OS MARCADORES
DISCURSIVOS AGORA E ENTÃO,
NO PORTUGUÊS FALADO: DUAS ORIENTAÇÕES ARGUMENTATIVAS EM CONFRONTO
Mercedes Sanfelice RISSO[1]
RESUMO: Entre as várias particularidades da função
articuladora dos Marcadores agora e então, no texto falado, destaca-se a
diferença de orientação argumentativa com que relacionam instâncias da
seqüência informacional, numa direção de
re-ordenação ou de linearidade
expositivo-argumental.
Essa diferença de orientação é vista como projeção, no domínio discursivo, das propriedades dêiticas prospectiva / retroativa dos correspondentes itens adverbiais, evocadas pelos Marcadores.
O objetivo desta exposição é examinar as unidades agora e então, em sua condição particular de Marcadores Discursivos (como em 1. e 2.), diferenciada do estatuto de advérbios temporais assumido pelas mesmas formas, na expressão de uma concomitância com o momento da enunciação (3.) ou com um passado previamente inscrito no enunciado (4.).
1. L1 - (...) ela se realiza um pouquinho como artista...
no piano... não é? Agora :: o Luís... o de
seis anos
L2 - ahn ahn
L1 - ele :: desde pequenino ele é ((vozes ininteligíveis))
desde pequeno o Luís gosta... da história do
homem ...
(NURC-D2-SP-360, l. 1415-1420)[2]
2. Inf. - ... bem ... uma última coisa que eu gostaria
de dizer é o fato de que nessa época ainda não
existe preocupação com composição ... o que a gente
encontra são desenhos ... individuais ... então nós
vamos terminar aqui hoje ... e a aula que vem com
a ajuda dos slides ... se as cortinas chegarem estiverem
instaladas ... vocês vão poder perceber ... tudo isso (do) que a
gente está falando ...
(NURC-EF-SP-405,
l. 400-409)
3. L1 - agora ele está com seis anos ... e ele aprendeu
a ler ... então ... ele lastima não ter e :: aprendi-
do antes a ler ...
(NURC-D2-SP-360, l. 1438-1439)
4. A Kroll atuou na CPI do Collorgate, em 1992, que culminou com o impeachment do então presidente Collor.
(Folha de S.Paulo, 21/04/97, 1.1)
Essa delimitação do objetivo de análise, com foco nos Marcadores (M.), situa automaticamente a presente abordagem fora do escopo da sentença — onde os advérbios costumam atuar como elementos adjuntos de constituintes ou do enunciado sentencial como um todo — e dentro do domínio das relações textuais-interativas. É, com efeito, neste domínio, que os M. definem sua participação, como mecanismos verbais da enunciação envolvidos simultameamente no amarramento textual das porções de informação progressivamente liberadas ao longo da fala e no encaminhamento de perspectivas do falante em relação ao assunto e ao interlocutor.
Dentro dessa função geral de articulação entre partes do texto falado imbricada na expressão de relações interpessoais, destaca-se uma particularidade básica que diferencia entre si os dois M.. Essa particularidade, que aqui será objeto de consideração, está relacionada à qualidade de orientação argumentativa com que um e outro M. aparece intermediando o desdobramento de aspectos informacionais novos dentro da unidade tópica[3], ou, para além dela, no âmbito da estruturação intertópica.
Através de uma rápida amostragem, procuraremos caracterizar a atuação dos dois M., na sinalização de perspectivas diferentes de encaminhamento da informação que está sendo apresentada[4]:
5. L2 o menino detesta
escola... então::...ele acor::da...e te pergunta do quarto
dele se tem aula... se TEM Aula (ele diz) “DROga estou com
sono quero dormir eu tenho dor disso dor daquilo” ... agora
dias que não tem aula ele pergunta e a resposta é negativa aí
então ele diz para a irmã... “levanta que hoje não tem aula
podemos brincar” (risos) aí
levan::tam
[
L1 (ótimo)
L2 é tudo sem problema
L1 ahn
L2 isso com cinco anos hein calcula o que que me espera mais
tarde ((risos))... (quer dizer o que espera por ele)...
que a alternativa que a gente dá para ele é se não quiser ir à
escola então vai trabalhar... mas trabalhar o dia inteiro... que
é como o pai
L1 coitado cinco anos
[
L2 é
L1 e já... colocado assim nessa alternativa não?
[
L2 porque:: já
pensou que que eu vou dizer para ele se ele não for eu não sei
realmente eu chego na eu fico:: indecisa... porque acho
muito cedo para impor mas também se ele aprender a que di-
zendo que não quer ir não vai... eu estou criando um prece-
dente muito sério...
L1 agora talvez ele goste de ficar na cama até mais tarde...
não seria conveniente mudá-lo de período escolar?
