SUMÁRIO
apresentação MORAES, Carlos Eduardo Mendes ............................................................. A POESIA LÍRICA DE LUÍS CANELO
DE NORONHA NA ACADEMIA BRASÍLICA DOS ESQUECIDOS AGUIAR, Fabio
Angelo .................................................................................. A LEITURA
DE TEXTOS NA ESCOLA DE 1º GRAU - 3as. E 4as. SÉRIES - E A FORMAÇÃO DE
LEITORES CRÍTICOS AGUILAR, Maria Regina Bertholini
............................................................... O INTERVALO LINGÜÍSTICO: A LITERATURA FORA DOS BRAÇOS DA LÍNGUA
MÃE OU A LINGUAGEM COM FORMADORA DE ESTERIÓTIPOS BARBOSA, Fábio Luís Chiqueto
.................................................................... O DISCURSO
DIDÁTICO EM O LAVA-PÉS: CONTRATO ENUNCIATIVO BENELI, Astrogilda Rosa
.......................................................................
CARNE E CORTESIA: DUAS FACES DA MOEDA ERÓTICA
BIDARRA, Clemara
........................................................................................ A
CRIATIVIDADE EM TEXTOS ESCOLARES CARVALHO, Kelly Cristiane Henschel
Pobbe de ......................................
UM ESTUDO SOBRE O ENSINO DE TEXTOS NARRATIVOS
CARVALHO, Maria Teresa Nastri de ............................................................ LÍNGUA
MATERNA: PERSPECTIVAS PARA UM ENSINO MULTIDIMENSIONAL CASAGRANDE, Nancy dos Santos
................................................................ REFLEXÕES
EM TORNO DOS CRITÉRIOS DE CORREÇÃO E AVALIAÇÃO DE TEXTOS CORREA, Djane Antonucci
............................................................................ A LEITURA NA PROVA DE REDAÇÃO DO VESTIBULAR UNICAMP DUARTE, Cristiane
......................................................................................... O
“ANTIGAMENTE” NA FALA DO JOVEM ADULTO FREGONEZI, José Antonio
............................................................................ ESTRUTURAS
GRAFÊMICAS DAS SÍLABAS DO PORTUGUÊS PARA UM PROGRAMA DE SEPARAÇÃO SILÁBICA FUNGUETO, Anelí Divina
............................................................................. A GÍRIA
DOS ENTENDIDOS: as contribuições africanas de motivação criptológica GARCIA Júnior, Alfeu
.................................................................................... PRONOME
POSSESSIVO EM PRIMEIRA PESSOA GERVASONI, Alessandra Dias
...................................................................... VERBOS:
NOVOS CAMINHOS LOURENÇO, Maria Elisa Mary
...................................................................... UMA
POSSÍVEL CONTRIBUIÇÃO DA ANÁLISE ESTILÍSTICA PARA O ENSINO DE LÍNGUA E
LITERATURA MOLITERNO, Isabel de Andrade
................................................................... ENSINO DE
PORTUGUÊS: PRETENSÃO OU APREENSÃO? MONTEIRO, Suilei
......................................................................................... PARA
UMA DELIMITAÇÃO DE CONTEÚDOS PRAGMÁTICO-LINGÜÍSTICOS NO ENSINO/APRENDIZAGEM
DE PRODUÇÃO ORAL OLIVEIRA, Emília Pimenta
............................................................................ EPIGRAMAS
LATINOS NA "RELAÇÃO DA ENTRADA..." (séc. XVIII). UMA CONTRIBUIÇÃO À LATINIDADE BRASILEIRA PANTE, Maria Regina
.................................................................................... A VARIAÇÃO
DOS DITONGOS /EY/ /OW/
NA FALA DE PRÉ-ADOLESCENTES E ADOLESCENTES CONSIDERANDO FATORES
EXTRA-LINGÜÍSTICOS PARISOTTO, Ana Luzia Videira
.................................................................... ANTES E
DURANTE: PREPARANDO E PRODUZINDO TEXTOS PEREIRA, Maria Otília Farto
.......................................................................... A
ABORDAGEM ESTILÍSTICA DA POESIA EM SALA DE AULA E A FORMAÇÃO DE UM LEITOR
CRÍTICO PERES, Letícia Paula de Freitas
...................................................................... BREVE
ESTUDO DO CAPÍTULO DO INVENTÁRIO NA VISÃO FUNCIONALISTA DA GRAMÁTICA RAMOS, Karin Adriane Henschel Pobbe
........................................................ ILUMINAÇÕES
COTIDIANAS: CONSIDERAÇÕES SOBRE UMA CRÔNICA DE RAQUEL DE QUEIROZ ROSA, Inês Maria de Lima
............................................................................. UM PEQUENO
ESTUDO POLISSÊMICO DA PALAVRA
"PÉ" ROSA, Ivone Maria; HOLLAND, Helenice Jane
............................................ A ESTÉTICA
DO FEIO NA IDADE MÉDIA: UMA ANÁLISE SEMIOLÓGICA SANTOS, Christian Fausto Moraes dos
.......................................................... LINGUAGEM
E SEMIOLOGIA NA CULTURA DO MARANHÃO SANTOS, Rozuila Lima dos ........................................................................... AS TRÊS DIMENSÕES DO AMOR
SANTOS, Valdenildo dos
.......................................................................................... A VALÊNCIA
DE ALGUMAS PERÍFRASES VERBAIS SELLA, Aparecida Feola
................................................................................. ESCOLA
PARTICULAR E ESCOLA ESTADUAL: a diferença de enfoque através do texto SILVA, Alessandra Sabino
.............................................................................. DA LEITURA
PARA A ESCRITA SILVA, Diva Lea Batista da
............................................................................ “QUALIDADE” NO CONTEXTO DA ADMINISTRAÇÃO DE EMPRESAS:
UMA ANÁLISE SOCIOSSEMIÓTICA SILVA, Eliana Ribeiro da
................................................................................ PORTUGUÊS
PARA ESTRANGEIROS: UM ATRAENTE CAMPO DE TRABALHO SILVA, João Luiz Lara Santos da
................................................................... A ESTILÍSTICA
DA DESCONSTELIZAÇÃO: LEITURA DO
POEMA “PENSÃO FAMILIAR”, DE MANUEL BANDEIRA SILVA, Marcos Antonio Martiliano
................................................................ O
CONHECIMENTO LINGÜÍSTICO DO PROFESSOR
DE LÍNGUA PORTUGUESA NA 8ª SÉRIE, DO MUNICÍPIO DE ASSIS, SÃO PAULO SILVA, Rosângela
A. Ferreira
....................................................................... PRODUÇÃO
DE TEXTO: CORREÇÃO OU DESQUALIFICAÇÃO? SILVA, Rosângela A. Ferreira
......................................................................... VARIAÇÃO LINGÜÍSTICA: PEIXE OU PEXE? DUAS MANEIRAS DE SE
DIZER A MESMA COISA COM O MESMO VALOR DE JUÍZO
SILVA, Rosangela Villa da
............................................................................. VARIAÇÃO LINGÜÍSTICA:
UM OLHAR PARA O USO DO /S/ PÓS-VOCÁLICO EM CORUMBÁ E LADÁRIO-MS SILVA, Rosangela Villa da
......................................................................
A MARCAÇÃO
DE PLURAL NO SINTAGMA NOMINAL SILVA-BUENO, Elza Sabino da
..................................................................... A REDUÇÃO
DO DITONGO: um estudo sociolingüístico SILVA-BUENO, Elza Sabino da
..................................................................... REPETIÇÃO
LEXICAL: ELEMENTO DE COMPOSIÇÃO DO DISCURSO ORAL DIALOGADO VOLLET, Ana Cristina Ignatti
........................................................................ |
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A POESIA LÍRICA DE LUÍS
CANELO DE NORONHA NA ACADEMIA BRASÍLICA DOS ESQUECIDOS
Fabio Angelo
AGUIAR[1]
Resumo: Esse trabalho tem o objetivo de apresentar um pequeno
panorama a respeito da Academia Brasílica dos Esquecidos (ABE), enfocando o
poeta novilatino Luís Canelo de Noronha. Para tanto, o texto encontra-se
dividido em duas partes principais. Na primeira é tecido um breve histórico
acerca das academias, desde a etimologia da palavra “academia” até o surgimento
da ABE. A segunda parte destina-se à apresentação de Luís Canelo de Noronha e
sua produção.
Sobre as Academias
O termo Academia
surge na Grécia antiga, como uma homenagem ao herói Academus. Este herói
possuía um bosque de Oliveiras e Plátanos nas imediações de Atenas, onde Platão
transmitia seus ensinamentos e doutrinas. Este lugar reunia os mais “notáveis
intelectuais da Grécia”, tornando-se um centro irradiador de idéias. Assim,
essas reuniões filosóficas receberam o nome de Academia.
Essas reuniões se
estenderam a outros locais e, com o tempo, passaram a representar o seu sentido
atual. Vale lembrar que as Academias, no sentido de estudo da Literatura
Clássica, só apareceram por obra dos humanistas do Renascimento durante o
século XVI, na Itália, e de lá se expandiram para a França e outros países da
Europa, depois para Portugal e finalmente para o Brasil.
Como instrumento
didático e simplificador, pode-se apresentar o seguinte conceito para Academia,
segundo Ubiali[2]:
Agrupamento
de pessoas, formando verdadeiras associações com fins culturais e tendo normas
estabelecidas em estatutos próprios que regem suas atividades. Seus objetivos,
organização e atuação não têm tempo limitado.
Em Portugal,
existiam basicamente 3 tipos de academias: as puramente literárias, as
especialmente históricas e o terceiro tipo, implantado no Brasil, que
apresentava características literárias, históricas e científicas, às vezes;
tinha um cunho moralista, religioso e predominantemente laudatório.
A ABE, a primeira
Academia Brasileira, foi fundada em 1724 na Bahia pelo Vice-Rei Vasco Fernandes
César de Meneses, sendo utilizados para isso os moldes da Academia Real de
História (ARH), cujo objetivo foi retirar Portugal da obscuridade face às
outras nações européias, isto é, relatar seus “gloriosos” feitos históricos.
Alguns intelectuais
que compuseram esta primeira academia brasileira consideravam-se esquecidos no
Brasil pelos literatos portugueses, por não terem sido denominados sócios
supranumerários da ARH e, como uma forma de protesto, nomeiam a academia,
proposta pela coroa como complementação, Academia
Brasílica dos Esquecidos.
Outra reação ao
esquecimento imposto pela Metrópole foi a utilização do lema Sol Oriens Occiduo (O Sol nascido no
Ocidente), que significava, para Luís Canelo e companheiros, que o Sol da
cultura não estava apenas na Metrópole, mas estava nascendo no Ocidente, na
América Portuguesa, com a criação da ABE. Esse protesto demonstra, para os
portugueses, um primeiro sinal do nacionalismo, que mais tarde vem a ser a
bandeira do Romantismo no Brasil (cf. Serrão, Historiografia Portuguesa, 1973, vol.3).
Sobre a importância
da Academia dos Esquecidos recorro a Soares Amora, que diz:
“Com
incontestável espírito nativista a ABE teve um ambicioso programa de trabalho:
escrever uma completa história do Brasil: natural, militar, eclesiástica e
política... Era uma empreitada histórica séria a que os acadêmicos resolveram
dedicar-se”.[3]
O funcionamento
dessa academia baiana seguiu os moldes das academias portuguesas, como já foi
dito, e apresentava os seguintes passos:
1-
O presidente, nomeado
pelo presidente da sessão anterior, propunha um assunto e proferia um discurso
relativo a esse assunto.
2-
Elogiava-se o presidente
3-
Apresentavam-se os
versos sobre um assunto heróico e depois sobre um assunto lírico.
As academias
brasileiras tiveram uma pequena duração e, segundo Péricles Eugênio da Silva
Ramos[4],
esse insucesso, em relação ao período de atuação, é associado à idéia de que a
poesia Culteranista funcionou como Flor
de Estufa, isto é, foi transplantada para o clima brasileiro e, sem
correspondência com o ambiente, não teve longa vida.
Sobre o Autor
Luís Canelo de
Noronha nasceu em 1689, em Vila Nova (Portugal), ou em Penedo (BA). Esses dois
locais podem ser aceitos, pois há documentos da época controversos. O registro
de irmão na Misericórdia da Bahia mostra que Luís Canelo de Noronha era de Vila
Nova (reg. de 5 de Abril de 1727, Livr. de Ir., nº 3, ms.), já a patente de
capitão de ordenança dos Estudantes da Bahia, de 1719, documenta-o natural de
Penedo, Documentos Históricos (da
Bibl. Nac.), XLIII, 308 e XLIX, 307. Foi capitão de Ordenança dos Estudantes da
Bahia e, em 1730, recebeu um lote de terra no Jaqueriça do rei de Portugal, ao
qual se dedicou por um tempo. Também foi vereador do Senado da Câmara de
Salvador.
