Com a aquisição da postura ereta e do bipedalismo há aproximadamente quatro ou cinco milhões de anos atrás permitiu aos hominídeos sobreviverem e ampliar sua área de distribuição, ao mesmo tempo que ocorria o processo de desertificação onde as vastas florestas foram sendo substituídas por campos abertos (Savanas). Estas drásticas mudanças climáticas atuaram como uma forte pressão seletiva.Portanto os indivíduos com características favoráveis a ocupação de tais campos abertos deixaram mais descendentes e assim a postura ereta e o bipedalismo foram selecionados favoravelmente. Mas será que esta mudança era eficiente inicialmente? 
Dependendo do tipo de análise pois o andar ereto não é biologicamente muito eficiente, já que necessita maior gasto de energia em relação as outras formas de locomoção exibidas pelos mamíferos. Mas andar ereto gera muito calor químico resultante do esforço muscular. Então, o bipedalismo deve ser considerado uma mudança revolucionária pois livrou as mãos para outras tarefas, e provou ser uma tremenda vantagem evolutiva. Além de correr rapidamente pequenas distâncias, podemos manter uma velocidade moderada de marcha ou corrida durante um tempo surpreendente (longas distâncias). Macacos, em contraste, simplesmente não são capazes de tal esforço estendido. Eles cansam depressa e aquecem demais facilmente. 

Como que os humanos possuem tal resistência? se até mesmo jovens chimpanzés, que são mais fortes que os humanos, não podem sustentar esforço físico por períodos longos, como nós podemos. Uma parcela das causas dessa diferença na resistência é devido a constituição da nossa pele. Analisando a pele microscopicamente vemos que temos o mesmo número de folículos pilosos por polegada como pele de chimpanzé, porém nossos pelos são pouco desenvolvidos. Temos cerca de dez vezes mais glândulas sudoríparas que os macacos. A combinação de níveis altos de transpiração e pele desnuda faz desse tecido humano um dispositivo refrescante eficiente que dissipa o calor químico produzido através de esforço .

Esta aquisição evolutiva foi muito importante pois permitiu esforço físico contínuo e ainda facilitou o controle da temperatura já que nossos cérebros grandes exigem temperaturas controladas para funcionar. Sem uma pele eficiente funcionando como um radiador, nossos cérebros aqueceriam depressa demais durante esforço físico com potencialmente conseqüências fatais. 
O clima quente de África onde nossos antepassados evoluíram, deveria ter sido um fator seletivo importante para o reforço dessas características. Uma pele relativamente calva com muitas glândulas de suor faria difusão de calor da energia química gerada por esforço físico eficientemente permitindo que nossos antepassados correr mais rapidamente e durante maior tempo sem danificar os cérebros. Alguns pesquisadores sugeriram que o perigo devido ao aquecimento do cérebro, neste ambiente, tenha sido o fator que levou a linhagem humana a aumentar o tamanho do cérebro. Ou seja, a vantagem inicial de ter cérebros maiores não era ligada a maior inteligência, como nós acreditamos por muito tempo, mas sim, em relação a possuir  " circuitos " redundantes para nos proteger de golpe de calor.  Cérebros maiores, nesta visão, criaram a oportunidade para inteligência, mas isso era só um subproduto da vantagem inicial de defesa ao perigo de superaquecimento. Se houve redução de pelos na pele visando a difusão de calor do corpo debaixo de um sol equatorial, seria também favorecido a proteção d a própria pele com o aumento da melanina ( pigmento escuro da pele  humana que forma uma barreira para raios ultravioleta).

 

Porém esta aquisição (pele desnuda, com grande quantidade de glândulas sudoríparas e pigmentada) por outro lado impediu a expansão dessas populações para ambientes mais frios, até o desenvolvimento de fogo. A habilidade para sobreviver em locais moderadamente elevados ou afastados do equador devido as mudanças abruptas de temperatura durante as noite teria sido um problema para humanos. De fato, parece razoável supor que a necessidade de calor à noite pode ter dirigido a descoberta do uso do fogo como fonte de calor e sua utilização para cozinhar pode ter sido uma invenção posterior.