(NURC-D2-SP-360, l. 338-364)
O tópico em destaque, na passagem transcrita, é a rejeição que o filho de L2 tem pela escola. A primeira ocorrência de agora promove uma ligação local, entre segmentos intratópicos, que registram atitudes diversificadas do menino, de acordo com a variação das circunstâncias associadas à vida escolar, dentro do seguinte esquema:
A B
dias de aula dias sem aula
¯ ¯
reação: ter sono, querer dormir até agora reação: levantar cedo para
tarde, fazer-se de doente brincar com a irmã
A interposição do M. é o primeiro sinal antecipador do encaminhamento subseqüente da informação numa direção levemente contrastiva, definida pelo confronto de comportamentos diferenciados que, em conjunto, permitem evidenciar a resistência do garoto à escola.
Diferentemente dessa primeira ocorrência, que atua no plano intratópico e no curso da fala de uma mesma locutora (L2), a segunda ocorrência de agora, na parte final do trecho transcrito, envolve ao mesmo tempo uma alteração de tópico, de locutora, de modo discursivo e de ponto de vista.
A partir do M., presente nesse ponto, o fluxo informacional transita para um novo conjunto de referentes: a centração deixa de estar no tópico da rejeição do filho de L2 pela escola, e começa a direcionar-se para a questão da escolha do período escolar; esse novo tópico, esboçado aqui apenas em sua parte introdutória, ganha extensão considerável no texto original.
A transição para outro tópico, encabeçada pelo M., corresponde à manifestação de um ponto de vista diferente a respeito das atitudes do menino. O tom sugestivo (talvez ele goste de ficar na cama até mais tarde ...), preparatório da pergunta lançada logo a seguir (não seria conveniente mudá-lo de período escolar?), constitui um modo discursivo contrastante com o que vinha em curso e associa o comportamento do menino não com a malandragem (visão anterior, de L2), mas com uma possível inadequação da escolha do período escolar (visão de L1). Assim ancorado no jogo da interação e anunciando uma manifestação discordante de L1 com relação à avaliação precedente da interlocutora, o M. de articulação intertópica acumula propriedades pragmáticas típicas de um conector contra-argumentativo. (cf. ROULET et alii, 1985).
Esses dois dados, embora sejam apenas uma amostra da funcionalidade do M. agora, servem como base para acusar a sua natureza essencialmente prospectiva. A prospecção se deve à propriedade que tem agora de fazer avançar o discurso para uma situação sempre nova, com força de ressalva, contraposição, reordenação de enfoque, desacordo, relativamente a uma situação já posta dentro do mesmo tópico, ou no tópico anterior. Como comenta SCHIFFRIN (1987), agora tem um foco catafórico que direciona a atenção sobre aquilo que o falante está para dizer, ainda que seu pronunciamento tenha como referente a informação dada em um ponto anterior da fala (p. 241).
É essa qualidade proativa de agora que explica a tendência para a ausência desse M. no fecho de unidades tópicas, e sua presença marcante na abertura de tópicos articulados entre si — sobretudo quando se constituem seqüências de teor comparativo, como aquela em que L1 discorre sobre as tendências vocacionais de cada um de seus seis filhos, parcialmente ilustrada na passagem 1., do início desta apresentação.
Contrapondo-se a essa natureza catafórica de orientação, típica de agora, entra em cena o M. então, cuja identidade básica está no teor fortemente retrospectivo de sua sinalização.
Com efeito, então se define por uma constante ancoragem em instância preliminar do discurso, para daí depreender o rumo da sucessão dos eventos e argumentos dados mais à frente. Essa particularidade, de cunho basicamente anafórico, cria, com respeito à informação a ser introduzida, um efeito de previsibilidade: a expectativa que automaticamente aparece, a partir da instalação desse M., é de algo novo a ser posto no discurso, em continuidade ou consonância com o que já é dado, sempre na mesma linha sucedânea de argumentação antes delineada.
Reportando-nos à passagem (5.) transcrita, fica evidente esse teor de previsibilidade, na relação que então aí estabelece, em suas duas ocorrências como M..
Na primeira delas, observa-se a presença de então intermediando uma relação pontualizada dentro do tópico, pela qual uma segunda parte da seqüência informacional (ele acorda e te pergunta, etc, etc) adere à primeira (o menino detesta escola), com orientação tipicamente ilustrativa e confirmadora do fato nesta declarado.
Na segunda ocorrência, pouco mais adiante, a ligação entre os fatos reportados antes e depois do M. é ainda mais estreita: então firma aí a idéia de que a reação do menino (disposição para levantar e brincar) é diretamente motivada pelo fato previamente referido na fala da locutora (resposta de que não é dia de aula).
Um estudo mais detalhado permitiria expor as variações de atuação de então, mobilizando estruturas de retomadas de informações temporariamente interrompidas, ou veiculando articulações de nítida dependência lógico-semântica de decorrência, conclusão ou resultado entre fatos ou argumentos.
