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ob o patrocínio da Sociedade Protetora da Imigração,
instituição formada por grandes cafeicultores, interessados na captação de força de
trabalho imigrante, foi iniciada a construção, em 1886, do grandioso prédio da
"Hospedaria dos Imigrantes". O novo edifício viria a substituir o anterior,
localizado no Bom Retiro e longe das ferrovias já implantadas. Fora adquirido pelo Estado
em 1881, porém, sua limitada capacidade (cabiam apenas 500 pessoas no recinto) e parca
dimensão, tornaram-no obsoleto para acolher e atender à grande demanda daquele momento.
O novo e majestoso edifício que ocupava quase um quarteirão, foi inaugurado no ano
seguinte, no final da Rua Visconde de Parnaíba, sob o no. 236, ao lado da S.
P. Railway no Brás, e tinha a capacidade para abrigar por volta de 4 mil imigrantes/dia.
Para facilitar-lhe o acesso, construíram a seu lado uma miniestação ferroviária para
desembarcar os passageiros vindos do porto de Santos.
o projeto original, o recinto era dotado de dormitórios, que
ficavam no andar superior. Havia cozinhas e refeitórios, uma enfermaria, uma lavanderia,
um dispensário médico, uma casa de câmbio e escritórios no piso térreo. Havia, ainda,
um recinto à parte onde se davam os encontros entre os trabalhadores imigrantes e os
fazendeiros ou seus representantes. Os recém-chegados, no início do funcionamento da
Hospedaria, podiam alojar-se gratuitamente por uma semana, enquanto definiam seus
destinos.
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Entrada principal do prédio da Hospedaria dos
Imigrantes do Brás, pela Rua Visconde de Parnaíba, durante a segunda década do século
XX.
Fonte: Memorial do Imigrante. |
primeiro objetivo da construção desse imenso alojamento foi
o de permitir que a força de trabalho imigrante estivesse sempre - num único e mesmo
lugar na Capital do Estado - à portada de mão dos fazendeiros interessados, poupando-os
do desprazer de uma procura desordenada e incerta. O jornal "O Estado de São
Paulo", em sua edição de 16 de maio de 1891, informava que 16 fazendeiros
contataram, na véspera, 206 imigrantes (famílias e avulsos) no interior da Hospedaria.
Na edição de 17 dias depois, em 2 de junho, o mesmo diário divulgava que outros 79
fazendeiros haviam contatado, no dia anterior, 292 dos pais de família e avulsos ali
alojados. Para facilitar ainda mais os contatos, construíram-se, posteriormente, outras
pequenas hospedagens nas cidades do interior. Sabe-se da existência de hospedarias em
Santos, Ribeirão Preto, São Bernardo e Guaratinguetá.
glomerados todos num mesmo recinto, os trabalhadores eram ali
abordados pelos interessados para que anuíssem às propostas de contratos que lhes eram
oferecidas. Esses entendimentos demorados poderiam custar dias de conversa o que sugere a
constante presença de agenciadores naquele local. A Hospedaria, portanto, além de
concentrar a força de trabalho, tornou-se também um importante entreposto de negócios,
onde o principal deles era a sua compra-e-venda.
o ponto de vista oficial, somente depois de acertados os
contratos com os diretamente interessados ou seus representantes é que os trabalhadores
recebiam a autorização para abandoná-la. É importante considerar que, sendo a maioria
dos imigrantes desconhecedora da língua ou quase nada dos costumes da terra, com muita
dificuldade se atrevia a deixar a Hospedaria, onde permanecia até ser encaminhada aos
locais de trabalho.
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Interior
da Hospedaria do Brás: salão de chamada dos imigrantes. Fotografia tirada em 1908.