Luís Canelo de
Noronha compôs 57 poemas para a ABE, dentre os quais 38 em vernáculo e 19 em
latim.
Como poeta da ABE,
foi um dos que mais produziu, sendo que grande parte dessa produção foi feita
em língua latina, o que o caracteriza, no mínimo, como um intelectual de
formação humanística marcante.
Foi considerado por
Péricles Eugênio da Silva Ramos[5]
como um dos poetas mais ricos da ABE, em relação aos aspectos formais de sua
produção. Compôs Sonetos, Décimas, Romances, Idílios, Madrigais, Glossas em
Epílogos, Canções, Endechas, Redondilhas, mas foi com os Sonetos Joco-Sérios
que demonstrou-se um dos melhores dos Esquecidos.
Com um temperamento
inquieto, Luís Canelo de Noronha marcou seus poemas com latinismos e agudezas,
com rimas em apa, epa, ipa, opa e upa
ou em acha, echa, icha, ucha. Sua
caligrafia apresenta certas particularidades em relação a algumas letras, isto
é, apresenta variantes caligráficas para uma mesma letra. Essas variantes
parecem ser empregadas pelo poeta sem critérios claros que determinem esse uso.
Tem-se como exemplo disso a letra “s”. No verso “por parecer que entre os
dentes” o “s” de “dentes” assemelha-se a um “y”. Outra curiosa variante é o uso
do “s” maiúsculo no meio do verso, até em pronomes como é o caso de “Seus”. Há
casos de determinados vocábulos apresentarem duas variantes para o “s”, como
por exemplo “assombra”, que apresenta o primeiro “s” floral, parecido com um
“f” e o segundo normalmente grafado. Todas essas variantes dificultam a leitura
dos manuscritos e, associadas ao fato de na época o emprego do “s, ss, z, ç”
ser confuso, acabam por gerar uma confusão ainda maior.
Esses comentários
acerca das variantes caligráficas de Luís Canelo de Noronha são, ainda,
ilustrativos, pois se faz necessária uma análise funcional de todas as
variantes que aparecem nos códices dos Esquecidos.
Em síntese, o
trabalho de Luís Canelo de Noronha merece, após o seu resgate, ser encarado sob
dois ângulos distintos e concomitantes:
1. Enquanto obra
brasileira existente em um período de produção quase nula, assim, documento
histórico e possível objeto de complementação no conjunto de obras da
Literatura do Brasil.
2. Como objeto de
estudo das criações coletivas, tal como se dera nas Academias, onde o resultado
final estava sempre acima dos caminhos percorridos para a sua consecução, por
um lado, e, por outro, entender essa Poesia Acadêmica como “poesia para ser
recitada”, na Corte ou na Academia, e, portanto, com perspectivas diversas da
nossa concepção contemporânea de obra de arte.
BIBLIOGRAFIA
AMORA, S. História da literatura brasileira. (sécs.
XVI-XX). 5.ed. rev., ampl. São Paulo: Saraiva, 1965.
RAMOS, P.E.S. Poesia barroca. Antologia. São Paulo: Melhoramentos, 1967.
UBIALI, N.A. Luís Canelo de Noronha, poeta novilatino, no
contexto do corpus da Academia Brasílica dos Esquecidos. Assis, 1995. (Tese de Doutorado em Letras). Assis:
Faculdade de Ciências e Letras - Universidade Estadual Paulista.
A LEITURA DE TEXTOS NA ESCOLA DE 1º GRAU - 3ªs
E 4ªs SÉRIES - E A FORMAÇÃO DE LEITORES CRÍTICOS
Maria
Regina Bertholini AGUILAR [6]
Resumo: Com base em depoimentos de professores de 1º grau das
Escolas Estaduais de Aquidauana-MS, foi possível detectar uma excessiva
preocupação em desenvolver o senso crítico dos alunos através de leitura de
textos. Esse foi o motivo da elaboração de um projeto de pesquisa. Sabemos ser
de fundamental importância essa preocupação, pois é desenvolvendo o seu senso
crítico que todo cidadão adquire a capacidade de pensar por conta própria. No
entanto, segundo autores da área, parece estar havendo um equívoco quanto ao
entendimento dos meios utilizados para alcançar esse objetivo, sendo que na
maioria das vezes o professor de Português está deixando de exercer a função
exigida pela sua área para se transformar em professor de ideologia(s) ou ainda
em professor de outras disciplinas.
É necessário que o professor perceba e valorize a
importância de ser “professor de língua.”
Em contato com
professores de 1º grau das escolas estaduais da cidade de Aquidauana - MS, foi
possível observar uma excessiva preocupação em desenvolver o espírito crítico
do aluno através da leitura de textos.[7]
Acreditamos ser de fundamental importância essa
preocupação e concordamos que esse deve ser o principal objetivo do ensino de
leitura, pois é desenvolvendo o seu espírito crítico que todo cidadão adquire a
capacidade de pensar por conta própria.
No entanto,
tem-se comprovado, através de pesquisas nessa área, a crise por que passa a
leitura, apesar do esforço conjunto de diversos pesquisadores na tentativa de
esclarecer o que é saber ler e, sobretudo, saber ler criticamente.
Entre outros
autores, destacamos a observação interessante de Kleiman (1993:26) sobre a
crise da leitura, deixando seu alerta, para o professor de português, de que
não deve se tornar mais um professor de ciências, mas que o professor de
ciências deve se tornar mais um professor de leitura. Com isso, a autora mostra
a necessidade de todo professor saber se posicionar diante da leitura de
textos, sendo, principalmente, um verdadeiro professor de língua e não apenas
explorador de temas.
Na pesquisa de
Gomes (1995:118-9), também foi abordada a questão do desenvolvimento do senso
crítico do aluno através da leitura de textos. A autora fez uma comparação
entre os objetivos de leitura crítica propostos pelos livros didáticos e os
objetivos revelados pelos professores. Para a autora, apesar de a maior parte
deles coincidirem, ela acredita que, para os professores, “a expressão “senso
crítico”, em princípio, parece estar sendo entendida como o direito de tomar
uma postura própria diante de todas as situações com que os alunos possam se
deparar na vida social”, enquanto que, para os autores dos livros didáticos,
“parecem recuperar, com maior ênfase, o discurso vinculado ao ensino
tradicional”, como por exemplo, “enriquecer o vocabulário”, “compreender e
interpretar textos” e outros que parecem nem se referir ao desenvolvimento do
senso crítico.
É necessário
sermos conscientes de que, historicamente, a leitura sempre foi privilégio das
classes dominantes, que sempre tiveram como objetivo alienar as classes
populares para melhor explorá-las. Entretanto, a partir da década de 70, a
leitura vem sendo alvo de pesquisas e estudos que pretendem transformá-la em um
instrumento que proporcione a todos a oportunidade de exercerem o seu direito
de cidadãos, pois, apesar de serem declarados iguais perante a lei, a grande
maioria convive ainda com a discriminação, principalmente, a discriminação
através da própria língua.
Hoje, apesar de
termos à nossa disposição teorias que acreditamos dar conta de orientar de
maneira eficiente o processo ensino-aprendizagem da leitura, visando a um cidadão
crítico, a questão “leitura” ainda tem se apresentado como um dos fatores que
vem contribuindo para a crise generalizada do ensino.
Portanto, se esse
é o nosso objetivo, devemos investir na leitura desde a etapa inicial da sua
aprendizagem; não na leitura que tradicionalmente vem sendo realizada nas
escolas - atividade mecânica, esvaziada de significado e, seguindo, geralmente,
as orientações do livro didático - mas na leitura como processo discursivo,
onde se observam as suas condições de produção para se poder descobrir não só o
que o texto diz, mas também o que está implícito, tendo, assim, consciência do
que é “saber ler”.
Para isso, é
necessário que todo professor tenha “consciência da prática” que Vasquez
(1977:283) define como sendo a “consciência que se volta sobre si mesma e sobre
a atividade material”. Se o professor não tiver consciência da prática, suas
ações serão monótonas, mecânicas.
Assim, se
queremos formar cidadãos conscientes e críticos, é necessário observar se o
professor tem “consciência da prática” através das ações que realiza: o que ele
diz, o que faz, como lê, as intervenções que realiza, o material que escolhe.
Desse modo, é
necessário conhecermos o cotidiano da sala de aula, pois é o cotidiano que
permite a análise das condições da aprendizagem e do ensino, merecendo destaque
aqui as ações desenvolvidas com relação à leitura de textos com os alunos e,
com base nessa realidade, procurarmos compreender o motivo que tem dificultado
a formação de cidadãos críticos.
Para termos uma escola
pública de qualidade é necessário que se dê um enfoque especial ao ensino da
leitura. Por essa razão, esta pesquisa, que se encontra em fase inicial, tem
como objetivo verificar como, nas aulas de Língua Portuguesa, os professores de
3ª e 4ª séries do 1º grau - consideradas como uma etapa final de uma primeira
fase do ensino, dita Ensino Fundamental - das escolas estaduais de Aquidauana
dos períodos matutino e vespertino, conduzem o processo de leitura de textos em
sala de aula, por considerarem o desenvolvimento do senso crítico do aluno de
extrema relevância e também por poderem contar com as Diretrizes Curriculares
(Secreatria do Estado de Educação-MS, 1992) que trazem orientações de autores
de renome nessa área. Além disso, pretendemos fazer a comparação dessas
orientações com as orientações dadas aos alunos quando desenvolvem leitura de
textos nas outras disciplinas. A partir daí, acreditamos poder descobrir qual a
concepção de leitura adotada pelo professor e se existe diferença em suas
orientações ao abordar textos das diversas disciplinas.
A hipótese que
levantamos é de que as atividades de leitura de textos desenvolvidas em Língua
Portuguesa não têm contribuído nem para desenvolver a competência para
interpretar o texto lido nem para desenvolver o espírito crítico do aluno. O
que vem sendo observado é que o professor de língua tem se confundido com um
professor de “educação moral e cívica”, um professor de ideologia(s) que tem
explorado apenas os temas dos textos e, dessa forma, acredita estar desenvolvendo
o seu senso crítico. Assim, apresenta-se, não como professor de língua, mas sua
atuação se restringe a um prolongamento de matérias específicas ou próximas das
exploradas nas diversas disciplinas do currículo.
Somos da opinião
de que o ideal seria que, ao se trabalhar com textos, não só os utilizados em
aula de língua portuguesa, mas também de outras disciplinas, o professor sempre
se colocasse na posição de “professor de língua”, ou melhor, que orientasse os
alunos em vários sentidos, como, por exemplo, despertá-los para a observação
das condições em que o texto foi produzido, para o trabalho de elaboração do
texto realizado pelo autor, para que o aluno adquira a verdadeira capacidade de
ler, ou melhor, entender e também criticar as colocações contidas nas
entrelinhas.
Pretendemos com
este projeto, especificamente, responder às seguintes questões: Como o
professor orienta a leitura junto aos alunos nas aulas de Língua Portuguesa? Há
diferença entre as orientações repassadas pelo professor quando trabalha textos
na aula de Língua Portuguesa e quando orienta textos de outras disciplinas?
Quando salienta a importância em desenvolver o espírito crítico do aluno,
apenas comenta o conteúdo do texto ou procura usar uma forma não convencional
de abordagem da linguagem, como é o caso dos procedimentos discursivos que
analisa a linguagem em suas mais diversas dimensões, tentando dar conta de sua
complexidade e historicidade? Como o professor julga o trabalho de leitura
desenvolvido pelo livro didático? O professor demonstra possuir conhecimento de
teorias atualizadas sobre o ensino-aprendizagem de leitura, principalmente, da
leitura como processo discursivo?
Geraldi (1985:42) salienta que “é preciso que se tenha presente
que toda e qualquer metodologia de ensino articula uma opção política - que
envolve uma teoria de compreensão e interpretação da realidade - com os
mecanismos utilizados em sala de aula” e faz um alerta sobre a necessidade que
temos de, primeiramente, nos questionarmos “para que ensinamos o que
ensinamos?” e “para que as crianças aprendem o que aprendem?”
