Comentários críticos sobre
a obra de João Antônio
Mais que um anti-retórico, João Antônio encarna e atualiza essa inclinação severina, ou fabiana, para os nossos eternos descamisados. A gente que povoa um morro, um beco, um cinema paulistanos; a feira, o bairro, a praça cariocas; e ladeiras, e poeiras, e pulgueiros baianos. Entrelaçados, vivamente, nas suas vibrações.
Ricardo Ramos |
Sobre todos recai a sátira cura do nosso Autor, que não poupa seu desdém nobremente plebeu por toda essa fauna agarrada aos meios de comunicação de massa, vampiros de idéias alheias, onanistas de frases de efeito, demagogos cujo verbo venal é quase uma fatalidade. O mercado do leitor consumista se entrega baboso a quem grita mais forte, aparece mais vezes e chega mais rápido. Estende-se de novo sobre os passos de João Antônio a sombra irada de Lima Barreto lançando palavras de escárnio contra os "periodistas" fátuos e cínicos de sua belle époque carioca.
Alfredo Bosi |
Daí vem uma outra observação importante para a leitura deste livro: tudo é e não é literatura, quer dizer, não há hierarquia estabelecida entre os objetos que constituem a matéria literária de João Antônio, mas, ao mesmo tempo, ou por isso mesmo, tudo pode servir como matéria para a expressão literária. Reparando-se melhor verifica-se que mesmo aquilo que é pensado como literário, isto é, alguns autores e suas obras que são resgatados pelo escritor, é percebido por um ângulo de identificação com aqueles temas não-literários de outras crônicas. É o ângulo de João Antônio: a voz narrativa que organiza, interpreta e dá coerência às passagens entre autores, obras e temas.
João Alexandre Barbosa |
As personagens, que às vezes se confundem com o autor, são em sua maioria do submundo: jogadores de sinuca, prostitutas, traficantes, alcagüetes; há também gente do futebol, da música popular e da publicidade - todas visceralmente identificados com o seu meio devida e de morte, que lhes modula os sentimentos e a fala, em perpétua revolta contra a sociedade, cuja pressão os esmaga, sejam eles marginais ou não. Com sua fala nervosa, explosiva, brutal, elas nos agridem, e nos forçam a darmos um mergulho, queiramos ou não, sem seu ambiente. Tal um novo "Boca do Inferno", o autor cataloga seus rancores, vomita a sua indignação, resmungando pragas e palavrões.
Paulo Ronái |
João Antônio trabalha com o lixo da vida e com ele constrói beleza e poesia. Porque esse escritor soma ao talento e à experiência, o amor, a paixão pela gente que povoa seus livros admiráveis.
Jorge Amado |
De novo se há de realçar a vivacidade da linguagem de João Antônio, que sabe fazer valer estilisticamente, dentro de sua fatura literária elaborada, o vocabulário, a sintaxe, a língua falada nascida do quotidiano popular. Ele é pródigo - e prodigioso - na valorização do idioma com que o povo se comunica.
Mário da Silva Brito |
(...) retratar esses traços fundamentais da vida e da cultura brasileiras é o trabalho que esse escritor se dispõe a fazer; temo as aqui, finalmente, o nosso underground. Mas nada daquele underground de postura pop, a contracultura importada pelos intelectuais de classe média, e sim, um mergulho neste submundo paralelo ao nosso, muito maior que o nosso, e que apresenta todos os ingredientes do fornido ragu cultural brasileiro.
Aguinaldo Silva |
João Antônio decidiu (descobriu) que vive no inferno, e é disso que nos conta, sem pudor nem temor. Como ele mesmo diz, com outras palavras, na abertura do conto meio autobiográfico: "Uma memória imodesta no coração da pouca vergonha: Vive-se./ Se se é uma chaga viva, nervo exposto, tontice. Ninguém vê. Meu trabalho tem sido, quando presta, disfarçar isso. O inferno, esse de João Antônio, não é um outro-mundo, sequer um mundo estranho. É este mesmo, nosso, por aí, só que desbastado do colorido esfuziante, do tropical-maravilha, das falsas esperanças. O inferno de que João Antônio conta é o Brasil-de-todos-os-dias, só que se raiz exposta.
Flávio Aguiar |
Os seus contos exploram quase sempre o chamado submundo, o outro lado que pagamos para não ver, ou para ver do palanque armado pelos distanciamentos estéticos. Mas ele nos arrasta para o centro da arena, por que é onde se instala, sem desprezo nem complacência, a fim de criar uma espécie de normalidade do socialmente anormal, fazendo com que os habitantes de sua noite, deixem de ser excrescências e se tornem carne da mesma massa de que é feita a nossa.
Antonio Candido |
Ao contrário de muitos narradores que falam da pobreza, às vezes do alto da torre, seu narrador assume e, com isso, dá voz ao objeto representado. O resultado final é uma forma que intersecciona dois tipos de representação da pobreza e que reproduz, simultaneamente, formas distintas (mas nem tanto) de exploração, provocadas por e dentro de um mesmo sistema de produção e distribuição. Exploradores e explorados, aí, não escapam, sugam e são sugados, jogam e são jogados. Os únicos traços que os aproximam são o medo e a solidão; a que leva os "otários" às mesas de sinuca para perderem dinheiro, e a solidão dolorida do excluído. O medo, que aparece sempre através da ameaça que o outro (ator ou interlocutor) representa aos "otários" e aos "malandros".
Jesus Antonio Durigan |
Há contos de João Antônio que têm vários pontos de semelhança com a nova picaresca, caracterizada pela mistura de miséria e malícia, de baixeza humana e hipocrisia, por trás das quais vislumbra-se uma sociedade em desagregação, que conserva, da antiga estrutura, apenas a forma vazia. (...) Não é por acaso que os termos "pícaro" e "picardia" repetem-se com tanta insistência na linguagem de João Antônio.
Julia Marchetti Polinesio |