Fonte: Memorial do Imigrante |
ntretanto, outros imigrantes não interessados em vincular-se
às atividades rurais, mais afoitos e curiosos, na ânsia de conhecer o que lhes oferecia
a cidade, saíam às ruas, muitas vezes escapando ao rígido controle dos seguranças do
prédio. Eram, muitas vezes, imediatamente procurados por indivíduos sem escrúpulos que
rondavam aquele edifício à procura de incautos estrangeiros - e, lhes ofertavam, em
troca de pequenos pagamentos, ilusórias vantagens. Outros, ainda, eram aliciados para
empregos diversos: operários têxteis, engraxates, vendedores ambulantes de sapatos,
funilaria e ferragens, etc. Muitos, com isso, iriam permanecer na Capital. Um documento de
1890 nos revela como era já expressiva, naquele período, a presença desses imigrantes
no Brás. Com data de 29 de dezembro, vários moradores do Bairro encaminharam às
autoridades municipais um "abaixo-assinado" solicitando a confecção de guias e
sarjetas na Rua D. Maria Domitila. Dentre as 30 assinaturas que se seguiram, observa-se
que 10 são de sobrenomes italianos.
as voltemos nossos olhos à Hospedaria. A seu respeito,
falaram também os próprios imigrantes. Os registros que deixaram, principalmente no
início da Grande Imigração, isto é: em meados dos anos 1880, testemunham as reais
condições logísticas aí encontradas: ausência de acomodações apropriadas, falta de
higiene, má qualidade da comida servida e ineficiência no atendimento médico. Daí,
entendem-se os protestos e revoltas manifestos, às vezes com violência, durante aquele
período.
os primeiros anos de seu funcionamento, a
Hospedaria não possuía camas para seus hóspedes. Os imigrantes dormiam todos no chão
dos dormitórios. Cada família ao ingressar nela, recebia emprestado, por pessoa, apenas
uma pequena esteira para se acomodar. As latrinas eram em número limitado, insuficientes
para tanta gente. No pátio interno, havia somente uma torneira e tina para que pudessem
ali beber água e lavar-se.
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Interior
da Hospedaria do Brás: refeitório dos imigrantes. Fotografia tirada em 1908.
Fonte: Memorial do Imigrante |
situação agudizou-se com a chegada das grandes levas
subsidiadas, nos anos iniciais da década de 1890. Os imigrantes queixavam-se, sobretudo,
da superlotação daquelas dependências que, em alguns momentos, teriam chegado a acolher
de 10 a 11 mil pessoas. Na edição de 2 de junho de 1891, o jornal "O Estado de São
Paulo" publicava que no dia anterior estavam no recinto da Hospedaria 5.069
imigrantes e que naquele mesmo dia a estimativa era que lá estivessem 4.878 hóspedes. Os
trabalhadores se acotovelavam num espaço com capacidade para, no mínimo, um contingente
três vezes menor de pessoas. Somando a falta de acomodações adequadas e essa
proximidade promíscua, o resultado era a explosão coletiva de ódio e descontentamento.
Com muita freqüência, nos dizem os relatos, o nervosismo reinante entre as pessoas
levava-as a se agredirem mutuamente de todas as formas, tornando sua convivência
insuportável. Não raro, durante os anos finais da década de 1890, houve motins e
rebeliões entre os alí alojados.
iante da difícil situação em que se encontrava a
Hospedaria, é compreensível entender porque em 1892 sua administração sai do controle
direto da Sociedade Protetora da Imigração, dirigida pelos fazendeiros de café do
interior paulista, e passa a ser diretamente vinculada a um órgão estatal: a então,
recém-criada Secretaria da Agricultura, Viação e Obras Públicas. A nova direção,
certamente, procurou melhorar e ampliar a infra-estrutura da instituição, equipando-a
para receber contingentes cada vez maiores de imigrantes, como ocorreria até 1895.
Nota-se, nesse período, a preocupação em dotar a Hospedaria de um regulamento, como
acabou ocorrendo, que pudesse prever todos os procedimentos pelos quais os imigrantes
deveriam passar durante sua estada naquele local, garantindo-lhes, minimamente, os
serviços essenciais.
ma década mais tarde, exatamente em 1905, seria o, então,
instituído Departamento de Terras, Colonização e Imigração (DTCI), que passaria a
administrar a Hospedaria. |
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