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s CRESTANA(s) eram
muitos. O patriarca, de nome Giovanni, 36 anos, nascido aos 4 de setembro de 1854, em
Monte di Malo (VI) era filho de Francesco e de Biagia Pellichero. Sua primeira profissão
foi ser artesão. Mudou-se para Schio em 7 de dezembro de 1871 e ali casou-se, aos 11 de
julho de 1886, com a também artesã Emilia Miotto. Ela, nascida aos 18 de outubro de
1863, em Longare (VI), era filha de Valentino e Regina Pretato e chegou a Schio durante o
ano de 1877. Nessa cidade, o casal teve 6 filhos. Quando partiram para São Paulo, em
1891: Francesco, tinha 11 anos; Giovanni, 9; Adolfo Valentino, 7; Maria, 5; Biagia, 2 e
Margherita, 8 meses.
iovanni ao abandonar a aldeia natal e ingressar na maior cidade industrial da
região, sabia que estava tomando o caminho da fábrica. Tornara-se proletário. Os
primeiros quatro filhos que haviam sido registrados com a mesma profissão dos pais
acabaram, apesar da tenra idade a desenvolver o novo ofício: operário têxtil.
eslocaram-se de Schio a Gênova e alí embarcaram para o Brasil. Viajaram com
o vapor La Vittoria di Genova e desembarcaram no porto do Rio de Janeiro em dois grupos. O
primeiro deles, formado pelo pai e três filhos, desceu no dia 2 de maio e o segundo, com
o restante da família, formado pela mãe e outros três filhos desembarcou somente no dia
19 de maio. Apenas este último grupo deu entrada na Hospedaria dos Imigrantes do Brás
(São Paulo) e foi aí registrado como família Miotto. É bem provável que Giovanni não
ingressou naquele alojamento porque tivesse mantido contatos precedentes com outros
imigrantes vindos de Schio, já residentes na capital paulista.
omaram como destino o município de Porto Ferreira, dedicando-se,
inicialmente, ao trabalho agrícola nas fazendas de café da região. Os CRESTANA(s)
permaneceram todos no Estado. Ainda no decorrer de 1891, morreu naquela cidade, a filha
Margherita, com apenas um ano de idade. Apesar do revés, a família continuou a crescer.
Em setembro de 1893, nasceu do casal outra menina, à qual recebeu o nome de Brigida, e,
no ano seguinte, nasceu Adele, ambas, também na zona rural de Porto Ferreira. Tempos
depois, a família mudou-se para a cidade e um dos filhos, Francesco, empregou-se na Cia.
de Estrada de Ferro (Mojiana). Ele chegou a formar-se como técnico de nível secundário.
ssa passagem, ainda que rápida, pelos bancos escolares parece ter feito
Francesco e tantos outros imigrantes - entender que na sociedade altamente
estratificada que se vivia no Brasil daquela época, onde o trabalho manual sempre foi
menosprezado e pouco retribuído, a escola seria um dos raros veículos privilegiados de
ascensão social para os trabalhadores. Por outro lado, é importante notar também que a
sociedade brasileira das primeiras décadas do século necessitava, pelo seu grau de
desenvolvimento urbano e industrial, dos chamados "corpos intermediários" que
auxiliassem as classes proprietárias na administração pública, nas atividades
econômicas em expansão e, mais propriamente, na produção acadêmica (sem falar nas
artes plásticas), setor onde os descendentes de imigrantes italianos mais
"cresceram". Estes, sobretudo no centro-sul do país, concorreram com grande
vantagem em relação aos trabalhadores autóctones, além do fato de serem numericamente
preponderantes, mas também por apresentarem alguns requisitos considerados como virtudes
pelos detentores do poder de antanho: como a "laboriosidade", a
"disciplina", a "parcimônia", a "religiosidade" e, não
podemos esquecer de que na maioria das vezes tratava-se de pessoas com
"boa aparência". Esse discurso chegou a ser várias vezes explicitado,
principalmente quando os fazendeiros enalteciam essas qualidades nos trabalhadores
vênetos para contrapô-los aos demais italianos, em especial os altivos e arredios
"calabreses" ou mesmo os "napolitanos" e outros originários da
"baixa Itália" muito pouco suscetíveis a cumprir suas determinações.
