Zélia Lopes da Silva (Org.)
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EPÍLOGO
OS CATADORES: O DIREITO AO PASSADO
Assim, as narrativas do presente livro certamente trouxeram contribuições para se
pensar a exclusão social e seus desdobramentos no campo da memória e da história de
muitos brasileiros que foram esquecidos por suas elites no poder.
A exclusão desses grupos sociais do mercado formal de trabalho tem apresentado
outros desdobramentos que sinalizam para sua marginalização em todos os níveis e,
também, ao direito à memória e ao passado. Sabe-se que os registros memorialísticos
voltam-se àqueles protagonistas que se destacaram em atos considerados heroicos ou
em situações remetidas a experiências singulares ou traumáticas. Já os sujeitos comuns,
por não se enquadrarem nessas categorias, ficaram esquecidos e sem registros de suas
trajetórias, sempre consideradas banais e de pouco apelo para serem rememoradas, por
integrarem um cotidiano no qual as rotinas se repetem incessantemente, sempre atreladas
a dimensões da esfera privada que se articulam à luta pela sobrevivência.
Esse livro caminha em sentido oposto a essas projeções. Ao desenvolver esse
conjunto de atividades sobre um grupo de trabalhadores que desempenhava atividade
bastante marginalizada na e pela sociedade, criou outras possibilidades de reflexões
por trazerem conhecimentos e dimensões de vivências recortadas por dificuldades
e estratégias para enfrentar os reveses de um cotidiano marcado por privações. Mas,
também os relatos desses protagonistas evidenciam a busca por dias melhores e pela
garantia da sobrevivência e de um teto para os seus, sem perder de vista os sonhos e as
esperanças de superação nesse intento, em que pese os muitos obstáculos enfrentados
cotidianamente.
Ao incorporar a exposição como a segunda parte desse livro, a intenção foi trazer
a trajetória desse grupo de cooperados, nos anos iniciais da Coocassis e as primeiras
etapas desse processo, as quais envolveram a junção de dois projetos que buscavam
dar apoio aos que viviam da coleta de recicláveis e de um grupo de desempregados que
vinham se reunindo com a professora Ana Maria Rodrigues de Carvalho, em busca de
alternativas (e de possibilidades) para sua inserção no mercado de trabalho e de sua
valorização enquanto pessoas, na crença de que elas seriam capazes de se reinventar,
se lhes fossem dadas oportunidades para redefinirem as suas vidas, numa experiência
solidária e agregadora.
Se esse livro não tem o poder de alterar as condições materiais da existência de
cada um desses protagonistas, certamente dará a oportunidade ao público de conhecer as
muitas estratégias utilizadas por esses homens e por essas valorosas mulheres que cuidam
de sua prole de forma corajosa, independente dos obstáculos de cada dia, marcados por
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