Uma dessas variações está associada ao seu freqüente uso como fecho de unidades tópicas, em feitio de síntese retrospectiva ou arremate natural das idéias expostas, sempre em harmonia com a linha sucedânea de argumentação desenvolvida no seu interior.
Esse contexto de ocorrência é brevemente documentado pela passagem 2., do início. Nela, vemos o M. projetando-se retrospectivamente sobre toda a elocução precedente da professora a respeito da arte pré-histórica, estabelecendo-se como um veículo preparador do encerramento formal da aula.
·
· ·
Os elementos aqui expostos sobre a diferença de orientação impressa pelos dois M., na dinâmica das relações textuais-interativas, põem em relevo o foco proativo de agora e retroativo de então, como propriedade básica geral envelopante de todos os seus empregos.
A manifestação dessa propriedade acusa desdobramentos ou projeções, no domínio do texto, de aspectos típicos da indiciação dêitico-anafórica das correspondentes formas adverbiais.
Com efeito, o modo de significação de teor indicativo do advérbio temporal agora, visível em 3., atrela a expressão do tempo por ele provida, não diretamente com uma referência bio-objetiva, mas com o momento da enunciação. Define, assim, o enquadramento cronológico do evento narrado por sua relação de contemporaneidade com o ato concreto de produção discursiva.
Em seu uso como M., agora também estabelece uma relação indicial de concomitância entre a instância da fala em curso e um “evento” referenciado. Mas esse “evento”, no caso, é interno ao próprio discurso, ou, antes, é o evento discursivo em si próprio. Nesse sentido, pode-se afirmar que a indicação “temporal”, contida no M., está em estabelecer a atualidade de um segmento a se instalar no curso da fala, relativamente a outro que acaba de ser manifesto, e em materializar, com isso, internamente e duplamente a própria enunciação. Perde-se, portanto, a referência temporal do advérbio, ou seja, o elo com um fato ou acontecimento cronologicamente enquadrado por sua relação de contemporaneidade com a instância enunciativa. Mantém-se por outro lado, na significação do M., o estrato dêitico de uma referência temporal, estritamente interna ao episódio discursivo.
Nessa referência interna, assim disposta, o seu foco é catafórico, pontualizador do que está para ser dito mais à frente e sinalizador de que uma nova orientação informativo-argumentativa se inscreve, mudando de alguma forma o rumo da seqüência discursiva anterior. Essa ressonância particular da dêixis no plano das relações textuais-interativas revela que o M. agora, muito mais do que um advérbio vazio, é um instanciador pragmático da enunciação, atuante na organização do fluxo da informação e no estabelecimento da coesão textual.
Quanto a então, sua invariável ancoragem em instância tópica preliminar do texto, viabilizando a continuidade deste sempre em perfeita consonância com uma seqüência informacional já posta, remonta ao item adverbial — este, por sua vez, semanticamente estabelecido como unidade mostrativa anafórica, referenciadora de um passado inscrito em instância anterior do enunciado.
A análise do comportamento dos dêiticos adverbiais anafórico-catafóricos constitui, dessa forma, um campo extraordinariamente fértil para a investigação de fenômenos da estruturação textual-interativa e, portanto, para o tratamento de questões gramaticais que transcendem o âmbito da frase.
BIBLIOGRAFIA
CASTILHO, A. T. de e PRETI, D. (orgs.). A Linguagem Falada Culta na Cidade de São Paulo. São Paulo: T. A. Queiroz, 1986, Vol. I - Elocuções formais.
__________. A Linguagem Falada Culta na Cidade de São Paulo. São Paulo: T. A. Queiroz/FAPESP, 1987, Vol. II - Diálogos entre dois informantes.
JUBRAN, C.C.A.S., URBANO, H. et alii. Organização Tópica da Conversação. In: ILARI, R. (org.) - Gramática do Português Falado. vol. II. Campinas: UNICAMP, 1992.
RISSO, M. S. Agora... o que eu acho é o seguinte: um aspecto da articulação do discurso no português culto falado”. In: CASTILHO, A. T. de (org.) Gramática do Português Falado. Campinas: São Paulo: UNICAMP/FAPESP, 1993, vol. III.
__________. O articulador discursivo então. In: CASTILHO, A. T. de e BASÍLIO, M. (orgs.) Gramática do Português Falado. Campinas: São Paulo: UNICAMP/FAPESP, 1996, vol. IV.
ROULET, E. et alii. L’articulation du discours en français contemporain. Berna: Peter Lang, 1985.
SCHIFFRIN, D. Discourse Markers. Cambridge: Cambridge University Press, 1987.