Para Geraldi (1985:43), as concepções que mais influenciaram o
ensino da língua materna são as três seguintes:
a. a linguagem é a expressão do pensamento
- ligada aos estudos tradicionais. Nessa perspectiva, para o autor, as pessoas
que não conseguem se expressar não pensam.
b. a linguagem é instrumento de
comunicação - ligada ao estruturalismo e ao transformacionalismo. A crítica do
autor, nesse caso, é que essa concepção está ligada à teoria de comunicação e
vê a língua como um código (conjunto de signos que se combinam segundo regras)
capaz de transmitir ao receptor uma certa mensagem.
c. a linguagem é uma forma de interação -
ligada à lingüística da enunciação. Nesta terceira concepção, o autor diz que é
necessário que o professor adote uma “postura educacional diferenciada, uma vez
que situa a linguagem como o lugar de constituição de relações sociais, onde os
falantes se tornam sujeitos. (Geraldi,
1985:43). Ressalta também que, ao se adotar essa postura, não é mais possível
exercer a função “pura e simples da capatazia (ou o exercício de gerência). Ser
professor é ser do aluno um interlocutor ou mediador entre o objeto de estudos
e a aprendizagem que se vai concretizando nas atividades de sala de aula. Tanto
o professor, como o aluno são sujeitos
que estudam e aprendem juntos.” (Geraldi, 1993:112)
Há pesquisadores[8]
que, apoiando-se nas diferentes “concepções da linguagem”, estão investindo na
compreensão das variadas “concepções de leitura e de leitor”.
Entre as diversas concepções[9],
Calil (p. 99), citando Orlandi (1988), destaca a concepção que adota o ponto de
vista lingüístico-discursivo e comenta que o sentido atribuído para aquilo que
seja ler está determinado por um processo histórico e suas condições de
produção, já que, antes de ser uma relação com o objeto-texto, é uma relação
social, uma relação de confronto.
Kato (1990:39) aborda duas posições extremistas - a que privilegia
o texto e a que privilegia o leitor - e se posiciona a favor de uma terceira,
intermediária, comumente chamada interacionista,
por acreditar que a leitura se processa na interação texto-leitor ou, numa
vertente mais recente, autor-texto-leitor. (Coracini,1995:13).
Segundo Coracini (p.15) a concepção interacionista tem
características da visão tradicional ascendente, pois “o texto teria, assim,
primazia sobre o leitor, que precisa, com competência, apreender o(s)
sentido(s) nele inscrito(s)” (p.15).
A análise do discurso trouxe sua contribuição no sentido de que
“supõe que um sentido oculto deve ser captado, o qual, sem uma técnica
apropriada, permanece inacessível. É o espaço escolar que lhe confere
autoridade e garante que os textos analisados possuem, de fato, uma
significação oculta, mesmo que um ou outro analista se mostre incapaz de
decifrá-la” (Maingueneau,1993:11).
Para se chegar ao nível de compreensão da leitura a que chegamos,
não podemos nos esquecer de que houve a união de importantes parcelas de
contribuição de diversos autores. Entre eles, destacamos Pêcheux (1969),
(1990), Bakhtin (1992), Osakabe (1979),
Geraldi (1984), (1993).
Essas são algumas das contribuições de autores que vêem a leitura
sob o ponto de vista da Análise do Discurso. Vários outros autores[10]
afirmam que a leitura “tomada como ponto de partida, forma a consciência
crítica, dado o seu papel mediador entre sujeito e realidade.”
Segundo
Orlandi (1993:26), “saber ler é saber o que o texto diz e o que ele não diz,
mas o constitui significativamente.” Quando se atinge esse nível de compreensão
da leitura, pode-se afirmar que está formado o verdadeiro leitor.
Fonseca
& Fonseca (1977:85) condenam a atitude do professor quando este, desejando
desenvolver o senso crítico dos alunos, volta-se para a escolha dos textos,
privilegiando seus temas. Explicam que não são contrários ao processo de
agrupamento dos textos em si, mas sobretudo à forma como são tratados, apenas
como exploração dos conteúdos informativos.
Essa
é também a nossa opinião, pois o professor de Português deve ser, antes de tudo
“professor de língua” (Fonseca & Fonseca, 1977:101) para que possa dar ao
aluno condições de observar o alcance dos diversos mecanismos lingüísticos
utilizados pelo autor para atingir seu objetivo, desenvolvendo, assim, sua
capacidade de entender o texto criticamente, e não, assumir o papel que
pertence aos professores de outras áreas.
Acreditamos
que o professor de língua portuguesa não tem clareza sobre o importante papel
que tem a cumprir como “professor de língua”. Por essa razão, tem assumido
atitudes diversas, com destaque à comentada pelos autores acima e que tivemos
também a oportunidade de detectar através de conversas informais. É necessário,
então, comprovarmos cientificamente essa afirmação e, com base nas teorias que
foram aqui abordadas, podermos contribuir para a divulgação dessa nova visão de
leitura que hoje consideramos a ideal e que certamente, no futuro, com o
prosseguimento das pesquisas, contarão com novas orientações. Assim, é
necessário que todo professor procure sempre estar atualizado e consciente de
que o saber não é produto acabado a ser reproduzido, mas que está sempre em
permanente construção.
Silva (1993:24) complementa toda essa reflexão, afirmando que a
leitura caracteriza-se como um processo que possibilita a participação do homem
na vida em sociedade, em termos de compreensão do presente e passado e em
termos de possibilidade de transformação sociocultural. E, por ser um
instrumento de aquisição, transformação e produção de conhecimento, a leitura,
se acionada de forma crítica e reflexiva dentro ou fora da escola, levanta-se
como um trabalho de combate à alienação, capaz de facilitar às pessoas e aos
grupos sociais a realização da liberdade nas diferentes dimensões da vida.
Finalmente, queremos salientar que o motivo principal de se
refletir sobre leitura é porque, com certeza, queremos uma escola crítica e
essa conscientização vem, principalmente, da leitura.
Para atingirmos o
nosso objetivo, será aplicado um questionário aos professores das 3as.e 4as.
séries das catorze Escolas Estaduais da cidade de Aquidauana. Após a análise
dos dados, faremos observação das aulas que também terão seus dados analisados.
Assim, esperamos ter uma visão de como vem sendo desenvolvida a leitura nas
escolas e se realmente vem ajudando os alunos a desenvolverem seu senso
crítico.
BIBLIOGRAFIA
ABREU,
Márcia (Org.). Leituras no Brasil
Antologia Comemorativa pelo 10º COLE. Campinas: Mercado de Letras, 1995.
BAKHTIN,
Mikhail (V. N. Volochinov). Marxismo e
Filosofia da Linguagem. 6.ed. São Paulo: Hucitec, 1992.
CALIL,
Eduardo. Que sentido se dá à leitura quando se pretende ensinar a ler? Revista Leitura - Teoria e Prática, nº
24. Porto Alegre: Mercado Aberto, dez-1994.
CORACINI,
Maria José (Org.). 0 Jogo Discursivo na
Aula de Leitura: Língua Materna e Língua Estrangeira. Campinas: Pontes,
1995.
FONSECA,
Fernanda Irene & FONSECA, Joaquim. Pragmática
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O INTERVALO LINGÜÍSTICO: A LITERATURA FORA DOS BRAÇOS DA LÍNGUA MÃE
OU
A LINGUAGEM COM FORMADORA DE ESTERIÓTIPOS
Fábio Luís Chiqueto BARBOSA[11]
Resumo: Nossa tarefa é mostrar como se formam e se
estabilizam os estereótipos no fenômeno de atribuição de um significado a um
significante quando da leitura de uma obra literária estrangeira, portanto, não
escrita para o público que ora a lê, pois, como nos lembra Eni P. Orlandi,
“depende da história de construção dos sentidos a configuração de lugares para
as ‘idéias’, na trama de relação linguagem/pensamento/mundo, isto é, no efeito
de realidade do pensamento, da ilusão referencial que eles produzem.” Ou seja,
é interessante que procedamos a uma análise do processo da significação das
palavras para entendermos como se dá a formação de estereótipos em obras
literárias — especialmente esteriótipos nacionais — já que o sentido que aí se
forma é construído historicamente e é o resultado de um trabalho ideológico.
A ideologia é um dos fatores determinantes
do processo da significação, isto já sabemos há algum tempo. Assim, uma análise
que desmonte e, a seguir, recrie os processos pelos quais a ideologia interfere
na atribuição de um significado a um significante tem grandes chances de
descobrir os mecanismos que regem esta ideologia e as relações imaginárias (imagens) que dela decorrem. Entretanto, é-nos
necessário conhecer, primeiramente, como se dá a interferência da ideologia no
processo da significação e de como, em conseqüência disso, a linguagem age como
formadora de estereótipos.
Pesquisas científicas comprovam que o
homem não consegue registrar a percepção que tem do mundo que o cerca da
maneira tal como ele se apresenta. Os sentidos humanos captam as milhares de
informações e estímulos do meio em que se insere o homem, e este os transforma
em um conceito que então pode ser processado pelo cérebro humano. Desta forma,
a consciência que o homem adquire do mundo não corresponde estritamente à
realidade tangível. O conceito que se forma na mente humana a partir da realidade
referencial é, na verdade, um apanhado resumido, modificado e adaptado desta
realidade. Entendemos facilmente este processo quando nos lembramos que existem
cores que não conseguimos ver, odores que não sentimos e sons — como o dos
apitos de cães — que não ouvimos. Este procedimento bio-neuro-psíquico de
recortar a realidade está relacionado à necessidade de sobrevivência do ser
humano, que não poderia dar conta da realidade que o cerca, caso ele não
ocorresse. Podemos perceber que a formação destas imagens, além de ser anterior
a qualquer conhecimento cognitivo do homem, é tão natural, necessária e
inerente à natureza humana como os fenômenos fisiológicos mais simples.
Contudo, se é através dos sentidos que o
mundo é percebido, é através da linguagem que o homem se relaciona com ele. E é
justamente na linguagem — a interface que põe o homem em contato com a
realidade — que o homem manifesta mais marcantemente a sua vocação para criar
imagens do mundo. No processo de atribuição de um significado a um significante,
tal significado é atribuído, considerando as afirmações supra citadas, não à
realidade empírica, mas ao conceito que o homem tem dela. Além disso, a
atribuição de significado a um significante, além de ser arbitrária, é
condicionada pela cultura em que se manifesta. A Lingüística oferece
explicações satisfatórias para comprovar esta afirmação. Um clássico exemplo é
o da noção de neve: embora o
referente seja o mesmo, o significante adquire um significado diferente para o
brasileiro, para o europeu e para o esquimó, ou seja, há, na verdade, um
condicionamento cultural para o significado atribuído ao significante. Em
outras palavras, o significado adquire um sentido
diferente para o brasileiro, para o europeu e para o esquimó. Outro exemplo do
condicionamento cultural do significado temos com a palavra Nordeste. Para o brasileiro, esta
palavra não evoca simplesmente um ponto do horizonte situado eqüidistantemente
a 45° do Norte e do Leste, ou a região que se estende do Maranhão até a Bahia,
tal como se pode ler nos dicionários ou como possa ser interpretado por uma
pessoa de uma cultura estranha à brasileira. Muito mais do que uma simples
região geográfica, o Nordeste é, para
o brasileiro, um conjunto de costumes, paisagens, personagens, o falar ritmado,
a seca, a pobreza, a comida, as histórias, as roupas típicas, os coronéis, as
lavouras de cana-de-açúcar no litoral e a caatinga no sertão. Todos estes e
outros fatores conjugados compõem uma imagem que, embora não corresponda
necessariamente à realidade, é o significado que esta palavra tem para o
brasileiro. Isto é, além de seu significado estável e dicionarizado, a palavra
carrega o arquétipo do que o inconsciente coletivo dos brasileiros determina
como Nordeste, arquétipo este
adquirido através da práxis do homem brasileiro dentro de sua cultura.
Assim, para que a pretendida significação
de um emissor seja apreendida pelo receptor, é necessário que este último
compartilhe da mesma práxis cultural do primeiro. Em outras palavras, para que
o processo comunicativo se efetive é necessário que a competência do receptor
esteja no mesmo âmbito da do emissor (no processo da tradução este receptor é,
em primeiro lugar, o tradutor e, em segundo lugar, o público estrangeiro
receptor da obra).
É justamente aqui que percebemos como se
dá a formação de estereótipos no processo da significação. Se a significação é
culturalmente — e, portanto, ideologicamente — condicionada e determinada pela
práxis que os sujeitos adquirem dentro de uma cultura, então o conhecimento que
este sujeito tem da sua realidade será ideologicamente direcionado.