 

Mão Humana

Como no caso do pé, a mão humana é uma modificação de anatomia básica dos primatas. O dedo polegar humano é mais longo que no chimpanzé ou gorila e é posicionado ligeiramente mais afastado dos outros quatro dedos, portanto em posição mais oponível, possibilitando maior rotação. Isto significa que o dedo polegar pode ser girado contra os dedos o que permite pegar objetos de diferentes tamanhos com a mesma eficácia.

Esta sensível alteração anatômica cria um espectro amplo de funções que os humanos têm e macacos não; pois nos dá tanto a precisão quanto força para agarrar. 

O alcance de atividades passíveis de serem executadas pelas mãos humanas são bastante diversificada e possibilitaram a utilização de ferramentas como a lança, machado, utilizar agulhas e linha; acalmar uma criança; pintar uma obra-prima ou tocar uma música em um piano ou violino.

Face humana e a visão

A face humana, apesar de possuir o mesmo número de músculos que a face de um chimpanzé, mostra a adaptação a intensa e complicada vida social humana. Os chimpanzés apresentam muitas das expressões faciais básicas do ser humano, porém nós somos capazes de utilizar essas expressões com nuances de mensagens altamente complexas. Entre os mamíferos, nós somos os únicos a possuir a abertura dos olhos muito maiores que a íris, deixando uma grande porção da parte branca a vista. Apresentamos também outros sinalizadores bem evidentes, a sobrancelha e os cílios. Nossos olhos são capazes de comunicar estados sutis da mente, permitindo também ler e interpretar estados emocionais, atitudes e ações eminentes. Também note os lábios parecem aumentados em comparação ao chimpanzé. Expressões, sorrisos e contato olho a olho são mensagens não verbais e constituem um idioma internacional. Nós somos, como nossas faces constantemente revelam, criaturas muito sociais.

A imagem ao lado ilustra vários aspectos da evolução da face humana durante os 3.5 milhões de anos. A tendência mais óbvia, visível destes três crânios é o aparecimento de uma frente diretamente relacionado ao aumento do cérebro e também houve mudança gradual no ângulo da face como mostram as setas na figura ao lado chegando a uma posição quase que perpendicular. A face humana pode ser considerada como um sinalizador onde o envio de mensagens é uma de suas funções mais importantes. Um traço difícil de ser considerado é o queixo ( que só aparece no H.s.sapiens moderno), seu desenvolvimento pode ser associado ao aparecimento da linguagem e a fala que por sua vez está relacionada as modificações exigidas da garganta e boca. Portanto a face também está diretamente ligada ao nosso modo de vida (eminentemente Social) Atos complexos de comunicação são característicos de nossa espécie, que apesar de possuir idiomas completamente desenvolvidos, somos também extraordinariamente bem equipados para enviar mensagens não verbais.

Concluindo os crânios evidenciam além do aumento do cérebro o desenvolvimento gradual de uma vida social complexa pois a face provê evidência adicional de nossa existência intensamente social. 

O Homem compartilha com outros primatas a visão estereoscópica, ou seja, habilidade para ver em três dimensões. Este tipo de percepção de profundidade é possível devido ao posicionamento de nossos olhos na frente de nossas cabeças. Nossos cérebros são capazes de processar as diferenças entre as imagens produzidas pelos olhos como profundidade de espaço. 

Esta habilidade é fundamental para viver em ambiente arborícola e conseqüentemente foi conservado na linhagem humana. Herbívoros, como cavalos, têm freqüentemente os olhos posicionados lateralmente na cabeça, esses olhos não são adaptados para visão estereoscópica, mas sim para notar um predador que aproxima por detrás. 

Compartilhamos também a capacidade para perceber cor; ou seja, possuímos cones e bastonetes. Os mamíferos, excetuando os primatas, percebem o mundo em tonalidades de cinza. 
Essa habilidade dos primatas é provavelmente relacionada às necessidades de nossos antepassados em distinguir frutas maduras e verdes no hábitat arborícola, sugerindo ainda que fossem mais ativos durante o dia. Por outro lado a inabilidade da maioria dos outros mamíferos para perceber cor pode indicar a evolução a partir de animais pequenos, furtivos que sobreviveram adotando modo de vida noturno onde a percepção do colorido seria sem sentido. 