ASPECTOS ESTRUTURAIS DO GÊNERO PARABÓLICO NA
PARÁBOLA DO FARISEU E DO PUBLICANO.
Marco Antônio Domingues SANT’ANNA[5]
Resumo: Diante da insuficiência dos
estudos teóricos sobre o gênero da parábola, o presente trabalho visa a
apresentar alguns traços estruturais que auxiliam na formulação de um conceito
sobre essa forma literária. Tal apresentação será realizada a partir da exposição
de uma das muitas ocorrências do gênero no texto bíblico neo-testamentário que,
na verdade, tem-se constituído como referência para a consagração da modalidade
parabólica: “A parábola do fariseu e do publicano”.
Da pesquisa sobre a conceituação da parábola como um gênero literário, o que se pode declarar inicialmente é que, especialmente em língua portuguesa, o material bibliográfico é bastante limitado. Várias das obras de teoria literária em que se buscou um conceito sobre o gênero nem sequer traziam alistado o verbete. Mesmo aquelas em que se pôde encontrar algo a respeito se mostraram um tanto quanto lacônicas na apresentação do conteúdo pesquisado. Contudo, para o estabelecimento de um confronto, passaremos primeiramente a elencar as várias definições encontradas e, a partir daí, procurar analisar as características gerais da parábola.
Iniciaremos com a definição de Augusto J.S. Magne, em Princípios elementares de literatura (MAGNE, 1935), em que se tem o seguinte:
parábola é uma breve narração
alegórica, de tendência moral. Difere do conto apenas por ter extensão menor.
Segundo o Dicionário de Termos Literários (MOISÉS, 1985), de Massaud Moisés, no verbete "parábola" se lê:
do grego parabolé, comparação,
alegoria. Narrativa curta, não raro identificada como o apólogo e a fábula, em
razão da moral explícita ou implícita que encerra e da sua estrutura dramática.
Todavia, distingue-se das outras duas formas literárias pelo fato de ser
protagonizada por seres humanos. Vizinha da alegoria, a parábola comunica uma
lição ética por vias indiretas ou símbolos. Numa prosa altamente metafórica e
hermética, veicula-se um saber apenas acessível aos iniciados. Conquanto se
possam arrolar exemplos profanos, a parábola semelha exclusiva da Bíblia, onde
são encontradas em abundância: O Filho Pródigo, A Ovelha Perdida, O Bom
Samaritano, O Lázaro e o Rico, etc..
Sebastião Cherubim, no Dicionário de Figuras de Linguagem (CHERUBIM, 1989), utiliza a mesma definição apresentada por Massaud Moisés, conforme citado acima. Já Afrânio Coutinho, na Enciclopédia da Literatura Brasileira (COUTINHO, 1989), oferece a seguinte definição:
narrativa literária curta,
destinada a veicular princípios morais, religiosos ou verdades gerais, mediante
comparação com acontecimentos correntes, ilustrativos, usando seres humanos. É
assim relacionada à fábula e à alegoria. Exemplos clássicos estão na Bíblia,
como a Parábola do Filho Pródigo e a do Bom Samaritano.
Por sua vez, Hênio Tavares, em Teoria Literária (TAVARES, s/d) apresenta também sua definição:
parábola é uma narrativa curta de
sentido alegórico e moral. Nas parábolas não entram os animais, essencialmente
falando, como nas fábulas, nem os seres inanimados, como nos apólogos. Entram
apenas acidentalmente, pois a medida direta da parábola é o homem e sua
destinação transcendente. Nas fábulas e apólogos os bichos e as coisas
referem-se indiretamente aos homens contendo lições quase sempre críticas e
satíricas. Nas parábolas, os ensinamentos procuram ser mais profundos e menos
pragmáticos como nas duas outras espécies alegóricas. Melhores exemplos de
parábolas não encontramos do que as que deixou Jesus no Novo Testamento, como a
do Filho Pródigo, a do Bom Samaritano, a do Semeador, etc..
Wolfang Kayser, na sua Análise e Interpretação da Obra Literária (KAYSER, 1958), também toca na questão ao observar que
fala-se de parábolas quando todos os
elementos de uma acção, exposta ao leitor, se referem, ao mesmo tempo, a uma
outra série de objetos e processos. A clara compreensão da acção do primeiro
plano elucida, por comparação, sobre a maneira de ser da outra. A rigidez na
construção duma parábola provém da intenção didática. Os exemplos mais
conhecidos são as parábolas da Bíblia ("O reino dos céus é como um
semeador..."). Como "parábola, num sentido mais restrito, entende-se
uma forma literária que, no todo, contém uma comparação. No fundo, a fábula, é
uma forma especial de parábola.