Ora, se a significação depende de uma
práxis social, o que acontece, por exemplo, com uma obra literária traduzida —
campo em que se multiplicam as possibilidades de significação — e que é lida
por pessoas que não falam ou conhecem a língua na qual ela foi originalmente
escrita? O que acontece neste intervalo lingüístico que se forma entre o
conhecimento exigido pela obra e o de fato existente?
Para responder a esta pergunta, faz-se
necessário o estudo da gênese e da recepção da obra literária. Contudo, mesmo
sendo este um estudo de cunho literário, e que, portanto, liga-se à análise
imanente do texto, precisamos ainda recorrer à construção de relações entre o
texto literário e outras áreas da cultura, na medida em que esta atitude
“enfatiza a pesquisa da interculturalidade como caminho viável para uma
compreensão satisfatória da alteridade”[12],
isto é, precisamos recorrer a um estudo de caráter imagológico. Procedimentos
como estes são vitais para a Imagologia, já que não existem métodos
imagológicos de análise textual: estes são emprestados de outras disciplinas
tais como a Teoria Literária que, por sua vez, empresta instrumental da
lingüística. Deste modo, em seus diferentes níveis de análise, a Imagologia
pressupõe a utilização de métodos interdisciplinares para satisfazer a esta
interculturalidade.
No caso de estudarmos uma obra literária
traduzida, há a questão do tradutor a
ser considerada. Segundo Azenha, “mais do que um exímio desempenho em línguas
estrangeiras, o que se espera dele [do profissional de tradução] hoje é a
habilidade de informar sobre uma outra cultura e, mais do que isto, versar
contrastivamente sobre duas ou mais culturas”[13],
o que aponta para uma preocupação em se atribuir, também à tradução, um caráter
interdisciplinar. Assim, se no âmbito mais propriamente da teoria literária
cabe estudar as relações entre a imagem construída pelo pensamento do autor e a
realidade, no caso de analisarmos uma tradução, também é relevante que se
estude quais as relações entre a imagem literária no texto original, a imagem
literária no texto traduzido e o pensamento do tradutor. Podemos rastrear qual
seja a ideologia do tradutor e qual seja a imagem ou imagens que resultaram
desta ideologia e quais delas se plasmaram no resultado de sua tradução. O fato
de sabermos que o tradutor participa como co-autor no processo tradutório não
desmerece, entretanto, o texto traduzido. O texto não se torna maculado, com
ruídos adquiridos durante a tradução, mas aquilo que, muitas vezes, se
considera mácula ou ruído — e que aqui chamamos de desvio — é justamente o
elemento que, devidamente analisado, nos conduz a compreender a gênese e a
explicar a formação das imagens do texto traduzido. Em outras palavras,
afirmamos aqui que no intervalo lingüístico que se forma entre o conhecimento
socio-cultural a priori que a obra
exige e o conhecimento que de fato o leitor estrangeiro possui vai ser
preenchido pelo tradutor. O processo da tradução, visto como um fenômeno no
qual a participação do tradutor é decisiva, produz um texto carregado das
ideologias do tradutor, de sua compreensão particular do texto, e este acaba
por ser a soma de sucessivas escolhas do tradutor, o que dá como resultado um
número bastante expressivo de estereótipos.
Na década de sessenta, Hugo Dyserinck, com
seu artigo intitulado O problema das
imagens e miragens e sua análise no campo da Literatura Comparada [14],
afirma que a Imagologia teria, hoje, o objetivo de investigar a imagem ou
imagens de um país ou de um povo; ainda quais seriam suas auto-imagens e
hetero-imagens. Longe de tentar definir identidades nacionais como fizeram os
estudiosos do passado, a tendência atual é a de pesquisar e determinar o grau
de deturpação que existe em categorias ideológicas subjacentes aos imagotipos, isto é, às imagens.
Pretende-se compreender e analisar o funcionamento do pensamento e das
estruturas mentais que se escondem atrás dessas categorias ideológicas.
Thomas Bleicher, em seu texto Elementos de uma Imagologia Comparatística,
reconhece a necessidade de se estabelecer um método imagológico para dar conta
dos processos literários e das relações do texto com a realidade que este tipo
de estudo contém e apresenta algumas premissas para tal: não “traduzir” o desconhecido
em conhecido, mas a partir do conhecido familiarizar-se com o desconhecido;
travar conhecimento com o conceito dos outros, ainda que exóticos, para pôr à
prova, quem sabe alterar, a nossa própria auto-imagem; é desejável que a
pesquisa seja feita no âmbito da cooperação internacional; deve-se evitar o
etnocentrismo e a visão unilateral. A preocupação de Bleicher, como se percebe,
não é julgar ou fazer qualquer tipo de avaliação da cultura que se analisa, mas
de procurar conhecê-la para que, como resultado deste melhor conhecimento, os
homens possam viver melhor uns com os outros. Nas palavras de Bleicher, “a
importância social da Imagologia está na sua contribuição para o entendimento
das nações. Além de ser uma ciência das imagens nacionais, a Imagologia se
presta a uma espécie de diplomacia literária, que procura identificar e
esclarecer os estereótipos nacionais e seus mecanismos de funcionamento em
textos literários e, subseqüentemente, no desmonte destes estereótipos, o que
leva os povos da terra a se conhecerem mutuamente”. Embora esta última
afirmação de Bleicher deixe a desejar por carecer de rigor científico, ela
deixa transparecer que toda pesquisa de caráter imagológico pressupõe a
comparação e análise das imagens que os outros têm de nós com a imagem que
temos de nós mesmos e a identificação, por meio desta análise, de quais são os
mecanismos ideológicos responsáveis por tais imagens. O objetivo de trabalho da
Imagologia define-se, portanto, basicamente, no reconhecimento das auto e hetero-imagens,
da comparação entre elas e da investigação dos elementos que as condicionam e
determinam. A comparação é um dos métodos possíveis que leva ao entendimento do
eu e do outro e de seu inter-relacionamento.
AZENHA JR., João. “A história do mago Merlin”: comunicação e intertextualidade numa tradução narrativa. Dissertação de mestrado. São Paulo: FFLCH/USP [s.d.] pp. 79-80.
DYSERINCK, Hugo. Zum
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SOUSA, C.H.M.R. de. Imagologia Comparada. Memeo cedido pela autora.
O DISCURSO
DIDÁTICO EM O LAVA-PÉS: CONTRATO
ENUNCIATIVO
Astrogilda Rosa, BENELI[15]
Resumo: Esta comunicação tem por objetivo mostrar que:
1) A Pedagogia do Mestre constrói-se na cerimônia do
lava-pés. É através de um contrato enunciativo, firmado entre Jesus e o
evangelista João, que este, num estado de transcendência, transcodifica para os
homens a maneira de ensinar de Jesus.
2) O discurso do lava-pés é constituído de um certo
número de níveis de profundidade superpostos, dos quais o didático pode merecer
um estudo à parte, sendo considerado implicitamente como um modelo segundo o
qual outros mestres poderão fundamentar o seu modo de ensinar. No lava-pés, o
discurso primeiro é a ação, o segundo é a explicação. A palavra torna-se,
portanto, um meta discurso e a pedagogia do Mestre fica assim caracterizada:
seleção, associação, doação, delegação e atualização.
“Vós me
chamais de Mestre e Senhor e dizeis bem, pois eu o sou.”
(Jo 13,13)
No texto O lava-pés está atualizada a idéia de
contrato que o sujeito ausente faz com João, o apóstolo por ele escolhido para
narrar a cerimônia da lavagem dos pés. Percebe-se que o Mestre através do
sujeito ausente faz um pacto com o evangelista. Este contrato surge no texto
como uma troca diferida, sendo a distância que separa sua conclusão de sua
execução preenchida por uma tensão que funciona, ao mesmo tempo, como uma espécie
de crédito, que o sujeito ausente tem na pessoa de Jesus e passa a ter com
João, e um débito, que João, por meio desse mesmo sujeito, passa a ter com
Jesus. Jesus obtém seu objeto valor: a confiança em João por meio do sujeito
ausente que inscreve na mente de João o seu modo de ensinar, e passa-lhe a
idéia de que este venha a ter uma obrigação para com Jesus. Obrigação de
retratar para a humanidade a sua maneira de ensinar.
Analisando mais
profundamente este evangelho narrado somente por João, percebe-se uma simples
operação de troca de dois objetos valor: ensino e reprodução não são apenas uma
atividade pragmática, mas situam-se, no essencial, na dimensão cognitiva: para
que João pudesse fazer a troca com Jesus foi preciso que ambas as partes fossem
asseguradas do valor do objeto a ser recebido em contrapartida. João observa o
fazer persuasivo de Jesus e olha para dentro de si mesmo, onde descobre que o
seu fazer interpretativo já estabelecido pelo sujeito ausente pode dar origem a
uma operação pragmática propriamente dita, ou seja, a escritura do único
evangelho que contém em si as técnicas da pedagogia do Mestre.
Esse contrato que é
firmado entre Jesus e João se manifesta na estrutura da enunciação e
apresenta-se como um contrato enunciativo, porque visa a estabelecer uma
convenção fiduciária entre o enunciador (Jesus) e o enunciatário (João),
referindo-se ao dizer verdadeiro do discurso enunciado. O contrato fiduciário
que assim se instaura na escritura do lava-pés repousa numa evidência, ou seja,
na certeza imediata de que João tem no fazer persuasivo - do fazer-crer do
enunciador Jesus ao qual ele (João) precisa corresponder com um fazer
interpretativo - um crer por parte do enunciatário. E crendo no fazer
persuasivo do Mestre, João tenta interpretar esse fazer descrevendo a
cerimônia, concentrando no seu discurso tudo o que pôde captar a respeito do
ensino do Mestre.
Percebe-se que este
discurso é constituído de um certo número de níveis de profundidade
superpostos, dos quais o didático merece um estudo à parte, sendo considerado
implicitamente como um modelo, segundo o qual, outros mestres poderão
fundamentar o seu modo de ensinar.
Retomando o nível
pedagógico que serviu de lugar à criação do discurso didático, pode-se dizer
que a forma produzida por Jesus para ensinar está fundamentada no testemunho de
vida. O seu ensinamento é o seu agir. Ele não cita um exemplo, ele é o exemplo.
Ele sempre fora o exemplo, portanto, é pura e simplesmente o modelo. A sua
figura não perde a espontaneidade e nela se vê uma atitude de pedagogo.
Torna-se um modelo porque seu agir é autêntico, correto, natural. A
exemplaridade do Senhor reside em que a existência cristã começa com ele. Ele
funda a possibilidade de ser cristão. Mostra o que isto quer dizer e dá a força
para o ser tornando-se sujeito de sua pedagogia: ensinar é testemunhar.
João captou a pedagogia
do Mestre e narrou-a para mostrar que, quando um homem age, a sua ação
inscreve-se na história, passando a ter um sentido que excede o tempo.
O papel de estrategista,
que se é levado a reconhecer no sujeito Jesus, confirma a existência de uma
dimensão cognitiva autônoma do discurso: é a partir da ostentação de seu saber
que ele corta em fatias e referencializa o discurso anterior segundo. Neste
texto, o discurso primeiro é a ação, o segundo é a explicação. A palavra
torna-se, portanto, um meta-discurso. O fazer anafórico, que assim se
manifesta, possui na realidade um caráter muito mais abrangente, porque, não se
contentando com a organização do discurso
exemplo em vias de realização, ele é susceptível de assumir os programas
discursivos anteriores, que ficam implícitos e simplesmente pressupostos.
Com efeito, se se pode
conceber o discurso que teve por objeto uma disciplina particular como um
encadeamento sintagmático de todos os discursos parciais situados sobre a única
isotopia exemplo, compreende-se que seqüências consideráveis
desse discurso total, permanecendo implícitas, podem servir de lugares de
referências ao discurso atual em vias de produção. Trata-se do discurso
didático-pedagógico do Mestre. Jesus ao lavar os pés dos apóstolos está
produzindo o seu discurso didático.
Todavia, o
estabelecimento do limite entre o que pode ser mantido implícito (o que
ensinar) e o que deve ser explicitado (o como ensinar) não depende só da boa
vontade do sujeito discursante: o ato de fala implica principalmente a
presença, real ou suposta, do destinatário ao qual o sujeito, na qualidade de
destinador, dirige seu discurso.