Voltando à escola, é bom lembrar que muitos autores soem afirmar que, dentre os
imigrantes europeus, os italianos foram os primeiros a se utilizaram desse expediente para
conseguir arrancar via diplomas - os filhos da condição de operários e
trabalhadores rurais.
ão foi um processo célere, nem imediato. Consultando os almanaques
publicados em meados da década de 1890, observa-se que já havia um certo movimento nesse
sentido. Além, evidentemente, da preponderância de imigrantes italianos nas atividades
comerciais e de alguns serviços, aí já apareciam também nomes de advogados e
professores, cuja origem era seguramente peninsular. Entretanto, somente a primeira
geração nascida no Brasil conseguiria realizar com eficácia tal proeza. Francesco
casar-se-ia aos 11 de novembro de 1901, em Santa Rita do Passa Quatro, com Caterina
Rizzardo, que também ela italiana, nascida aos 17 de setembro de 1883, na província de
Treviso. Alguns anos depois, a família mudar-se-ia para São Carlos.
o casal, nasceriam os filhos: Aurélio (sem registro - 1902?), Adorindo
(28.10.1904), Armando (24.04.1906), Amélia (29.06.1908), Armênio (17.09.1910), Adilio
(01.12.1912), Adelina (03.08.1915), Álvaro (07.10.1919), Alberto (29.12.1921) e Aurora
(14.06.1923).
omo mantivera a nacionalidade italiana, Francesco, aos 27 de fevereiro de
1939, Francesco, teve que retirar a sua certidão de Registro de Estrangeiro, sob no. 334.
A eclosão do conflito bélico na Europa traria problemas sérios aos imigrantes
italianos. Um deles foi a necessidade de manter-se cadastrado junto aos órgãos policiais
e a conseqüente autorização todas as vezes que deveriam ausentar-se da própria cidade.
Por isso, Caterina e Francesco, a primeira, no dia 6 de janeiro de 1943 e o segundo no dia
15 seguinte, tiveram que retirar o "Salvo Conduto", expedido pela
Superintendência de Segurança Política e Social - sob o no. 040388 - para poder viajar
a passeio de São Carlos à cidade de São Paulo.
Segunda Guerra traria outro grande sofrimento para os CRESTANA(s).
Seu filho Alberto, então com apenas 23 anos, seria convocado para lutar na Europa, aos
lado das tropas aliadas. Engajado nas Forças Expedicionárias Brasileiras (FEB) embarcou
em 29 de março de 1945 para a Itália. Francesco, então, emocionado, escreveu-lhe a
seguinte carta: São Carlos 29-3-945. Caro filho Alberto, junto sempre a teu
destino, Deus te guie e abençoe. Si um dia tiveres (...) procure e abrace meus primos que
(...) deverás encontrar noticias na Itália, Província di Vicenza, Distritto de Schio,
paese di Pieve, onde ainda em 1920 residiam e esse lugar uma cidadesinha onde havia
industria de tecelagem fundada pelo Dr. Alessandro Rossi. Meu tio Luigi Miotto fallecido
tinha 4 filhos e senhora, era elle irmão único de minha mãe Emilha Miotto, nos deixamos
a Itália em 10 de abril de 1891. Meu tio nesse tempo ainda era solteiro. Tua Mãe e da
família de Rizzardo e Catuzzo, da Província de Treviso, localidade de Azolo vieram da
Itália em 1.890. Deus te abençoe, lembrete sempre, e escreva a teus paes. Beijos.