Fazendo-se, pois, um confronto entre os conceitos apresentados, pode-se observar claramente alguns pontos comuns. O mais aparente deles, indiscutivelmente, é o fato de todos os autores remeterem ao texto bíblico neo-testamentário para indicarem um exemplo de parábola. Percebe-se que há um consenso de que esse material é o mais exemplar em relação ao gênero e que ele constitui uma referência inalienável sobre o assunto. Esse fato, inclusive, justificou uma pesquisa subseqüente em bibliografia especificamente teológica sobre os conceitos cristãos do discurso parabólico, que segue apresentada ainda nesta seção do trabalho.
Um outro aspecto que parece se apresentar como confluente entre as definições acima mencionadas é o de a parábola constituir uma narrativa. Em todas as citações a palavra aparece explicitamente, com exceção da de Wolfgang Kayser que fala de "elementos de uma acção", o que, por sua vez, não deixa de pressupor uma narrativa. Sendo assim, essencialmente falando, a parábola envolve um processo narrativo, imagina-se, com suas características particulares.
Poderíamos a esta altura observar o tratamento dos personagens, na narrativa do fariseu e do publicano.
Em primeiro lugar, verifica-se a não indicação de nomes das personagens. Em seguida, passa-se à sua caracterização, que, por sinal, não atenta para aspectos físicos e mesmo a psicológica só pode ser inferida através dos discursos das personagens.
Em resumo, quanto ao fariseu, a sua postura, o seu afastamento físico dos outros adoradores, o conteúdo da sua oração, tudo contribui para a configuração de um tipo humano orgulhoso, preconceituoso e auto-suficiente. Por sua vez, ao contrário, o publicano, também pela sua postuta, pela sua oração, pelos motivos que o levaram a se manter afastados dos demais, revela-se um homem consciente de suas limitações, que aceita seus fracassos e que, diante da divindade, clama por misericórdia.
Isto posto, podemos verificar que nesta parábola (e, sabidamente, em outras também) as personagens são tipificadas.
Entretanto, o aspecto das particularidades não foi explorado detidamente por nenhum dos teóricos em que o verbete apareceu, talvez pela própria natureza das obras pesquisadas. Todavia, como de qualquer maneira não há nenhuma outra bibliografia em língua portuguesa que desenvolva minimamente esse aspecto constitutivo do discurso parabólico, o fato constitui uma lacuna teórica que exigiria uma reflexão mais vertical para concluir em que moldes essas características essenciais da narrativa aparecem concretamente no texto da parábola. Questões como as que interrogam, por exemplo, sobre o tratamento dispensado ao fator tempo da ação, ou, ainda, sobre a própria natureza dessa ação e, talvez, outras mais, ainda aguardam por reflexões mais extensivas.
Também com exceção de Wolfgang Kayser, todos os outros autores a que se recorreu, para trabalhar com conceitos gerais da parábola, são unânimes em, pelo menos, apontar alguns indícios de traços característicos da narrativa parabólica: primeiramente, mostram que ela é curta, breve, chegando Augusto J.S.Magne a declarar que a diferença entre a parábola e o conto reside apenas no fato de a primeira ser de extensão menor. Obviamente, tal declaração poderia ser questionada em termos gerais, especialmente se se tratasse de discutir o aspecto das funções da parábola e do conto que possivelmente se apresentariam com objetivos diferenciados entre si. Entretanto, por outro lado, como já foi mencionado neste trabalho, Aurélio Buarque de Holanda Ferreira e Paulo Rónai, em Mar de Histórias - Antologia do Conto Mundial, apresentam a parábola como uma "influência decisiva em toda a evolução do conto"[6]. Sendo assim, se estabelece de fato uma relação íntima entre o conto e a parábola. Contudo, como o foco, neste ponto, incide sobre o aspecto da extensão da narrativa da parábola, nos limitaremos a mostrar que ela, consensualmente, é considerada uma narrativa curta. Por exemplo, a parábola em questão apresenta 107 vocábulos, contando com os dêiticos, preposição, artigos e outros.
Esse dado, por sua vez, sugere algumas questões que poderiam ser tratadas em outro momento como a que elabora sobre a possibilidade de haver alguma razão identificável para o discurso parabólico, dentre os vários tipos de narrativa, se apresentar com essa característica de ser curto.