Jesus produziu uma
pedagogia e nela está implícita sua forma de ensinar. Esta forma dependeu de
uma
seleção que ele operou. Desse modo, a escolha que ele fez entre o
povo, optando somente pelos “doze,” levou-o a se apresentar como sujeito de sua
pedagogia. Dessa forma, ele foi se construindo como sujeito ao mesmo tempo que
constrói a sua maneira de ensinar. Determina de antemão a atividade de produção
que só pode ser considerada como uma operação seletiva que escolhe, entre
milhões de pessoas, aquelas com as quais quer trabalhar, para que estas possam
adquirir condições de produzir conforme ele deseja que produzam.
Seu programa de
treinamento não supervalorizava métodos de ensino, e sim a associação.
Portanto, o destinador (Jesus) valorizou acima de tudo o homem (sujeito-
destinatário), que é visto por ele como seu instrumento de transformação da
humanidade. A essência da pedagogia do Mestre foi manter seus alunos junto dele
para que aprendessem observando-o. Este era o seu método de ensino. O texto
mostra Jesus como um actante que se aproxima de outros para ensiná-los: “Chega, então, a Simão Pedro.” Não é o
aluno que dele se aproxima, é ele que chega até o aluno.
Utilizando-se da
proxêmica, projeto de disciplina semiótica, que visa analisar a disposição dos
sujeitos no espaço, percebe-se que o sujeito (Jesus) faz uso do espaço para
fins de significação. A proximidade que os sujeitos (Jesus e os apóstolos)
mantêm entre si é importantíssima para caracterizar a pedagogia do Mestre.
Jesus rompe com o distanciamento que havia entre eles para mostrar que a
aprendizagem só ocorre onde destinador e destinatário estão bem próximos.
O Mestre sabia que o
conhecimento mais profundo vem pela obediência, por isso pediu doação,
que é outra característica de sua pedagogia. Ele doou-se, ou seja, transmitiu
vida. A doação do sujeito Jesus, apesar de representar a transformação dos
apóstolos, não dá lugar a uma atribuição e a uma renúncia concomitantes, porque
Jesus passa a eles um conhecimento que ele não perde. Ao contrário, quanto mais
conhecimento ele transmite mais conhecimentos ele ganha, porque a fonte dos
conhecimentos que ele doa é inesgotável. Procede do sujeito ausente. No plano
narrativo, a doação de Jesus corresponde a uma conjunção transitiva e reflexiva
não dando lugar à disjunção. Jesus adquire mais conhecimento à medida que o
passa para os apóstolos. Ele não perde por ser doador e os apóstolos, que
estavam em disjunção do conhecimento, adquirem-no.
Esta seqüência
sintagmática composta de duas atribuições de um mesmo objeto de interesse de
dois sujeitos, um que dá e outro que recebe aquele mesmo objeto de forma
melhorada, é uma doação vantajosa porque o sujeito doador (Jesus) tira
vantagens quando realiza a doação. Quanto mais ele ensina, mais conhecimentos
adquire e mais adeptos consegue. Portanto, além do sujeito doador, no texto se
projetam sujeitos adjuvantes, que são os apóstolos que vão auxiliar o doador na
transmissão do objeto saber, ou seja, na colocação desse objeto à disposição de
outros sujeitos.[16]
Por isso, percebe-se que
não basta observar o que Jesus fez e ensinou. Assim que o Mestre mostrou aos
seus alunos como viver é que ele partilhou com seus discípulos a extensão de
suas responsabilidades. A delegação é algo que o
sujeito do fazer passa ao sujeito do ser. Jesus faz com que seus aprendizes
transformem-se em delegados seus, enchendo-os de poder.
Jesus, fazendo-os
conhecedores de sua pedagogia, compreende que os tornou competentes para
realizar um grande trabalho por si mesmos. Teve, porém, cuidado de dar-lhes
instruções completas antes de os delegar. Tais instruções, de natureza
semiótica, mostram que seus delegados, apesar de práticos e simples, devem
estar de posse daquilo que querem transmitir, isto é, eles devem estar em
conjunção do objeto para terem o poder de transmiti-lo (amor, humildade,
sinceridade, lealdade, salvação). Isto confirma que a pedagogia dos enviados
não pode mudar em nada, indica somente que, em todas as situações, ela deve
estar articulada em duas organizações actanciais, ligadas entre si pela relação
destinador/destinatário,
impedindo que participações estranhas intervenham nos mecanismos de decisão e
que as dimensões entre as duas manifestações - detentora de posse e detentora
de poder - não deixem de ser isotópicas. Assim, no caso teórico de filiações de
seres humanos que se convertam a Jesus pela lei do amor, a qual deve ser
incorporada no sistema de valores do cristão e transformada num microssistema
de valor abstrato, e na medida em que esta filiação possa ser levada ao
infinito, a relação do poder detido pela sociedade matriz, organizada,
estruturada e dada a ser conhecida pelos homens por meio de Deus humanizado, é
passada à outra parte, de tal forma que o homem chega até Deus só por Deus.
Finalmente, o que
caracteriza a pedagogia do Mestre é o princípio da atualização.
Quando ele percebe que os seus alunos tornam-se competentes, ele os envia para
fazerem outros alunos, isto é, atualizarem seus conhecimentos. É necessário que
creiam e que façam crer que o eventual prolongamento do discurso didático e da
teoria pedagógica de Jesus na humanidade não é pura hipótese, mas decorre
logicamente do programa inicial de Deus-Espírito.
Percebe-se, portanto,
que a finalidade última desse ato do sujeito actante (a lavagem dos pés) não é
informar, mas persuadir o outro a aceitar o que está sendo comunicado. Por
isso, pode-se dizer que o próprio ato de lavar os pés é uma comunicação não
verbal, seguida de uma comunicação verbal, e pode ser visto como um complexo
jogo de manipulação com o objetivo de fazer o enunciatário crer naquilo que se
transmite. A linguagem do Mestre, quer verbal, quer gestual, é sempre
comunicação persuasiva porque é produção de sentido.
O discurso didático que
está dentro dessa narrativa designa um campo privilegiado para o exercício do
saber-fazer semiótico.
A pedagogia de Jesus pôde,
de acordo com o ponto de vista deste trabalho, ser definida pelo conjunto de
traços distintivos comuns ao objeto estudado (o texto de reprodução do
lava-pés), ou melhor, dele foi extraída, uma vez que neste objeto puderam ser
detectadas as técnicas utilizadas pelo sujeito destinador do ensino.
Resumindo, pode-se dizer que talvez seja prematuro, no
estado atual dos meus conhecimentos sobre as condições de produção do discurso
do Mestre, procurar fixar definitivamente os traços desse discurso. No entanto,
ofereço uma contribuição aos semioticistas que quiserem continuar esta
pesquisa.
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Resumo: Apontado por Le Goff, uma das primeiras
novidades trazidas pelo Cristianismo foi o nexo entre carne e pecado, tantas
vezes utilizado para justificar a repressão da maior parte das práticas
sexuais. Devido a isso, o homem medieval se acha envolvido, quer queira quer
não, na luta que divide a sociedade, os poderes, a família e os próprios
indivíduos: a luta entre a heresia e a ortodoxia, entre o desejo natural e as
condenações teóricas e práticas da Igreja, entre a realidade vivida e os ideais
cristãos. No âmago dessa situação, surge a
cortesia. Essa “religião” literária que enobrece o amor é celebrada pelos
mesmos homens que insistem em considerar a sexualidade como vil. Com base na
história das mentalidades e na análise do discurso, constatamos que o amor
cortês distorce a moral cristã e, ao mesmo tempo, é dela co-habitante.
A Idade Média é marcada por muitas mudanças, sendo uma
delas o tratamento dado ao corpo. Nos estudos de Pouchelle (apud Le Goff,
1985), a condição do corpo na Idade Média ocupa um lugar de destaque. A
referência principal é atribuída, alegoricamente, à Igreja - corpo místico de
Cristo - e ao Estado nascente - corpo vivo e organizado pela “cabeça
monárquica”. O corpo desempenha um papel importantíssimo na definição das três
ordens da sociedade tripartida: o corpo dos padres, consagrado pela ordenação
(que exclui os estropiados e mutilados), o corpo dos guerreiros/cavaleiros,
enobrecido pelas proezas de guerra ou de torneios, e o corpo dos trabalhadores,
acabrunhado pelo esforço mas, apesar disso, engrandecido nos portais das
catedrais, nas figuras de camponeses entregues aos ofícios da vida ativa.
É verdade que a doutrina incessante repetida pelo
Cristianismo é a doutrina do desprezo pelo corpo, por esse abominável vestido
da alma. Os modelos monásticos propõem a sujeição e humilhação do corpo pela
ascese, pela continência e pela abstinência. O corpo que a Igreja mais exaltou
foi - à imagem do corpo de Cristo - o corpo sofredor.
Parece, então, que a encarnação é a humilhação de
Deus. O corpo é a prisão da alma: mais que a sua imagem habitual, é a sua
definição. O horror ao corpo culmina nos seus aspectos sexuais. O pecado
original, de desafio intelectual a Deus, foi transformado pelo cristianismo
medieval em pecado sexual.
A Antigüidade tardia trouxe uma transformação decisiva
nas concepções e nas práticas da sexualidade no Ocidente. Depois de um período
Antigo - greco-latino - em que a sexualidade e o prazer carnal foram valores
positivos e em que reinou uma grande liberdade sexual, vieram instalar-se, na
Idade Média, a geral condenação da sexualidade e a estrita regulamentação do
seu exercício. E, como vimos, o principal agente dessa inversão foi o
Cristianismo.
Tomando por base a leitura de Rougemont (1988),
constatamos que logo de início, o homem medieval se acha envolvido, quer queira
quer não, na luta que divide profundamente a sociedade, os poderes, a família e
os próprios indivíduos: a luta entre a heresia presente em toda parte e a
ortodoxia romana formalmente atacada. Por exemplo, o casamento católico é tido
como um sacramento, embora repouse de fato em bases de interesse material e
social, além de ser imposto aos esposos, sem que se leve em consideração seus
sentimentos, sua escolha pessoal. Ele foi, na realidade, um canal para desviar
o excesso de sensualidade/erotismo entre o casal. Fazer corte à sua própria
esposa seria profundamente ridículo. Essa fixação institucional tinha de
bloquear a evolução do casamento em direção a uma relação pessoal e íntima -
pelo menos para as camadas sociais elevadas. Dessa forma, é possível perceber
que sexualidade e intimidade se encontram numa contradição que não pode ser abolida
no quadro da ordem estabelecida
Simultaneamente, introduz-se, nessa sociedade, uma
nova possibilidade de acolher a mulher, embora sob a capa de uma idealização ou
de uma divinização do feminino. Isso só pode avivar a contradição entre os
ideais cristãos e a realidade vivida. A sensualidade natural e o desejo se
debatem em meio a condenações antitéticas, constrangimentos teóricos e
práticos.
No âmago dessa situação, como uma resultante de tantas
confusões que aí deviam se enlaçar, surge a cortesia,
a “religião” literária do amor casto, da mulher idealizada, o joi, seus rituais, sua moral da
homenagem e do favor. O grande público, culto ou não, agora ouve os trovadores
espalharem sua glória mundana por todos os cantos. Vemos essa religião do amor
que enobrece ser celebrada pelos mesmos homens que insistem em considerar a
sexualidade como vil; e vemos no mesmo poeta-trovador um adorador entusiasta da
Dama casta, que ele exalta, e um depreciador da mulher que se curva ao
casamento.
Notamos assim, que duas morais se confrontam na Idade
Média: a da sociedade cristianizada e a da cortesia herética. Uma implicava o
casamento, do qual fez um sacramento, e a outra exaltava um conjunto de valores
donde resultava a condenação do casamento. O modo como o adultério era julgado,
de uma e de outra perspectiva, caracterizava muito bem o confronto. Aos olhos
da Igreja, o adultério era ao mesmo tempo um sacrilégio, um crime contra a
ordem natural e um crime contra a ordem social, pois o casamento unia ao mesmo
tempo duas almas fiéis, dois corpos aptos a procriar e duas pessoas jurídicas.
Prestava-se a santificar os interesses fundamentais da espécie e os interesses
da cidade/Igreja.
A heresia, ligada desde sua origem à cortesia, se
opunha ao casamento nos três aspectos que acabamos de citar. Primeiro, porque
negava o casamento; segundo, porque condenava a procriação e por fim, porque
permitia a guerra como uma nova ordem social, como uma expressão do
querer-viver coletivo. Mas a base dessas três negações é na verdade a doutrina
do Amor, isto é, do Eros divinizante, angustiado e em eterno conflito com a
criatura de carne e seus instintos avassaladores.
