Anais do 1º Colóquio Internacional de Texto e Discurso - CITeD - page 670

inferior grego transportava (do mundo dos vivos ao mundo dos mortos) as pessoas em sua
barca pelo rio Aqueronte, que desembocava na região dos infernos. Ao ser
transcontextualizada, essa figura entranha-se na funcionalidade do pescador de “O santo que
não acreditava em Deus”, que transporta a figura divina de Itaparica à Maragojipe. Ou
melhor, de um universo de aceitação (o do pescador) da realidade divina e dos pressupostos
ético-cristãos a um de não aceitação (o de Quinca das Mulas), ou também de uma esfera
individualizada, já que Deus se relaciona exclusivamente com o pescador, para uma social,
quando ele entra contato com as pessoas na feira de Maragojipe.
Considerações finais
Como foi possível demonstrar com esse trabalho, a leitura do conto “O Santo que não
acreditava em Deus” nos abre para um emaranhado de outros textos, que se corporificam a
essa narrativa contemporânea, fornecendo implicitamente a ela, o método de composição do
relato do narrador-pescador (bastante semelhante à estrutura do “causo”, que perpassa o
Grande Sertão: Veredas
, de João Guimarães Rosa). Outra forma de co-presença do
regionalismo nordestino se dá com a composição da personalidade forte da personagem
Quinca das Mulas, em que se nota uma clara analogia à personagem principal do romance
A
morte e a morte de Quincas Berro Dágua
, de Jorge Amado.
No conto ubaldiano, o conteúdo de alguns textos bíblicos são parodicamente
reentrantes. Do “Velho Testamento”, a passagem “Jonas foge em vão da Palavra de Deus e
Jonas no fundo do abismo ora ao Senhor, que o salva” marca as formas de persuasão e coação
deflagrados pela figura divina sobre seus escolhidos, a soberania de sua vontade e sua
constante vitória na seleção dos homens; já com a parodização no conto, os objetivos divinos
não são alcançados e prevalece a vontade da figura humana em não tornar-se santo. Já do
“Novo Testamento”, a passagem “Responsabilidade de cada na manutenção do culto”
também é reentrante. Acontece uma inversão completa da ordem de quem paga e de quem
recebe. No texto bíblico, são os membros da comunidade judaico-cristã quem devolvem à
figura divina os dez por cento de seu faturamento mensal, no conto, esse percentual é
oferecido por Deus à Quinca das Mulas para que ele aceite o encargo santifico. É a relação
capital-trabalho que transcorre também na relação “divino-humano”. Outros conteúdos
bíblicos puderam ser identificados ao longo de nossa investigação, como a alusão irônica aos
milagres divinos, à perspectiva humanizada e profanizada de Maria Madalena e uma cena
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