Il
Moscone - semanário humorístico
e ilustrado do ítalo-brasileiro Vicente Ragognetti
Márcia Rorato
Professora/UEL
O
jornalismo em língua italiana foi uma das formas de expressão literária
desenvolvida entre os imigrantes e descendentes de italianos radicados na cidade
de São Paulo, sobretudo, durante as primeiras décadas do século passado.
Entre o início da imigração em massa e a primeira guerra mundial surgiram vários
jornais, que se dedicavam aos mais diversos assuntos e não permaneciam
circunscritos à comunidade italiana, mas tinham influência na vida e na
cultura do próprio paulistano.
São
Paulo transformou-se, pouco a pouco, no centro mais vivo do jornalismo italiano
no Brasil. As publicações mais difundidas e de maior relevo durante esse período
foram: La Tribuna Italiana, Il Secolo, L’Avanti, Corriere d’Italia e
o Fanfulla.
Após
a primeira guerra mundial, a imprensa em língua italiana se refez
consideravelmente, embora os órgãos de grupos operários anarquistas,
socialistas ou mesmo comunistas adotassem progressivamente o português para
associar imigrados de outras nacionalidades e os brasileiros à propagação de
seus ideais e interesses comuns.
Um
dos periódicos criados ainda em língua italiana durante este período foi Il
Moscone, fundado pelo
jornalista e escritor Vicente Ragognetti, que
já havia colaborado para jornais italianos tanto na Itália como no Brasil1.
Ragognetti
conseguiu mantê-lo em circulação por aproximadamente trinta e seis anos,
desde abril de 1925, quando saiu seu primeiro número, até agosto de 1961,
totalizando 1.357 números. O total de edições anuais era, em média, 50
exemplares. A tiragem declarada nas edições chegou a 12.000 cópias, ficando
em segundo lugar depois do jornal colonial de maior circulação na época, o Fanfulla2.
O
semanário teve correspondentes em agências e sucursais espalhadas por várias
cidades do Brasil e até mesmo do exterior. Havia correspondentes no interior do
Estado de São Paulo e também no Rio de Janeiro, onde foi inaugurada sua
primeira sucursal3.
As agências do exterior localizavam-se na Itália, nas cidades de Roma e Florença;
na Argentina, em Buenos Aires e Córdoba e na Bolívia, na cidade de Cochabamba4.
Foi
impresso em estabelecimentos tipográficos diversos, mas chegou a possuir sua própria
sede administrativa, que comportava tanto a redação como a tipografia.
A
princípio, era escrito em língua italiana, mas a partir de 1941 passou a ser
impresso em língua portuguesa devido às leis implantadas pelo Regime
Ditatorial que obrigavam os jornais estampados em língua estrangeira a
transformarem seus órgãos em publicações nacionais. Por conseqüência, seu
título também precisou ser alterado, passando para O Moscardo, após
ter conseguido aprovação do Conselho Nacional de Imprensa.
Il
Moscone era um semanal
ilustrado e humorístico que retratava os acontecimentos referentes, sobretudo,
à comunidade italiana, inserida no contexto urbano da cidade de São Paulo.
É
possível perceber o caráter humorístico do semanário a partir do próprio título,
Il Moscone, assim como através do slogan escrito logo abaixo, Ronzando,
scherzando che male ti fó?, seguido do subtítulo que expressa seu conteúdo:
umoristico, critico, illustrato. Apresentava ainda charges, tiradas de
humor em forma de quadrinhos e caricaturas que acompanhavam pequenas anedotas e
serviam para reforçar o humor da publicação.
As
colunas e seções eram redigidas no mesmo tom de humor, em uma linguagem com
duplo sentido, por vezes apresentando comentários e, até mesmo, ataques
diretos a personalidades ilustres pertencentes à colônia italiana ou mesmo à
sociedade paulista da época, assim como pessoas ligadas à imprensa italiana de
São Paulo, ou ainda, políticos brasileiros e de outros países.
A
sátira, o riso e a charge eram usados também para exaltar pessoas e fatos
relacionados a tais grupos. A partir do segundo número o semanário passa a
exibir abaixo do título, na sua primeira página, caricaturas que retratam, por
exemplo, os grandes industriais Francesco Matarazzo e Rodolfo Crespi. Embaixo
das imagens, alguns versos descrevendo de maneira irônica os homenageados.