O aparecimento do amor cortês transformaria
radicalmente o juízo que se fazia sobre o adultério. O símbolo cortês do amor por
uma Dama, incompatível com o casamento carnal, produzia confusões
inextricáveis. Aquilo que para o crente maniqueísta era a expressão dramática
do combate entre a fé e o mundo, torna-se para o leitor ou ouvinte, uma
“poesia” equívoca e ardente. Poesia aparentemente profana, cujo poder de
sedução é ainda maior pelo fato de seus símbolos apresentarem-se como
reveladores de um mistério vago e lisonjeiro.
Evocar essa dissociação, esse escoamento do amor para
fora do par conjugal, conduzir-nos-á aos ritos da sociabilidade aristocrática
ordenados em torno de um sentimento que os especialistas da literatura medieval
chamaram de amor cortês. Na realidade, as reviravoltas da cortesia, nessa
época, só eram um simulacro mundano, uma vestimenta aparatosa lançada sobre a
verdade das atitudes afetivas. Este amor aparece, não como um delírio
individual, uma exceção ou um extravio, mas como um ideal de vida superior.
A aparição do amor cortês tem algo de milagroso, pois
não foi conseqüência de uma pregação religiosa nem de uma doutrina filosófica.
Foi a criação de um grupo de poetas - e como tal, expressavam tanto uma
experiência pessoal vivida como uma doutrina ética e estética -, no seio de uma
sociedade reduzida: a nobreza feudal do sul da antiga Gália. Por hora, observaremos
esse amor que implica também uma prova a ser realizada entre o trovador e “sua”
dama.
Antes da consumação física, se é que esta fosse
ocorrer, havia um etapa intermediária que se chamava assag ou assai: prova de
amor. O assai abrangia vários graus:
assistir ao levantar e ao deitar da dama; contemplá-la desnuda; enfim, penetrar
no leito com ela e entregar-se a diversas carícias sem chegar à entrega final.
Para os adeptos do amor cortês, o casamento era um jugo injusto que escravizava
a mulher, enquanto o amor fora do casamento era sagrado e conferia aos amantes
uma dignidade espiritual. Como a Igreja, condenavam o adultério como lascívia,
contudo, convertiam-no em sacramento se fosse ungido pelo fluido misterioso do fin’amours, expressão que os poetas
utilizavam para denominar o amor purificado, refinado.
Esta exaltação ao mesmo tempo física e espiritual a
que se referiam os poetas era, por eles, chamada de joi e significava uma recompensa, a mais alta do amor. Não era uma
simples alegria nem o gozo, mas um estado de felicidade indefinível, como
coloca Otávio Paz “A felicidade é, por essência, indizível, o joi dos provençais era um gênero
inusitado de felicidade e, assim, duplamente indizível” (p. 85). Outro aspecto
do joi é que este não era um prêmio outorgado
à abstinência, e sim uma graça natural concedida aos amantes que haviam
depurado seus desejos. É por isso que Paz vê o amor cortês não como uma
desordem, mas como uma estética dos sentidos.
O joi, trata do desenvolvimento de uma
sensação interior de superioridade e força relacionada à capacidade de
renunciar a algum objeto ou situação de privilégio. Ou seja, o homem
experimenta uma sensação profundamente agradável quando se sente capaz de
transcender a sua condição. O mais gratificante do prazer da renúncia e sua
concomitante sensação de superioridade está em direta conexão com a
neutralização parcial dos sentimentos de inferioridade. A existência permanente
desse sentimento determina um importante reforço no processo de se imaginar um
ser mais harmonioso e coerente; através do esforço de
superação das limitações, o indivíduo pretende tornar-se “livre” da
desagradável inferioridade, sendo este um dos processos que impulsiona todos na
busca da transcendência.
Festa da imanente transparência, o fin’amour é essencialmente a arte do
sentido. Irredutível a uma simples ética da corte bem como a uma valorização
demasiado objetiva da Dama, esse amor tem um código. Dele, fazem parte a
coloração a um só tempo sentimental e erótica e é isso que vai tecer o sentido
profundo do estado amoroso enquanto tal. Antes de ser uma arte de amar ou antes
porque o é, a cortesia é uma enunciação. Tecida ao longo do discurso cortês, as
metáforas, alegorias e demais símbolos que o construíram, estabilizam-se em
sentido literal nobre. Tal estabilização nos faz abandonar a enunciação como performance subjetiva e como joi e nos leva a ler a cortesia como um
código semântico de valores e regras próprios. Código que esboça a face de Eros
camuflada pela cortesia, a face do desejo camuflada pela abstenção.
BATAILLE,
Georges. O Erotismo. Trad. João B. da
Costa. Lisboa: Edições Antígona, 1988.
__________.
Teoria da Religião. Trad. Sérgio
Góes. São Paulo: Ática, 1993.
CAILLOIS,
Roger. O Homem e o Sagrado. Trad.
Geminiano Franco. Lisboa: Edições 70, 1988.
FOUCAULT,
Michael. História da Sexualidade.Trad.
M. Thereza Albuquerque. Rio de Janeiro: Edições Graal, 1994, volumes 1 e 2.
LE GOFF,
Jacques. O Imaginário Medieval. Trad.
Manuel Ruas. Lisboa: Estampa, 1994.
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Otávio. A Dupla Chama: Amor e Erotismo.
Trad. Wladir Dupont. São Paulo: Siciliano,1994.
ROUGEMONT,
Denis de. O Amor e o Ocidente. Trad.
Paulo Brandi. Rio de Janeiro: Guanabara, 1988.
TABORDA, S.
J. Francisco. Cristianismo e Ideologia.
São Paulo: PUG/Loyola, 1984.
VERNANT,
Jean-Pierre. O Homem Grego. Trad. M.
Jorge de Figueiredo. Lisboa: Presença, 1994.
A CRIATIVIDADE EM TEXTOS ESCOLARES
Kelly Cristiane Henschel
Pobbe de CARVALHO[18]
Resumo: Trata-se de uma breve pesquisa que tem como objetivo
observar o “nível” de criatividade em redações escolares, não só no que se
refere ao plano do conteúdo, mas também ao da expressão. Para tanto, utilizamos
textos produzidos por uma 6ª série de uma escola periférica da rede pública da
cidade de Assis, que têm como tema “O Passeio”.
Após a
observação e análise dos textos (“corpus”), sugerimos algumas “estratégias” que,
acreditamos, poderiam contribuir para despertar a criatividade nos alunos com
relação à produção textual. Vale lembrar que estas sugestões são formuladas com
base em trabalhos de autores que se dedicam ao estudo da produção textual, tais
como E. P. Franchi, C. Lemos, O. M. Garcia, L. L. Fávero, dentre outros.
I -
Introdução
Com o desenvolvimento da Lingüística
Textual, a partir da década de 60, muito tem sido estudado sobre fenômenos
relacionados ao texto e muito tem sido refletido sobre algumas estratégias que
possam vir a melhorar o desempenho da competência textual, por parte dos
usuários das línguas.
Em geral, a preocupação maior, por exigir
maiores cuidados, concentra-se na modalidade escrita, pois é aí que o usuário
da língua necessita, além de saber utilizar as regras da norma culta
(ortografia, acentuação, pontuação, concordância...), saber expor bem suas
idéias (conteúdo) -
organizá-las de forma
coesa e coerente -, a fim de que seja bem
compreendido por seus interlocutores.
Muitos avanços da Lingüística Textual já
se refletem no ensino de Língua Portuguesa, mas o que predomina ainda é a
grande dificuldade que os alunos têm com relação à escrita, e o que se observa
através de pesquisas é que muitos ainda encontram um verdadeiro “bloqueio”
quando necessitam de escrever.
Não pretendemos apontar alguma solução e
nem somos capazes de fazê-lo. Mas tencionamos, partindo da análise de um
pequeno “corpus”, apenas ressaltar um aspecto problemático que tem prejudicado
muito as redações - a falta de criatividade - e propor algumas estratégias que
poderiam, acreditamos, possibilitar a produção de textos melhores - mais
originais.
II -
Texto e criatividade
O texto é o “todo significativo”, a
“unidade semântica” em que se dá o processo comunicativo, indo além de um
amontoado de frases desconexas. Para ser texto é preciso haver coesão entre os elementos (frases e
parágrafos), coerência entre as
idéias, tanto interna como externamente, informatividade
(o que se quer comunicar), além do contexto
e da situação nos quais o texto se
insere, intencionalidade de
comunicar algo, aceitabilidade (mais
relacionada aos aspectos culturais e sociais) e intertextualidade, mostrando como o texto se relaciona com outros
textos (FÁVERO, 1991, p.7).
Todos estes fatores são responsáveis pela
composição do “todo significativo”. A criatividade, no entanto, não é um fator
essencial na produção textual, mas sim é o elemento que dá o colorido ao texto,
tornando-o mais atraente, o elemento que personaliza um estilo e caracteriza o
discurso espontâneo.
É preciso dizer que não entendemos
criatividade, aqui, como algo parecido à aquela “sacada” inédita e super
original que encontramos geralmente em textos de grandes escritores. Mas sim
entendemos criatividade como um recurso utilizado na produção textual para
envolver o leitor, recurso que pode ser despertado e incentivado, relacionado
não somente ao campo das idéias (conteúdo), mas também ao da expressão
lingüística. Interessam-nos não somente o que se disse/escreveu, mas também o como
se disse/escreveu.
“Percebe-se
como o professor é parcial ao considerar como comportamento criativo na
linguagem somente certos aspectos esquisitos da linguagem figurada ou
literária. Há uma atividade criativa mesmo quando a linguagem se sujeita a suas
próprias regras na construção das expressões mais simples. Há criatividade até
quando nada falamos e nos servimos da linguagem no silêncio da reflexão em que
reorganizamos nossa experiência anterior.”
(Proposta
Curricular, 1993, p.19)
Falamos, portanto, da criatividade que
pode manifestar-se em simples redações escolares, se houver incentivo para
tanto.
III -
A criatividade em textos escolares: um pequeno diagnóstico
Ao analisarmos algumas redações produzidas
pela sexta série de uma escola periférica da cidade de Assis, com o tema “O
Passeio”, observamos um alto grau de semelhança entre elas.
Das trinta e três redações desta classe,
dezesseis delas apresentam o mesmo conteúdo - passeio no horto florestal - e,
basicamente, não apresentam grandes diferenças também no nível da expressão, ou
seja, são narrações com começo, meio e fim em seqüência - saída da escola,
viagem de ônibus, chegada ao horto, encontro com a monitora, passeio de trator,
jogo de bola, brincadeira na água, lanche, retorno -, sempre narradas em
primeira pessoa do plural, portanto, não há também mudança no foco narrativo.
Não temos informações sobre as condições
em que foram produzidos estes textos, somente sabemos que, de fato, estas
crianças fizeram um passeio ao horto florestal alguns dias antes de escreverem
estas redações. Podemos afirmar, então, antes de qualquer crítica, que estas
crianças escreveram de forma tão semelhante porque narraram um fato que fez
parte da realidade delas e que estava ainda muito presente no contexto da vida
escolar.
Por um lado, então, este passeio “real”
pode até “justificar” tal semelhança no conteúdo das redações.
No que se refere ao plano da expressão (à
forma como é narrada a história), como já afirmamos acima, os alunos escrevem
também de forma homogênea, sem inverter a ordem dos acontecimentos, sem mudar o
ponto de vista e sem utilizar outros recursos expressivos que dão o colorido ao
texto: todas as redações apresentam a mesma estrutura narrativa.
Comprova-se aqui, mais uma vez, a hipótese
de LEMOS (1977, p.62), de que os alunos parecem apenas preencher um
esquema/arcabouço previamente dado ou inferido de textos - modelo.
IV -
Algumas estratégias
Apontamos a seguir algumas sugestões, as
quais podem contribuir para que o aluno descubra seu potencial criativo, no que
se refere à produção de textos.
Vale lembrar que elas não correspondem a
nada de muito novo na área. São propostas que resultaram de algumas pesquisas
bastante conhecidas - como a de Eglê Franchi - e que apontam para um caminho
mais coerente de ensino de Língua Portuguesa, pois preconizam a interação na
sala de aula.
Eglê P. Franchi (1984), no relato de sua
pesquisa com alunos de uma terceira série, revela duas estratégias que muito
contribuíram para a obtenção de resultados bastante positivos. Uma delas está
intimamente relacionada à noção de variações lingüísticas. A autora
afirma:
“Um
dos aspectos da escola que mais diretamente contribui para a regressão da
criatividade, sobretudo em crianças mais desfavorecidas, é o fato de terem
essas crianças seu dialeto marcado como ‘vulgar’, ‘incorreto’, ‘feio’.”