Dada esta habilidade, os primatas são coloridos e respondem às cores como parte de seu comportamento social. Na figura ao lado temos um macaco sul-americano acima e um macho mandril africano. Entre os macacos a cor é também utilizada como um sinal sexual, indicando domínio entre machos e o período de receptividade ou estro em fêmeas

Mandíbula e dentição humana

Temos a dentição básica dos mamíferos, dois conjuntos de dentes, o primeiro durante a fase juvenil e depois 32 dentes divididos em incisivos, caninos, pré-molares e molares. Os dentes dianteiros, ou incisivos são adaptados para cortar ou rasgar pedaços de comida, os molares (dentes de parte de trás) são adaptados para triturar os alimentos, os dentes de intermediários são também intermediários  na forma e na função. Ao contrário das outras espécies desde de cedo não possuímos os grandes caninos, usados para competir pela dominância do grupo. Dentes humanos são geralmente menores e menos especializados que os dos macacos.e a perda de caninos distintivos nos Hominídeos às vezes é considerado como um sinal que formas menos competitivas e mais cooperativas de comportamento social emergiram há muito tempo. Há pequena evidência para apoiar ou refutar tais afirmações. 
Uma " assinatura " na anatomia de nossa espécie, muito útil na pesquisa paleontológica são nossos molares com cinco saliências ou coroas enquanto os molares dos macacos têm só quatro. Nossas mandíbulas são relativamente pequenas. Esta tendência na diminuição da robustez coincide no registro fóssil ao uso de fogo, e portanto a substituição de uma característica física decorrente da aquisição de técnicas culturais que acabaram por assumir algumas das funções biológicas básicas, como mastigar materiais duros para torna-los digestível. 

Se fizermos uma análise restrita das características da mandíbula e dentes poderíamos concluir que nós os humanos tínhamos que sobreviver com uma dieta bastante restringida, pois a nossa anatomia nos limitaria para comidas suaves como frutas e baga e uma raiz ocasionalmente e completadas com os ovos de pássaros e insetos (de fato, este era a provável dieta das A. afarensis) nunca imaginaríamos que os seres humanos são os predadores mais ferozes e prósperos no planeta, e que nós comemos regularmente não só a carne de presas muito maiores bem como grãos duros, raízes e vegetais. 

Devemos considerar estes pontos com cautela pois nossa anatomia em alguns aspectos não prediz nosso estilo de vida atual. ou ainda que não estamos limitados por nossa anatomia como a maioria das criaturas. Processamos a carne dura através do cozimento, e moemos grãos e outras sementes entre pedras e processamos isto com calor facilitando a mastigação e digestão, ou seja superamos as limitações físicas com a utilização de técnicas culturais. Nossa cultura, sob esta ótica é uma extensão, um suplemento,  até para nossa anatomia. 

A garganta e a posição da laringe associada a fala

A garganta humana foi modificada para facilitar a fala. Nós temos uma câmara ressonância de 1 polegada e meia acima da laringe que serve para vocalização dos sons. O fabuloso alcance de sons que o aparato vocal humano pode produzir vai dos grunhidos e guinchos animais até a execução perfeita de uma ópera. 

Por outro lado tal adaptação da garganta humana para fala possibilita a ocorrência de sufocamento com alimentos, um perigo inexistente para a maioria das criaturas. 

Dimorfismo sexual

Em muitas espécies, os sexos são morfologicamente diferentes.Em alguns primatas, por exemplo nos gorilas, os machos são muito maiores e vultosos que as  fêmeas (em alguns casos, atinge duas vezes o tamanho de fêmeas).