Os
textos publicados são de diversos tipos, como opinativos, informativos e de
entretenimento. Os episódios relatados são de caráter local, nacional e
internacional, com destaque para assuntos ligados à política e à sociedade.
Os
eventos que aparecem com maior freqüência são referentes às questões
relacionadas à comunidade italiana de São Paulo, como a imigração, o
fascismo, a imprensa colonial, o futebol. Destacam-se, ainda, as instituições
italianas em São Paulo de maior relevância na época, como o Circolo Italiano,
o Consulado Italiano e o clube de futebol Palestra Italia.
Ao
longo dos anos de publicação ocorreram várias mudanças para acompanhar os vínculos
políticos estabelecidos, as quais causaram alterações significativas no seu
conteúdo. A princípio, o veículo se vinculava politicamente a movimentos de
extrema direita no Brasil. Em um certo período dedicou-se, inclusive, a fazer
uma campanha em prol do fascismo, publicando uma série de artigos sob o título
Perchè il fascismo è mal visto in Brasile5,
após ter recebido os serviços telegráficos de Roma para divulgar o
movimento.
Durante
os primeiros anos de publicação, as páginas do Moscone serviram,
assim, para difundir os ideários fascistas entre os imigrantes e descendentes
italianos no Brasil. Exibiam textos e imagens referentes ao movimento através
do editorial, mas também nas páginas internas por meio de charges e
caricaturas do Duce.
As
principais seções que compunham o periódico durante o período que foi
escrito em italiano foram “Il Pelo Nell’uovo”, “Pettegolezze Mondane”,
“Ba Ta Clan Coloniale”, “Pro-Cesso”, “Mosconcini Teatrale”,
“Freddure di Favelli”, “Vespaio Teatrale”, “Francobollo o senza
Francobollo”, “Pugni e Calci”, etc.
Nas
seções “Il pelo nell’uovo” e “Francobollo o senza Francobollo” são
apresentados comentários sobre as publicações dos outros jornais da imprensa
colonial em destaque naquele período, como o Fanfulla, o Pasquino Coloniale e Il Piccolo.
A
seção “Pro-Cesso” era composta por tiradas de humor e frases, extraídas
das paredes de banheiros de bares paulistanos freqüentados pelos jornalistas da
época, dirigidas, sobretudo, aos diretores dos jornais concorrentes, como
Arturo Trippa e Ermano Borla do Piccolo e Pasquino.
Dentre
as seções especialmente dedicadas à vida social dos italianos em São Paulo
destacam-se “Pettegolezze Mondane” e “Ba ta clan coloniale”, que
comentavam os eventos sociais e os acontecimentos da semana nos pontos elegantes
da cidade, onde os membros ilustres que compunham o círculo social da colônia
italiana costumavam se reunir, como o Trianon Masp e o Circolo Italiano no Edifício
Itália.
A
publicação possuía também a seção “Vespaio Teatrale”, dedicada ao
teatro, à música e ao cinema, na qual eram comentados os filmes e atividades
artísticas em cartaz, com ênfase na movimentação social provocada por tais
eventos. Na seção “Freddure di Favelli” eram apresentadas piadas
espirituosas escritas pelo artista cômico Carlo Favelli, que havia conquistado
a simpatia do público paulistano ao se apresentar no Teatro São Paulo.
Havia
ainda uma seção dedicada aos esportes, “Pugni e Calci”, que comentava não
só a atuação das equipes de remo e futebol, como também as controvérsias
entre jogadores e membros da diretoria dos clubes, sobretudo o Palestra Itália,
bem como as seções de cartas “Lettere a Zenaide”, “Le lettere di Gigi”
e “Le Lettere di Pasta Frolla al Moscone”.
Na
seção “Lettere a Zenaide” as cartas eram escritas sob o pseudônimo Nobile
Massimino, que representava um jornalista italiano à procura de trabalho nas
redações dos jornais coloniais de São Paulo, nas quais relatava para a
mulher, Zenaide, que permanecera na Itália, as impressões que tivera do Brasil
desde sua chegada.