Francesco Crestana (e) Catarina.
interessante notar que o autor lembrava ao jovem filho que, chegando à
Itália, procurasse os parentes que permaneceram vivendo nas cercanias de Schio. Desta,
conseguiu descrever, após 54 anos, a existência do lanifício e de seu antigo
proprietário: os dois únicos elementos identificadores que conseguiu fixar durante toda
a sua vida. Seu pai e seus parentes haviam sido operários, ele, apesar da tenra idade,
também o foi. De conseqüência, a lembrança possível de Schio, além dos laços
familiares, estava vinculada à sua antiga "condição operária". E o que mais
nos chamou à atenção foi que, chegando ao Brasil, a família Crestana se deslocou para
o campo e não para o mundo da fábrica. Sua memória urbana e industrial - porém,
parece ter permanecido intocável por essa transformação! Francesco viria a falecer
pouco tempo depois, aos 66 anos, em São Carlos, no dia 03 de junho de 1946.
o buscar os remanescentes dos CRESTANA(s), encontramo-nos com
Silvério que nasceu aos 20 de abril de 1958, é o quarto dos nove filhos
de Alberto e neto de Francesco . Pertence, portanto, à terceira geração crescida no
país. Sua família, como vimos, assim que chegou ao Estado, seguiu logo para Porto
Ferreira e de lá para São Carlos. Silvério, por motivos de estudo e trabalho, acabou se
fixando definitivamente na Capital paulista. É, atualmente, pesquisador e assessor da
Estação Ciência - Museu de Ciência da Universidade de São Paulo (USP). Quando jovem,
interessou-se por suas origens e, em 1985, por ocasião de uma viagem científica à
Europa, foi à Itália, conseguindo chegar até Schio, onde seus antepassados, operários
têxteis, passaram a residir desde 7 de dezembro de 1871, depois de terem sido submetidos
ao processo de proletarização resultante da crise agrícola do ano anterior. Dentre
todos os descendentes dos imigrantes de Schio que conhecemos, Silvério foi primeiro a
voltar. Por isso, é precursor nessas buscas. Além de Schio, visitou também Monte di
Malo, cidade originária dos Crestanas e antigo centro de colonização germânica naquela
região. Segundo seu próprio depoimento ao autor, o empenho em proceder o caminho de
volta - por motivos bem distintos dos nossos - também o levou à mesma fronteira
enfrentada por nossa investigação: entre os registros de entrada na Hospedaria e as
informações que lhes chegaram, já na fase adulta, a respeito da vida de seu avô
paterno havia um intransponível abismo. Silvério entende que alguns traços, como as
marcas genéticas hereditárias que marcam as condutas, acompanham o destino dos
Crestanas. Uma dessas características é, segundo ele, a busca de novas realidades.
ogo após a visita que fez à terra de seus antepassados, escreveu a seus
parentes para assim descrever o contato inicial que teve com os CRESTANA(s)
que lá permaneceram: [São Carlos (SP)] Recentemente estive na Itália e com
muita alegria e surpresa, estive em Schio, a cidade onde o vovô Francisco Crestana
nasceu. Vi sua antiga residência e conheci os parentes. Também estive em Treviso, cidade
onde a vovó Catharina Rizzardo nasceu. Estive ainda, em Monte di Malo (...), uma
cidadezinha vizinha a Schio onde o avô do vovô nasceu. Tive uma grande emoção e o
prazer de conhecer o Sr. Giovanni Crestana, sua esposa e dois filhos, sendo que um deles
Luigi Crestana é muito semelhante a mim e o seu pai lembra muito o vovô
Francisco. Eles são proprietários de terras onde vivem e trabalham. Embora eu tenha
ficado pouco tempo lá, pude sentir a grande hospitalidade, amizade e simpatia de nossos
parentes. Eles desconheciam a existência de parentes no Brasil. E na própria Itália
(Schio, Verona, Milano) há famílias Crestana mas com parentesco distante. Soube, ainda,
que os Crestana migraram da Germânia (Alemanha). Com autorização do Procurador Geral da
República, de Vicenza, consegui localizar e tirar cópia da Certidão de Nascimento do
vovô e dos documentos de imigração para o Brasil. (...) Prezados tios e primos,
apenas por curiosidade, gostaria de receber mais dados sobre nossos parentes. Assim,
ficarei imensamente grato se tiverem a gentileza de nos enviar possíveis informações
sobre nossa família aqui do Brasil, da Itália e quem sabe da Alemanha! Teremos também o
imenso prazer de dar mais detalhes, fotos, mapas, contatos, documentos de nossa família e
de nossa viagem. Silvério Crestana, 05.12.1985.
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Francesco,
a esposa Catharina e seus filhos (1930), em São Carlos (SP).
Fonte: Acervo da família CRESTANA |
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