Outro aspecto que reclama nossa atenção no confronto dos vários conceitos de parábola já apresentados é o das relações que esse tipo de narrativa mantém com a alegoria. No dizer literal de Massaud Moisés, ela é "vizinha da alegoria" e é também "altamente metafórica". Augusto Magne fala de "narração alegórica" e Hênio Tavares de "narrativa de sentido alegórico". Sem usar explicitamente o vocábulo, Afrânio Coutinho declara que a parábola exerce suas funções "mediante comparação com acontecimentos correntes, ilustrativos..." o que, em última análise, constitui alegoria. Mais adiante, contudo, ele o diz de maneira desvelada, relacionando a parábola, de maneira direta, à alegoria. Nessa linha, Wolfgang Kayser apresenta a expressão "acção do primeiro plano", sugerindo a existência de uma outra ação que seria a do segundo plano. Segundo o teórico, a ação do primeiro plano, através de um processo comparativo, elucida a ação do segundo. Tal comportamento literário descrito por Kayser se apresenta, pois, como alegórico. O que há que se destacar primeiramente é o fato de a narrativa como um todo ser alegórica e não apenas um ou outro vocábulo ou uma ou outra expressão. O conjunto todo constitui a alegoria. De maneira bem cristalina, Kayser observa que "quando todos os elementos de uma acção, exposta ao leitor, se referem, ao mesmo tempo, a uma outra série de objectos e processos" pode-se falar de parábolas. Ligado a essa questão da alegoria, pode-se refletir, mesmo que rapidamente, sobre o hermetismo dessas construções, fator, inclusive, já apontado objetivamente - ainda que sem maiores explicações - por Massaud Moisés em suas considerações. O citado autor chega a declarar que, devido a esse elemento, o saber veiculado através da parábola é acessível apenas a um grupo de iniciados. Por outro lado, Afrânio Coutinho esclarece que a alegoria é construída através do uso de acontecimentos correntes que se tornam ilustrativos da verdade que, porventura, se queira veicular. Desta maneira, pode-se perceber que o hermetismo de que fala Massaud é relativo, pois, pensando-se num público original, os "acontecimentos correntes" mencionados por Coutinho esclarecem sobre o conhecimento e a atualidade dos fatos da ação mencionados na parábola. O dito hermetismo pode existir, sim, em relação a um leitor distanciado tanto temporal quanto espacialmente do contexto original em que se produziu a parábola.
Mais uma vez o dado em si de uma característica da narrativa parabólica - desta vez o de constituir uma alegoria - pode sugerir pelo menos uma questão decorrente como a da possibilidade de existir um motivo específico de se comunicar uma mensagem através de alegoria e não de uma maneira mais objetiva e direta. Entretanto, como o propósito de apenas estabelecer um confronto entre dadas definições de parábola, deixaremos mais esta indagação em suspenso.
Outro elemento que se destaca nas definições dos autores é o da função da parábola de veicular princípios morais e religiosos. Um dado que confirma essa observação é, por um lado, o de todos os teóricos declararem que os melhores ou, pelo menos, os mais conhecidos exemplos de parábolas encontram-se na Bíblia e, por outro, de fazerem uma certa identificação entre a parábola e a fábula e o apólogo que, consensualmente, sempre apresentam uma lição de moral. Todavia, há que se esclarecer, em toda vez que ocorre tal identificação entre parábola e fábula e apólogo, faz-se também uma nítida diferenciação entre os gêneros, especificamente no ponto que mostra que a parábola trata basicamente com personagens humanos e a fábula e o apólogo com animais ou seres inanimados. Além disso, observa-se ainda que os ensinamentos das parábolas tendem a ser considerados mais profundos e transcedentais e os das fábulas e apólogos mais pragmáticos, apesar deles todos, em última análise, terem como alvo maior o próprio ser humano.
Deste confronto, uma possível conclusão de caráter mais geral é a que aponta para uma quase repetitividade de características das parábolas o que, de alguma forma, traduz, para um pesquisador, um certo consenso entre os estudiosos. Deste grupo, em cujas obras puderam ser encontradas as definições sobre as quais teceram-se alguns comentários, é em Massaud Moisés que se pode perceber pelo menos um traço distintivo que não apareceu nos outros autores: o da parábola apresentar uma estrutura dramática. Essa declaração sugere a existência de uma certa tensão na narrativa, uma estratégia que, por sua vez, talvez pudesse pressupor uma intenção de se obter um envolvimento maior do público-alvo na estória narrada. Esse aspecto somado aos elementos já depreendidos tais como o estabelecimento de um identificável processo narrativo, caracterizado por uma extensão curta, de natureza alegórica que, de alguma forma, apresenta traços constitutivos da fábula e do apólogo, que têm uma caráter didático, fazem da parábola um gênero atraente e que parece alcançar seus propósitos elementares.