Já
a seção “Le Lettere di Pasta Frolla al Moscone” era dedicada a discussões
sobre o fascismo e o antifascismo de São Paulo. As cartas eram respondidas por
Italo Italiani, sob o título “Lettere a Pasta Frolla” ou “Consigli a
Pasta Frolla”.
Quando
passou a ser escrito em português, algumas seções tiveram seus títulos
traduzidos, como “Vespeiro Teatral”, mas também outras seções foram
criadas, como “Crônica do Sábado”, “Partidos e Quebrados”,
“Jactopinião” (escrita por Ragognetti) “Cartas Extra–Viadas”, “Crônica
dos Crônicos”, “Cavalos e Cavalettes”, “Retas e Torcidas”, “Mostre
a Veia”, “Drama da Vida”, “Cortando a Onda”, “Radioscopia”,
“Estrelas e Vagalumes”, “Cartas Expressas”, etc.
O
próprio Ragognetti, além de assumir a direção, era também seu redator
principal e editor responsável. Ele costumava assinar seus artigos com o pseudônimo
Monocle, com o próprio nome ou ainda com o título do semanário.
Na
edição especial em comemoração ao aniversário de três anos, houve a
colaboração de escritores brasileiros reconhecidos, como Luigi della Guardia,
Raul de Polillo e Menotti del Picchia 6.
Mas, segundo Ragognetti, quem prestava maior colaboração para o Moscone
era o público leitor que escrevia à redação para fazer reclamações,
elogios e também para dar informações sobre os últimos fatos ocorridos7.
Além
dos textos jornalísticos que compunham as colunas, existiam propagandas dos
mais variados tipos de produtos. A publicidade era graficamente elaborada, os anúncios
apareciam em formatos e tamanhos diversos entremeando toda a extensão do semanário.
Existiam ainda anúncios de página inteira onde destacavam se anunciantes como
as Indústrias Reunidas Francisco Matarazzo, assim como anúncios em formato
tijolo dos mais variados produtos e serviços concentrados nas últimas páginas
da publicação.
O
semanário fazia uso da iconografia em todas as suas páginas, com ilustrações
de diversos tipos: desenhos, retratos, caricaturas e charges, assinadas por
famosos artistas como Belmonte, Mick Carnicelli e Renato Cataldi, entre outros
pouco conhecidos, mas também talentosos como: Figueroa, Arman, Gobbi, Valverde,
Nigro, Genovesi, Umberto della Matta, Balloni, Rossato, Alvarus, Romano,
Schipani, Gilbert Wrardol e Paulo Ribeiro.
Além
do consagrado artista Belmonte, outro nome que enriquecia o grupo de
caricaturistas do semanário era o brilhante artista do lápis Renato Cataldi
(1909 - 1981), reconhecido como o inconfundível pintor dos pássaros do
Brasil por retratar em suas telas, após anos de pesquisa, vários tipos de
pássaros brasileiros. Em menos de
uma semana da exposição Aves do Brasil, no Salão Nobre do Museu
Nacional do Rio de Janeiro, teve todos os seus quadros vendidos8.
Fez
parte também do grupo de caricaturistas, Nigro, considerado um discípulo
devoto e apaixonado de Voltolino, do qual herdou a capacidade de improvisação
e também a rapidez no traço.
Mas,
o caricaturista que acompanhou o Moscone e seu fundador ao longo dos anos
foi seu talentoso amigo Mick Carnicelli9
(Salerno, 1893 – São Paulo, 1967). Mick freqüentou a Academia de Belas Artes
de Veneza e permaneceu por volta de 10 anos na Europa. Ao retornar ao Brasil, na
década de 20, naturalizou-se brasileiro e passou a residir em São Paulo, onde
fixou se definitivamente e exerceu intensa atividade como pintor retratista,
ilustrador e artista copista.
Era um pintor de paisagens urbanas, naturezas mortas, auto-retratos, temas que o identificavam com toda uma geração de artistas ativos em São Paulo na década de 1940, integrantes do Grupo de Artistas Operários, como Volpi, Pennachi, Bonadei, além de Graciano Rebolo e outros.