(FRANCHI, 1985, p.6)
Desta forma, as crianças “reprimidas
lingüisticamente”, sendo “obrigadas” a abandonar quase que instantaneamente seu
dialeto dito “vulgar” ou “errado”, perdem, na maioria das vezes, o prazer de
escrever, ou até mesmo de falar, pois se sentem envergonhadas.
“Essa
forma sutil de repressão lingüística e de agressão à linguagem familiar e
socialmente utilizada pelas crianças levam-nas não ao desenvolvimento de sua
competência comunicativa mas à ‘perda da linguagem’.”
(FRANCHI, 1985, p.7)
E é aí que entra a noção de variantes. A
linguagem do aluno vindo principalmente das classes mais baixas não pode ser
considerada - nem pelo professor, nem pela escola - como a “face feia” da
linguagem, mas sim como apenas mais uma variante, assim como o é a linguagem
dita “padrão”.
É claro que não podemos nos esquecer de
que o papel fundamental da escola é dar a formação necessária para que o aluno
se integre socialmente e, portanto, é nossa obrigação ensinar o dialeto
“padrão”. No entanto, não podemos para tanto ignorar a linguagem do aluno, ao
contrário, devemos valorizá-la partindo dela, pois só assim a sala de aula se
tornará um ambiente de interação social, onde a criança sentirá liberdade para
falar ou escrever e, conseqüentemente, a criatividade e a espontaneidade
fluirão, e o aluno chegará ao principal que é à competência comunicativa.
“...
é respeitando o dialeto das crianças, despertando nelas a consciência das
variações dialetais, que mais facilmente as levamos a dominar o dialeto padrão
culto.”
(FRANCHI, 1984 p.132)
Outra estratégia que também observamos no
trabalho de Eglê P. Franchi é a avaliação feita no processo de
ensino-aprendizagem e com base não apenas na correção gramatical.
Para muitos professores, avaliar textos é
apenas corrigir erros gramaticais, tais como os de ortografia, acentuação,
pontuação, concordância, sem nem ao menos orientar os alunos para suas maiores
dificuldades ou observar o nível de exigência em relação à série do aluno.
Apenas mancham todo o texto de vermelho com montes de riscos sem explicação,
dando notas sem estabelecer critérios. É evidente que esta “técnica” também
reprime o prazer pela escrita.
É portanto necessário lembrar que a
avaliação vai muito além desta simples correção gramatical. Ela deve abranger,
principalmente, a coerência entre as idéias, recursos expressivos utilizados, a
coesão entre as frases e parágrafos, enfim, deve-se observar se o texto de fato
corresponde a um “todo significativo”.
A avaliação também deve ser feita no processo.
O que deve ser observado é o avanço ou retrocesso do aluno durante um período
de tempo em que foram desenvolvidas diversas atividades, e foram dadas várias
oportunidades para o aluno reescrever seus textos.
Outra proposta que não poderia ficar de
lado, por se tratar de textos narrativos, é a de ensinar aos alunos que podemos
inverter a ordem linear dos acontecimentos (dando mais dinamicidade na
progressão do tempo), e narrar partindo do ponto de vista de outros
participantes da história (GARCIA, 1986). Isto resultaria em textos muito mais
originais e criativos, principalmente no que se refere ao plano da expressão.
Também deve ser dito ao aluno que ele não
precisa, necessariamente, escrever textos com base em fatos reais; na narração
“tudo” é permitido. Usando a imaginação, o aluno se sente livre para escrever;
logo, terá mais criatividade.
Com relação ao conteúdo, nada mais
importante do que a utilização de técnicas de leitura dentro ou fora da sala de
aula para despertar a criatividade. Discussões e debates que introduzam o
assunto também são fundamentais antes da escrita, dando margem aí também à
interdisciplinaridade. A dramatização também contribui para que o aluno, além
de desenvolver sua criatividade, relacione-se melhor com o grupo.
Todas estas estratégias apontadas aqui,
que envolvem não só uma mudança de postura ideológica do professor, mas também
algumas técnicas de ensino de redação, acreditamos poder contribuir para que o
aluno descubra suas potencialidades, despertando, assim, sua criatividade.
V -
Conclusão
Com este breve estudo, pudemos observar
que de fato há nas redações analisadas um baixo “nível” de criatividade, no
sentido afirmado logo no início.
No entanto, podemos salientar, que há
algumas estratégias a serem tomadas pelo professor, no intuito de contribuir
para que o aluno descubra a “sua” linguagem, a “sua” forma de expressão. E
estas estratégias não incluem apenas técnicas de ensino de redação, mas também
uma postura diferente por parte dos professores, postura esta que parta do
texto no ensino de Língua Portuguesa, valorize a linguagem do aluno e,
conseqüentemente, dê liberdade para o aluno desenvolver sua criatividade.
BIBLIOGRAFIA
FÁVERO, Leonor L. Coesão e coerência textuais. São Paulo:
Ática, 1991.
FRANCHI, Eglê P. A norma
escolar e a linguagem da criança. In:
O ensino de língua portuguesa. São Paulo: SE/ CENP, 1985.
__________. E as crianças eram difíceis... A redação
na escola. São Paulo: Martins Fontes, 1984.
GARCIA, Othon M. Comunicação em prosa moderna. 13.ed. Rio
de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, 1986.
LEMOS, Cláudia T. G.
Redações no vestibular: algumas estratégias. Caderno de Pesquisa. São Paulo, 23: 61- 71, 1977.
PROPOSTA curricular para o ensino de língua portuguesa
- primeiro grau. 4.ed. São Paulo:
SE/CENP, 1993.
UM ESTUDO SOBRE O ENSINO DE TEXTOS
NARRATIVOS
Maria
Teresa Nastri de CARVALHO[19]
Resumo: Tendo por objetivo melhorar as aulas de produção de
texto e, por conseguinte, o nível dos textos narrativos produzidos por alunos,
começou-se uma investigação na área. Se ainda não se tem uma conclusão do
processo ensino/aprendizagem de redação, tem-se, ao menos, alguns resultados
preliminares obtidos a partir de experimentos fundamentados em teoria de texto,
centrados nos trabalhos de Van Dijk acerca do processamento das informações na
memória e, também, com base em Bruner, sobre a Psicologia Cognitiva.
O tema nasceu do aborrecimento constante,
enquanto professora, da leitura e correção das redações dos alunos.
Aborrecimento, sim, por terem sido oito longos anos de leitura e avaliação de
"mesmices".
Contudo, não se pode esperar bons
textos-produto de alunos que não foram suficiente e adequadamente
treinados/preparados para a elaboração de tal. O que se pretende, aqui, também,
é fazer um "MEA CULPA" pelo fracasso de muitos textos elaborados por
alunos.
É bem verdade que, infelizmente, o
contexto de ensino brasileiro nos leva a algumas afirmações que são, por vezes,
generalizações, porém incontestes: o professor é mal pago, tendo, pois, que,
muitas vezes, trabalhar em mais de uma escola, tornando remota a possibilidade
de reciclagem; além de tudo, há que se lembrar do trabalho que leva para casa.
Frente a tantas circunstâncias adversas, o
comum é perceber que muitos professores vão para a sala de aula sem dominar
minimamente o que irão ensinar.
O professor tem que ter, ainda, a
consciência de que ensinar uma língua é ensinar a se comunicar, tendo em vista
uma pluralidade de discursos, o que gerará um outro número indefinido de atos
em que o homem se define e se integra na práxis-social. Visando a esta
pluralidade de discursos, pressupõe-se que a escola também deve mudar, deve
abrir possibilidades novas de integração ENSINO/MUNDO, deixando, de vez, de
privilegiar somente conceitos pré-estabelecidos, trazendo para a sala de aula
situações reais da vida fora da instituição. Dessa forma, seu papel será mais
abrangente, não se restringirá à transmissão de conhecimentos pura e simples,
outrossim, servirá como ponte entre o que se aprende e sua utilização prática
na vida. Porém, o que, de fato, se observa é que há um enorme hiato entre
prática e teoria: se, de um lado, há professores que esperam dos livros
didáticos ou dos lingüistas fórmulas prontas a serem aplicadas, de outro estão
os lingüistas, extremamente teóricos e nem sempre dispostos a repensar seus
métodos. Desse impasse o que resulta é, com freqüência, um ensino comprometido.
A visão de ensino de língua, partindo-se
do estudo do texto, apesar de profundamente trabalhada, apenas passou à
prática, no Brasil, depois de três décadas, já que a ênfase no estudo da
gramática de frase muito perdurou e, ainda hoje, localiza-se uma ou outra
escola persistindo nesta postura estagnada de se ensinar a língua, talvez,
inclusive, pelo fato de desconhecerem o caminho a ser seguido.
No que tange ao "dueto"
ensino/aprendizagem, seria imprescindível que o professor se ocupasse não só do
ensino, mas também se assegurasse da aprendizagem. Para tal, entende-se como
irrevogáveis se não conhecimentos de psicologia cognitiva, ao menos, contacto
com estes textos teóricos que muito podem auxiliar neste processo.
Acreditamos que, de fato, a estrutura
narrativa é mais facilmente absorvida pelo aluno por estar presente no seu
dia-a-dia, de alguma forma, desde que se entende como ser pensante.
Especificamente falando de narração, foco
central deste trabalho, o que se espera, de um modo geral, é uma maior
facilidade no momento de elaboração, por ser este gênero uma prática inerente
ao ser humano; de uma forma ou de outra, desde os primórdios, o homem teve
necessidade de comunicar suas caças, aventuras, medos; mesmo que, inicialmente,
tal comunicação se transmitisse pelos desenhos, o "contar" sempre fez
parte da vida do homem.
Tudo leva a crer que o sujeito falante
conhece as regras/categorias da narração, pois sem isso não produziria
enunciados textuais coerentes, ou seja, o sujeito é dotado de uma competência
narrativa, no entanto é-lhe, por suposto, penoso elaborá-la por escrito.
Para que a narração escrita se dê de forma
satisfatória, é necessário ter em mente sua estrutura formal, mas infelizmente,
inúmeras vezes, ou por não contar com a tal dificuldade no momento da
elaboração destes textos, ou por desconhecer a estrutura de uma narrativa, não
a ensina, apenas pede que a façam e, conseqüentemente, "aborrece-se"
com os textos-produto.
Como afirma Van Dijk (1977):
"(...)
para construir uma teoria da estrutura narrativa, não basta tomar um corpus,
mesmo que este seja muito largo (...) todo corpus é apenas parte ínfima do
conjunto infinito dos textos narrativos possíveis (...) qualquer texto não
passa de uma manifestação acidental desse sistema.
(...)
a teoria narrativa deverá ser (...) coerente: suas afirmações hipotéticas não
deverão contradizer-se."
Como metodologia de ensino de redação,
partimos do modelo de processamento de informações de Kintsch e Van Dijk.
É dado ao aluno um texto, este será a base
para a elaboração de um outro, porém há que se considerar todo o processo que
envolve tal estratégia.
A partir de uma somatória de frases, que
constituirá um texto (a microestrutura), o aluno, deverá, através de
implicaturas e inferências, tentar construir uma representação do que leu.
A representação, que seria uma visão mais
global do texto, corresponde à macroestrutura; esta poderá ou não estar bem
construída, dependerá, ainda, se houve, a partir da microestrutura, uma boa
base de texto (nível da memória a curto prazo).
Após esse primeiro momento, o da leitura,
cumpre que uma teoria da estrutura narrativa seja trabalhada minuciosamente, em
sala de aula, com exemplos, inclusive.
Há que se demonstrar que para um texto
"prender" a atenção do leitor deve conter algo de interessante, novo,
não apenas transpor para o papel relatos cotidianos triviais nem, tampouco,
desprezar a diferença de uma narração oral.
Desde sempre o homem utilizou a narração
para comunicar seus feitos, crenças, medos, etc. Por ser a narração uma
faculdade quase que inerente à própria condição do ser humano, este gênero, de
um modo geral, não era devidamente ensinado; havia a crença de que tal
estrutura já era por demais enraizada, contudo a facilidade de narrar é muito
mais sentida num texto oral.
