Memória dos Catadores de Materiais Recicláveis de Assis (2001-2007)
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muitas privações.
Em seus relatos, evidenciam que não teriam condições de romper a margem se
não fosse a ajuda que vêm recebendo no sentido de superação do despreparo anterior, de
uma formação deficitária, escolar e profissional, para sua inserção no mercado de trabalho
e, para o acesso aos direitos diversos, os quais podem ser sintetizados no direito básico
de uma vida digna.
Nessas palavras finais, porém, para amarrar os fios que articulam passado e futuro,
faz-se necessário voltar à questão inicial sobre o significado, para o grupo, da guarda de
“fragmentos da memória” de suas lutas para garantir o direito ao trabalho e a uma vida
digna. Responder a pergunta parece uma tarefa simples, se a extensão desse registro de
memória aos demais segmentos da sociedade não implicasse entrar em confronto com
certos privilégios e concepções de mundo, já consagradas, do registro memorialístico,
antes prerrogativas de poucos. Adotar uma perspectiva que expande os suportes de
memória para os diferentes segmentos da sociedade sugere que eles constituam-se em
elementos fundamentais para consolidar a identidade social dos sujeitos, notadamente os
que foram colocados à margem da sociedade, por uma herança que remete à sua origem
social de despossuídos e os impede de ter acesso a outros bens culturais disponíveis
àqueles que, em razão de sua origem, controlam os circuitos do poder e de tudo o que lhes
confere prestígio social. Este livro, apoiando-se nas narrativas de seus protagonistas e no
registro fotográfico (e sua organização de forma adequada que propicia a preservação
da memória das lutas elementares dessa categoria de trabalhadores), permite ao grupo
a oportunidade de usufruir de dimensões que o valorizam socialmente e o colocam como
parte integrante da sociedade mais ampla, até de ser conhecido pelas gerações futuras,
revertendo situação secular de pessoas fadadas ao esquecimento, em decorrência dessa
origem. Portanto, o direito à memória integra o conjunto de direitos, inclusive ao passado
que propicia a cada pessoa as condições de reconhecimento pelas gerações futuras,
independente de seus feitos serem ou não heroicos.
Assis, primavera de 2012
Zélia Lopes da Silva
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