Suas
pinturas, de particular qualidade, foram expostas pela primeira vez em 1945, na
Galeria Prestes Maia em São Paulo e, em 1951, integraram a I Bienal de São
Paulo, organizada pelo Museu de Arte Moderna de São Paulo - MAM. Já em 1956,
suas obras fizeram parte da Exposição 50 Anos de Paisagem Brasileira. O crítico
Quirino da Silva, entre outros, escreveu sobre sua obra e suas pinturas passaram
a integrar os acervos de vários museus nas décadas seguintes. Após sua morte,
sua obra passou a ser vista em exposições na Pinacoteca e no Museu de Arte
Moderna de São Paulo.
Ainda
recentemente, em 2004, como forma de homenagear os 450 anos da fundação da
cidade de São Paulo, foi organizada a primeira mostra de caráter antológico
dedicada às obras de Carnicelli, “Mick Carnicelli: São Paulo, paisagem da
alma”, na Grande Sala do Museu de Arte Moderna, sob curadoria de Tadeu
Chiarelli. Na mostra foram expostas telas produzidas entre as décadas de 1940 e
1950, que revelam imagens da cidade de São Paulo transformando-se pouco a pouco
em uma metrópole moderna.
O
trabalho dos caricaturistas do Moscone foi reconhecido até mesmo fora do
Brasil. Algumas revistas argentinas transcreveram caricaturas de Belmonte e de
Renato Cataldi que haviam sido feitas para o hebdomadário. Outras, como Caras
y caretas, Caricatura Universal, Atlântida, de Buenos Aires e Los
Principios, de Córdoba, solicitaram permuta da publicação. Famosos
caricaturistas argentinos como De La Pena, J. Dias e Alberto O. Monticelli
publicaram também seus trabalhos no semanário10.
Devido ao espírito boêmio e irreverente do diretor que fez de Il Moscone uma verdadeira arma, na maioria das vezes pungente, não economizando ataques à comunidade ítalo-brasileira, o semanário enfrentou muitas dificuldades ao longo do tempo. Por causa da exaltação à figura de Mussolini chegou a sofrer dois “empastelamentos”, mas ainda assim conseguiu manter se em circulação por mais de três décadas. O próprio Ragognetti
Ragognetti
fez uma retrospectiva desses fatos quando a publicação completou vinte anos:
São
mais de 20 anos que o “Moscardo” voa sobre São Paulo e sobre os paulistas,
com a sua costumeira serenidade e com a sua rígida pontualidade.
Durante
20 anos, “Moscardo” enfrentou tudo e o inferno também: a incompreensão dos
coloniais, arrogância dos fascistas alienígenas que queriam compra-lo ou sufocá-lo
com um gesto terrível de violência, os fanáticos de 32 os mansos getulistas
das DIEP estado-novistas, os doidos de todas as guerras e finalmente as eleições.
Fugir das eleições, não se vender para um partido...11.
1
MELO,
Luis Costa de. Dicionário de autores
paulistas. São Paulo:
Comissão do IV Centenário, Serviço de comemorações culturais, 1954, p.
618.
2
IL
MOSCONE il giornale più letto in Brasile. Il
Moscone. San Paolo, anno 4º, nº 147, 17 mar. 1928.
3
L’INAUGURAZIONE
della nostra nuova succursale a Rio. Il
Moscone. San Paolo, anno 3º, nº 115, 23 lug. 1927.
4
IL
MOSCONE succursali e agenzie. Il Moscone, San Paolo, anno 3º, nº 16, 30 lug. 1927.
5
RAGOGNETTI,
Vin. Perchè il fascismo è mal visto in Brasile.
Il Moscone, San Paolo, anno 5º, nº 215, 31 pag. 1929.
6
IL
MOSCONE,
San Paolo, anno 3º, nº 156, 24 mag. 1928.
7
LA
COLLABORAZIONE del pubblico. Il Moscone. San Paolo, anno 3º, nº 131, 19 nov. 1927.
8
RENATO
Cataldi e a Argentina. Moscardo,
San Paolo, [s/a], nº 855, 30 abr. 1946.
9
MUSEUS Brasileiros. Rio de Janeiro: Funarte, 1982. 6 v.
10
I
SUCCESSI finanziari e giornalistici del Moscone.
Il Moscone, San Paolo, anno 2º, nº 74, 02 ott. 1926.
11
1.002. Moscardo, São Paulo, [s/a], nº 1.002, p. 05, 10 jan. 1948.