 

Este também é o caso das primeiras espécies de Hominídeos onde a diferença sexual ou dimorfismo é expresso em termos de um grande diferencial de tamanho entre machos e fêmeas, À direita podemos visualizar os fêmures de adultos de A. afarensis (3.5 milhões de anos) onde os maiores são masculinos e os menores femininos. À esquerda, vemos a comparação entre os crânios de macho e fêmea de A. robustus (topo) e H. habilis (abaixo), a primeira espécie humana que viveu aproximadamente 2 milhões de anos atrás. 

Entre as espécies atuais de mamíferos dimorfismo desta ordem estão associados com competição masculina para " haréns " de fêmeas, como entre gorilas ou leões de mar. 

Podemos também associar tais comportamentos sociais às espécies antigas de Hominídeos De maneira interessante, este diferencial de tamanho enorme entre machos e fêmeas desaparece na linhagem humana há aproximadamente um milhão de anos ou seja, em H. erectus . Será que tal mudança anatômica reflete uma mudança significativa no comportamento ? Novamente, anatomia freqüentemente apresenta pistas sobre o comportamento social. 

Neotenia 

Neotenia é a retenção de características juvenis na forma adulta (maturidade). 
Em mamíferos, os jovens de espécies relacionadas freqüentemente se assemelham, como pode ser verificado ao lado, onde podemos comparar jovens babuíno e macaco de Gibraltar. Os jovens de várias espécies de mamíferos tendem a ter a face arredondada e não especializada, com o processo de amadurecimento, trilhas de desenvolvimento são seguidas e as características específicas se desenvolvem. Por exemplo, filhotes de Collie com cara arredondada crescem rapidamente e passam a ostentar o focinho prolongado típico.  
Afirmar que a neotenia é uma característica principal da espécie humana, significa estabelecer que em comparação aos demais primatas, fisicamente nós não nos  especializamos muito, ou seja não sofremos as transformações típicas que ocorrem na maior parte dos mamíferos durante o amadurecimento. Portanto retemos, a maior parte das características da fase juvenil dos primatas, como por exemplo, as faces arredondadas. Em outras palavras, nossa espécie mantêm-se generalista anatomicamente e notavelmente não ocorre o processo de especialização para um determinado estilo de vida.. Neotenia na espécie humana está relacionada à notável adaptabilidade nos tornando capazes, até mesmo na fase adulta, de se adaptar a um amplo espectro de situações de vida, ao invés de nos especializar  a um único nicho. Por causa desta característica, temos esta plasticidade comportamental, e conseqüentemente nos adaptamos bem a qualquer ambiente da Terra, do Equador até próximo aos pólos, do nível do mar até aproximadamente 4.000 metros de altitude.

Esta retenção das características juvenis dos primatas significou ainda o retardo da maturação e conseqüentemente a capacidade de aprendizagem de nossa espécie foi bastante ampliada concomitantemente ao aumento no tamanho do cérebro, desenvolvimento da indústria lítica e complexidade sócio-cultural. 

Retardo no processo de maturação

Em alguns dos grandes macacos, as diferenças entre jovens e adultos são bastante expressivas, como podemos verificar na figura ao lado (topo) onde temos um orangotango e sua cria. Usando este critério na foto inferior qual é o chimpanzé jovem ? O da esquerda ? 

De fato os dois teriam a idade relativa a adolescência no Homem, porém o da esquerda é um chimpanzé-pigmeu ou bonobo, esta questão esta colocada propositalmente para ilustrar o conceito de neotenia explicado anteriormente O Bonobo representa a espécie de macacos que apresentou maior similaridade ao Homem através de comparações do material genético ( DNA) e também é caracterizado pela ocorrência de neotenia. Bonobos retêm as características juvenis na fase adulta, da mesma maneira que nós fazemos. De fato, eles se assemelham a nós em muitas formas.

Relacionado a nossa retenção de características juvenis na fase adulta, está o nosso padrão desacelerado de desenvolvimento. Os seres humanos são os que levam muito mais tempo para amadurecer e portanto dependem por mais tempo dos pais em relação a descendência de qualquer outra espécie. 