Todavia, apresentam-se ainda como relevantes e inéditos os esclarecimentos prestados por Northrop Frye em relação às características gerais da parábola, no quarto ensaio, “Crítica Retórica: Teoria dos Gêneros”, de sua obra Anatomia da Crítica[7]. O citado autor aponta a parábola, juntamente com a fábula, como sendo expressões formais de épos. Segundo a definição trazida pelo próprio glossário anexado à obra de Frye, épos “é um gênero literário no qual o fundamento da apresentação é o autor ou menestrel como recitante oral, com um público diante dele, a ouvi-lo.”[8] Nesse sentido, há um encaixamento perfeito da parábola, pois, na sua versão original, ela possuía uma audiência visível. Inclusive, o autor apresenta uma análise que sugere um certo deslocamento da obra de Dickens do pólo da ficção para o pólo do épos, apontando como causa desse deslocamento o fato de o autor fazer leituras de suas próprias obras para um público específico. Essa ênfase posta no imediatismo do efeito ante uma audiência visível torna-se, pois, uma característica marcante do gênero épos. Em termos de efeito sobre o seu público, também há uma correspondência direta com a parábola, pois ela apresenta esse fator como uma preocupação básica. Assim, pode-se assumir integralmente essa declaração de Frye de que a parábola é uma forma de épos.
Finalizando, poderíamos, pois, dizer que a parábola constitui uma narrativa que é curta, amimética, alegórica e uma forma de épos.
BIBLIOGRAFIA
CHERUBIM, Sebastião. Dicionário de figuras de linguagem. São Paulo: Pioneira, 1989.
COUTINHO, Afrânio. Enciclopédia de literatura brasileira. Rio de Janeiro: FAE, 1989.
MAGNE, Augusto J. S. Princípios elementares de literatura. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1935.
MOISÉS, Massaud. Dicionário de termos literários. São Paulo: Cultrix, 1985.
A CONCEPÇÃO DE GRAMÁTICA ESCOLAR NO JAPÃO E A
SUA BASE TEÓRICA
Eliza Atsuko TASHIRO[9]
Resumo: Este trabalho faz parte da minha pesquisa sobre a
gramática da língua japonesa elaborada pelo Pe. João Rodrigues (1561-1633).
Numa etapa de minha investigação tive a necessidade de uma teoria gramatical
que me fosse o parâmetro de comparação com aquela seguida pelo Pe. Rodrigues no
tratamento de morfemas gramaticais, denominados joji[10] na
lingüística japonesa. Como os dois manuais elaborados pelo Pe. Rodrigues, a Arte da Lingoa de Iapam (1604/1608) e a Arte Breve da Lingoa Iapoa (1620)
prestaram-se a fins pedagógicos para que os padres jesuítas europeus já
desembarcassem em terras japonesas dominando o idioma, busquei na gramática
escolar japonesa os fatores de comparação.
Nesta apresentação farei uma análise da gramática
escolar japonesa enfocando-a sob dois ângulos: (1) concepção de gramática
escolar no Japão e (2) teoria gramatical onde se baseia a gramática escolar
japonesa.
A maioria das definições dá a gramática escolar como
sinônimo de gramática normativa ou prescritiva, por isso se baseia na distinção de níveis de língua (língua culta, língua
popular, patoás, etc.) e, entre esse níveis, ela define um como língua de
prestígio a imitar.[11] A gramática escolar é denominada de gakkô bunpô no Japão e, segundo o Dicionário de Ensino da Língua Japonesa[12],
Em oposição à
teoria gramatical existe a gramática escolar, utilizada no ensino fundamental.
A estrutura principal dela é uma teoria gramatical específica que é
complementada com idéias e compromissos de ordem pedagógica. Desde a década de
trinta a teoria que constituiu o cerne da gramática escolar tem sido a de
Shinkiti Hashimoto (1882-1945). Apesar das críticas contra a sua teoria, não
existe outra que ultrapasse a concisão da idéia de bunsetsu.
Por fim, o Dicionário de Estudos da Língua Nacional[13] define-a como a gramática elaborada para realizar corretamente a atividade lingüística /.../ que regulamenta o correto ou o incorreto da língua com base num determinado padrão e tem finalidade prática /.../ e realiza-se na educação escolar no aprendizado da língua materna ou da estrangeira.
É importante verificar a orientação existente nas escolas quanto ao ensino da gramática. No manual de orientação de aprendizagem[14] editado pelo ministério da educação do Japão, existe o seguinte texto:
A (disciplina
da) gramática é a aprendizagem do funcionamento da língua visando tornar mais
eficiente o domínio das quatro habilidades lingüísticas. Na escola primária[15]
(a disciplina gramatical) proporciona ao aluno condições de elevar a
consciência de língua e de usá-la corretamente nos vários contextos de uso das
quatro habilidades. Na escola média[16],
deve-se ordenar o aprendizado feito anteriormente, assim como as experiências e
conhecimentos de ordem gramatical. Enfim, na escola superior[17],
os conhecimentos gramaticais serão melhor determinados e se oferecerá ao aluno
instrumentos para a compreensão de textos clássicos, além de possibilitá-lo à
investigação sobre as questões referentes à língua nacional e à grafia.
