Anais do 1º Colóquio Internacional de Texto e Discurso - CITeD - page 665

qualquer outra coisa” (RIBEIRO, 1981, p. 151-152). Esse traço exemplifica um corpo
carnavalesco por excelência, pois além de provocar o riso no leitor pela disparidade
dimensional de uma parte do corpo em relação a sua totalidade, é retomada precisamente a
boca, elemento corporal freqüentemente evocado para representação do corpo carnavalesco,
aos moldes do “realismo grotesco”, como realça Bakhtin (2002) em suas reflexões. O mesmo
acontece com o membro fálico de Deus: “e acho que pela extração dele mesmo, ele era
bastante desenvolvidozinho, aliás, bem dizendo, um pau de homem enormíssimo” (RIBEIRO,
1981, p.157), que além de evidenciar um corpo carnavalesco, funciona como elemento risível,
pela superlativização (exagero) do mesmo.
Outro elemento da cosmovisão carnavalesca se incorpora a essa narrativa: a falta de
devoção do narrador-pescador pela figura divina. Pelo contrário, seu motivo de aclamação é a
bebida, e o resultado que dela provém. Disso resulta um nivelamento entre o elevado (Deus) e
o baixo (o pescador). No diálogo que segue entre as duas personagens também é possível
entrevermos a insegurança do pescador frente à veracidade, de estar mesmo defronte à figura
divina, “- Mas por que vosmecê não faz um milagre e não acha logo essa pessoa? – perguntei
eu, usando o vosmecê, porque não ia chamar Deus de você, mas também não queria passar
por besta se ele não fosse” (RIBEIRO, 1981, p. 156). Nessa passagem, podemos observar que
a comparação entre os milagres divinos e o ilusionismo reforça também o nivelamento das
personagens em cena, além da utilização da oralidade para se reportar à figura divina e seus
feitos. É importante destacarmos que em outro momento do conto Deus também “leu mãos”,
o que nesse contexto aplana os feitos milagrosos ao charlatanismo.
Ainda no que se refere à linguagem tipicamente coloquial que perpassa o conto, em que
se diluem as formalidades sintáticas da comunicação entre as personagens, podemos destacar
a seguinte passagem (a da revelação divina para Quinca das Mulas), em que outros elementos
que compõem a cosmovisão carnavalesca podem ser flagrados.
Mas eu já estava esperando que, de uma hora para outra, Deus
desse o recado para esse Quinca das Mulas. Como de fato, numa
hora que a conversa parou e Quinca só estalando a língua da
cachaça e olhando para o espaço, Deus, como quem não quer
nada, puxou a prosa de que era Deus e tal e coisa.
Ah, para quê? Para Quinca dizer que não acreditava em Deus. E
para Deus, no começo com muita paciência, dizer que era Deus
mesmo e que provava. Fez uns dois milagres só de efeito, Mas
Quinca disse que era truques e que, acima de tudo, o homem era
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