Chimpanzés amadurecem sexualmente aos 5 anos; seus ossos do crânio se fundem na mesma época e é nesse ponto que ocorre a diminuição drástica da capacidade de aprender coisas novas. Por outro lado os seres humanos amadurecem sexualmente por volta dos12- 14 anos de idade; nossos ossos do crânio se fundem aos 16; e nós continuamos aprendendo ao longo de toda a vida. Permanecendo saudáveis, nós não perdemos a capacidade para aprender coisas novas. Além disso,  é difícil dizer quando nós ficamos realmente independentes de nossos pais.

Nosso desenvolvimento retardado é provavelmente relacionado com o aumento geral no tamanho de cérebro de nossos antepassados. O tamanho do cérebro não pôde aumentar indefinidamente, obviamente, sem conseqüências fatais para o feto. Fetos com tamanho do crânio muito grande tem problemas durante parto. O tamanho da pélvis feminina é um fator limitante do crescimento do crânio, pois também não pôde aumentar sem prejudicar a mobilidade da fêmea. Sendo assim, houve uma diminuição na velocidade de crescimento do cérebro e postergou-se  tal desenvolvimento após o nascimento da criança. Desta forma houve um comprometimento global do padrão de crescimento humano, e não só do desenvolvimento do cérebro fetal que reduziu a velocidade. Este padrão desacelerado de desenvolvimento é genético e tem conseqüências  enormes na cultura humana.

O significado, em termos práticos, desta redução na velocidade de desenvolvimento é que as crianças nascem completamente impotentes e permanecem assim durante um tempo considerável. É como se experimentassem  outro ano de gestação fora do útero, enquanto ocorre o crescimento rápido do cérebro. Dada a extrema dependência de nossa prole, que se estende até os 12 ou mais, a estratégia humana para uma reprodução efetiva,  envolve ter uma descendência relativamente pequena e dedicar quantias enormes de energia para orientar e acompanhar o crescimento de cada um.

A longa relação íntima da mãe com a criança,  provavelmente é a característica central de nossas vidas; é ai que se forma a base de nossa vida social posterior. Humanos normalmente são capazes de unir profundamente com outros e de estabelecer relações duradouras de muitos tipos. Esta capacidade parece relacionada ao nosso longo período de dependência juvenil.

Olhando a relação do lado do pai, indivíduos ou grupos de humanos tem sido capazes de prover uma quantia sem precedente de cuidados e atenção para os jovens com o objetivo de sobrevivência da espécie grupo cultural. É interessante notar nesta consideração que todas as sociedades humanas reconhecem relações de afinidade complexas e praticam alguma forma de matrimônio. Estes relacionamentos podem, a fundo, representar modos práticos para organizar apoio ao cuidado de crianças. 

Uma característica física incomum de fêmeas humanas provavelmente teve um papel fundamental neste conjunto de adaptações: no Homem, o estro ou período fértil é disfarçado no ciclo da fêmea, nem ela nem o companheiro pode precisar tal período. Em muitos mamíferos, como chimpanzés, o comportamento sexual é estritamente controlado geneticamente pelos hormônios lançados pela fêmea durante o período fértil.Quando um chimpanzé fêmea está em estro, ela acasala com machos da redondeza. O conceito de " escolha " nestes acasalamentos não pode ser aplicado ao macho ou fêmea, que simplesmente respondem aos estímulos hormonais..

Nos humanos, o período de fertilidade não é percebido e parece não afetar o comportamento sexual. Comportamento sexual pode acontecer em qualquer fase do ciclo. Portanto sob este aspecto os humanos estão livres da determinação do ciclo estral e podem escolher quando se acasalar. Freqüentemente, as relações macho-fêmea são duradouras ou simplesmente longas, entretanto o comportamento de acasalamento pode ser tão casual como o que ocorre entre os chimpanzés. 

Finalmente é interessante especular quanto do desenvolvimento da cultura foi direcionado pela necessidade de cooperação no provimento de cuidados para os jovens humanos (que apresentam desenvolvimento desacelerado) e quanto que essa relação longa e intensa entre a criança e pais influenciou o desenvolvimento da linguagem e outros aspectos típicos do nosso comportamento social.