Na explicação da estrutura narrativa,
dividimos o texto em partes: SI (situação inicial), aqui há uma certa
estabilidade, em seguida ocorrerá um FT (fazer transformador), terá por
principal objetivo romper com uma estrutura linear ou estável existente, em
decorrência dessa transformação, implicará num clímax, este será seguido de uma
SF (situação final), seria a retomada do equilíbrio inicial; entretanto, a SI e
a SF não devem ser iguais.
Trabalhando, inicialmente, com a
demonstração das "etapas" da narrativa, concluímos que o aluno terá
maior facilidade em aplicar tal estratégia no momento de sua produção textual.
Em suma, acreditamos que explicar as
etapas da estrutura narrativa ocasionará em melhores textos-produto.
BIBLIOGRAFIA
BRUNER, J. S. Uma nova teoria de aprendizagem. Cambridge: Harvard University Press,
1968.
__________. O processo da educação. 6.ed., Trad. de Lólio Lourenço de
Oliveira.São Paulo: Nacional, 1976.
VAN DIJK, T. Texto y contexto - semántica y pragmática
del discuso. Madrid: Ediciones
Catédra, 1977.
VAN DIJK, T. La ciencia del texto. Barcelona:
Paidós, 1983.
LÍNGUA MATERNA:
PERSPECTIVAS PARA UM ENSINO MULTIDIMENSIONAL
Nancy dos Santos CASAGRANDE[20]
Resumo: O ensino de Língua Materna como Língua Estrangeira tem
se tornado objeto relevante de estudos nas instâncias acadêmicas. Nesse
sentido, nossa pesquisa está voltada para possíveis perspectivas metodológicas
que venham proporcionar um estudo mais aprofundado e eficiente de Língua
Materna para falantes de outras línguas, principalmente da América Latina.
À luz da Lingüística, Sociolingüística e
Psicolingüística apresentaremos, em primeira instância, um panorama histórico
das metodologias adotadas para o ensino de Língua Materna, enquanto Língua
Estrangeira.
O ensino de Língua Estrangeira (LE) tem
sido alvo de muitas discussões entre os cientistas, entretanto é importante
sabermos que elas não datam de hoje, uma vez que tiveram início, na década de
50, as preocupações com uma metodologia adequada que possibilitasse ao
indivíduo a aquisição de uma segunda língua.
Antes, porém, traçar-se-á, aqui, um breve
histórico desse percurso que teve suas origens, na Europa, no século XVIII, a
partir da utilização de um método tradicional cuja função era a de ensinar a
Língua Materna (LM).
Fundamentado no método de estudos do Latim
e do Grego, o ensino baseava-se, principalmente, no binômio literatura-cultura
que era complementado com as regras gramaticais aplicadas a um determinado
texto de cunho literário.
É, contudo no século XIX, que o chamado
método tradicional foi instituído, destinado ao estudo de LE, com a publicação
de manuais de Francês e Inglês para alemães. Torna-se necessário enfatizar,
ainda, que, além de privilegiar o texto literário, tal método considerava
importante, para o aprendizado da língua, a produção escrita, pois assim como a
LM, a LE era ensinada de maneira pouco significativa, já que sua aprendizagem
se dava por meio de lições de gramática e traduções, de memorização e de listas
de palavras, atribuindo à LM um valor indiscutível.
Assim, podemos dizer que durante a
vigência do método tradicional -final do século XVIII até início do século XX-
houve semelhanças entre os ensinos de LM e de LE no contexto escolar, já que o
texto base e o quadro teórico de referências eram os mesmos utilizados em ambos
os processos. Além disso, as duas línguas entravam em contacto na aula de LE
pelo recurso à LM, pela realização de exercícios de tradução e pela comparação
feita entre as mesmas. Podemos perceber, então, que à escrita é dada uma grande
importância, pois segundo Frias (1992) “em
ambos os ensinos (...) os textos apresentados aos alunos são textos literários,
modelos de grandes autores e grande parte das atividades das aulas são
escritas”.
Quanto ao ensino de gramática, este se
fundamentava na gramática greco-latina e, aos professores de LE cabia a função
de utilizar a LM como referencial no estudo de segunda língua, colocando-as, a
todo momento, em confronto.
É, no entanto, à tradução que as relações
LM-LE se estabeleciam mais fortemente, pois, através da explicação do
vocabulário e da prática da tradução, os alunos utilizavam dicionários
bilíngües e adquiriam longas listas de palavras equivalentes que deveriam ser
decoradas.
Nesse sentido, podemos perceber, então,
que a aprendizagem da LE estava, basicamente, centralizada em exercícios de
tradução que visavam a sua compreensão ao mesmo tempo em que funcionavam como
expressão da LM. É necessário ressaltar, novamente, que tal metodologia tinha
na literatura sua aplicação maior, já que os alunos recorriam ao texto
literário produzido em LM e o traduziam para LE.
Desse modo, convém observar que o método
tradicional, cuja origem remonta à metodologia tradicional, utilizada no ensino
de línguas mortas (grego e latim), só assim se institucionalizou devido à “ausência de tradição do ensino de LE e à
falta de formação do pessoal docente, totalmente improvisado no início que
tenderia a reproduzir na sua prática, as orientações que tinham presidido à sua
própria formação.” (Frias, 1992), no entanto, esse paradigma clássico
deixará de ser utilizado quando é inserida na escola a vontade de harmonizar o
ensino escolar da LE com o modelo educativo das Humanidades.
Assim, instaura-se a discussão que põe em
jogo a eficácia e a diferença dos problemas existentes no ensino de línguas
(maternas ou estrangeiras) destinado à educação de massa das do ensino dirigido
a um seleto grupo de pessoas culturalmente diferenciadas. Vinha à tona o papel
do professor, que, por sua vez, não conseguia responder às inúmeras perguntas
que ele mesmo levantava ou que lhe eram feitas, pois, a partir de então, o
método tradicional deu lugar à preocupação com a língua falada e “mesmo a escrita já não obedece aos
critérios a que o paradigma clássico dava exclusiva importância”. (Frias,
1992).
Nesse aspecto, cai por terra o receituário pedagógico clássico e a
aplicação da gramática tradicional como modelo de outras línguas foi
questionada ao revelar inadequações decorrentes das diferenças entre os
sistemas lingüísticos.
Assim, é possível afirmar que o papel da
LM na aula de LE necessitava ser revisto a fim de que esta se tornasse,
efetivamente, uma língua de comunicação.
No início do século XX, ocorreu,
finalmente, uma ruptura no tocante à metodologia destinada ao ensino de LE,
pois devido ao contexto sócio-histórico-político-econômico, novos parâmetros de
ensino deram origem a novas discussões, tanto no que se referia ao ensino de LM
quanto ao de LE.
Tinha origem, então, o “método natural”
que, em oposição ao tradicional, privilegiava a aquisição natural das línguas,
enfatizando, ainda, as manifestações orais bem como o acesso direto ao código
estrangeiro.
A grande ruptura se dá, nesse caso, quando
da preocupação com o ensino de LE em não ser mais mera reprodução e sim
significativo sem interferências da LM, procurando “um contacto sem intermediário entre LE e as realidades referenciais
para o que coloca o aluno num ‘banho de língua’ e procura reproduzir na aula as
condições de aquisição tão ‘naturais’ quanto possíveis”. (Frias, 1992).
A partir daí, acentua-se, ainda mais, a
ênfase ao aspecto oral da língua e o aluno deverá chegar à compreensão dos
enunciados sem traduzi-los, mas apenas pelo contexto em que estão inseridos.
Em meados do século XX, a Europa,
representada aqui pela França, adotou o “método ativo” que vigorou até 1969 e
se caracterizou pela presença da herança tradicional e da herança direta,
priorizando tanto os textos literários, enquanto base, quanto as traduções
mínimas como verificação oral.
Assim, Carrol e Moulton (in Grève &
Passel, 1975) reafirmaram alguns princípios que poderiam, então, nortear o
aprendizado de LE. Eram eles: a apresentação de elementos lingüísticos em sua
forma oral, antecedendo a forma escrita, a criação de hábitos ou automatismos
sintáticos, fonéticos e melódicos, a aplicação de exercícios relacionados à
aquisição de automatismos estruturais da “língua-objetivo” e a criação de
situações lingüísticas reais e autênticas.
Face a isso, novas concepções renovaram a
reflexão e a prática de LE, originando, a partir da década de 50, os métodos
que conhecemos: a metodologia audio-oral ou audiolingual e a metodologia
audiovisual, sendo que a primeira teve suas origens nos EUA, enquanto que a
segunda nasceu na Europa.
É nesse contexto que se delineia o ensino
de LE até a década de 60, época de grande desenvolvimento lingüístico à luz da
Lingüística Aplicada, quando surgem os primeiros questionamentos acerca dos
métodos oral ou audiolingual e da metodologia audiovisual, que passam a ser
encarados como uma maneira mecânica de aprendizagem.
O mesmo ocorre nas décadas de 70-80,
quando uma enorme quantidade de pesquisas nas diversas áreas vêm questionar a
instituição escolar e, sobretudo, o ensino tradicional da LM, revendo o espaço
ocupado pela gramática, o papel do professor e o jogo de interação na sala de
aula.
Num momento em que novos paradigmas
educacionais se instauram, o espaço da LM é revisto na aprendizagem da LE, pois
nesse âmbito, aquela tem seu papel garantido e valorizado no processo de
aquisição da LE cujo caráter, agora, é utilitário.
BIBLIOGRAFIA
FRIAS, M. J. Língua materna-língua estrangeira uma
relação multidimensional. Porto: Porto Editora, 1992.
GRÈVE, M. de & PASSEL,
F. Van. Lingüística e ensino de línguas
estrangeiras. São Paulo: Pioneira, 1975.
HALLIDAY, M. A. K.
et alii. As ciências lingüísticas e o
ensino de línguas.Petrópolis: Vozes, 1974.
[1] UNESP - FCL Assis -
Graduando.
[2] UBIALI, N.A. Luís Canelo de Noronha, poeta novilatino, no contexto do corpus da
Academia Brasílica dos Esquecidos. (Tese de Doutorado em
Letras). Assis: Faculdade de Ciências e Letras de Assis, 1990. v.1, p. 78-164.
[3] AMORA, S. História da literatura brasileira. (séc. XVI-XX). 5.ed. rev., ampl. São Paulo:
Saraiva, 1965. p.42-43.
[4] RAMOS, P.E.S. Poesia barroca. Antologia. São Paulo: Melhoramentos, 1967. p.90.
[5] RAMOS, P. E. S. Poesia barroca.
[6] UFMS - Campo Grande -
Pós-Graduação.
[7] Há vários tipos de textos
verbais e não verbais. Queremos destacar que este trabalho de pesquisa irá se
pautar nos textos verbais escritos.
[8] Como Calil (1994) e Kato
(1990).
[9] Leitura como decodificação,
leitura como estudo da gramática, leitura como introdução às diferentes
disciplinas, etc.
[10] (Freire 1982; Silva, 1984-a
e b; Gomes sd; Geraldi 1985, Pondé 1984; Melo 1983; Zilberman 1985) Apud
SUASSUNA. O Ensino de Língua Portuguesa:
uma abordagem pragmática. Campinas-SP: Papirus, 1995, p. 149.
[11] USP - FFLCH - Pós-Graduando.
[12] SOUSA, C.H.M.R. de. Imagologia Comparada. Memeo cedido pela
autora.
[13]AZENHA JR., João - “A história do mago Merlin”: comunicação e
intertextualidade numa tradução narrativa. Dissertação de mestrado. São
Paulo, FFLCH/USP [s.d.] pp. 79-80.
[14] DYSERINCK, Hugo — Zum Problem der Images und Mirages und ihrer
Untersuchung im Rahmen der vergleichender Literaturwissenschaft. In: Arcadia. Amsterdam, Castrum Peregrini
Presse, 1: 107-20.
[15] UNESP - FCL Assis -
Pós-Graduanda.
[16] “Engajados desta maneira
neste processo do Cristo que durará até o fim dos tempos, podemos à luz do
Espírito, compreender nossa atitude em função daquela dos contemporâneos de
Jesus; em relação a nós, estes fazem o papel de “categorias” de “tipos”: é a
nós mesmos que, através deles, se endereça o ensinamento de Jesus.”LÉON-DUFOUR,
Xavier. Os Evangelhos e a História
de Jesus. Trad. Ângelo José Bernardo. São Paulo. Edições Paulinas.
1972. p.130
[17] USP - Pós-Graduanda.
[18] UNESP - FCL Assis -
Pós-Graduanda.
[19] PUC - Pós-Graduanda.
[20] PUC - São Paulo -
Pós-Graduanda.