Vale aqui fazer uma ressalva sobre a língua nacional acima referida. Trata-se de uma tradução de kokugo. Segundo SHIBATA[18], língua nacional é a língua da nação. No caso do Japão, a língua nacional corresponde ao conceito estrito de nação, como Estado politicamente constituído e soberano. Assim, a língua nacional é a única da nação, primeiro porque é a língua que representa essa nação e, segundo, porque no Japão existe apenas uma língua oficial. Se falamos numa língua única da nação e própria dela, ela torna-se a língua padrão ou a norma. É por isso que, em oposição ao dialeto (hôgen), a língua nacional é utilizada como a língua padrão ou o idioma comum.
A pedagogia da gramática não se completa por si. Ela é tida como uma das ramificações do ensino da língua nacional. E este ensino é entendido como o desenvolvimento da habilidade lingüística de falar, ouvir, escrever e ler, além da capacidade de elaborar um pensamento através desta língua. A pedagogia da gramática existe, então, em função do ensino da língua nacional.
A criança, quando atinge a idade escolar, já adquiriu o domínio da gramática mínima de sua língua materna e uma competência lingüística (oral) necessária para a vida cotidiana, obtidos num meio lingüístico natural (da família, dos vizinhos, dos amiguinhos, da pré-escola, etc.). Por isso, ainda fala gramaticalmente errado e tem limitações quanto à expressividade, além de pouca experiência de uso da língua. São comuns erros na pronúncia, o léxico é restrito, a escrita ainda não lhe foi ensinada. Cabe à pedagogia da língua a tarefa de completar tais deficiências, ou seja, a de orientar a criança para uma atividade lingüística mais complexa. A gramática escolar deve contribuir, então, nessa tarefa, verificando os problemas que baseiam a sua capacidade e necessidades lingüísticas.
Dentro de tal perspectiva, a pedagogia da gramática não deve se confundir com a ciência gramatical, assim como o ensino/orientação da pronúncia, do léxico e da escrita não se confundem com as teorias da fonética, da lexicologia e da grafia. Na verdade, é o que mais costuma acontecer.
A teoria da gramática não deveria ser ensinada como um conhecimento sistematizado, mas deveria criar-se uma gramática escolar como uma necessidade do ensino da língua nacional e com características de uma gramática pedagógica. E, a prática da sala de aula costuma oferecer variados problemas que podem ser levados em consideração para elaborar/aperfeiçoar a sistematização da gramática escolar.
NAGANO[19] assinala três requisitos para uma gramática escolar bem sucedida: (1) dominar o processo de aquisição da língua pela criança/aluno; (2) dominar as peculiaridades gramaticais da língua, dentro do âmbito pedagógico; (3) determinar em quais questões da atividade lingüística os conhecimentos gramaticais são funcionais e de que forma.
A gramática japonesa possui muitas e variadas teorias. A finalidade da gramática escolar não é dar conhecimento da teoria gramatical, mas sim fornecer regras corretas da gramática da língua, de modo a melhorar a expressividade e desenvolver a capacidade de compreensão através da língua. Sendo assim, não haveria qualquer problema, uma vez que a gramática da língua é única, embora as teorias sejam várias. No entanto, ao se tentar organizar os conhecimentos referentes à gramática, inegavelmente há necessidade de um modelo teórico a ser seguido. O problema é que todas as teorias explicam de forma sistemática fenômenos complexos da gramática mas, por outro lado, não se pode dizer que qualquer teoria explica todos os fenômenos. Daí, a afirmação de que já que existem diferentes teorias, qualquer uma poderia servir, de algum modo, a fins pedagógicos (NAGANO, 1986, p. 45).
Em realidade, na pedagogia da gramática o problema que a variedade de teorias causa é quanto à classificação de vocábulos. Mas a variedade de teorias de classificação de vocábulos não é empecilho para organizar uma gramática pedagógica, uma vez que o que se levará em questão não será a conveniência do ponto de vista ou da explicação adotados para a classificação.
A gramática escolar japonesa tem seus fundamentos na teoria gramatical de Shinkiti Hashimoto. Prova disso é a presença do termo (e de sua idéia) bunsetsu em qualquer livro didático autorizado pelo ministério da educação. A adoção da teoria de Hashimoto aconteceu a partir do livro Chûtô bunpô (gramática de nível médio) publicada nos anos de 1944 a 1946[20].
Shinkiti Hashimoto é o autor de Kokugohô yôsetsu (“Explanações sobre a gramática da língua nacional”, 1934) no qual expõe sua teoria gramatical. Segundo essa teoria, o bun (frase) é a maior unidade objeto de estudo da gramática e, formalmente, possui a seguinte característica: (1) a frase é uma continuidade de sons; (2) entre uma frase e outra há sempre uma pausa; (3) no final da frase há sempre uma entonação específica. Não se trata de uma definição de frase mas uma constatação do que se obtém ao analisar uma frase. Embora partindo do fator forma, a compreensão não é fácil porque Hashimoto não desenvolve o pensamento a partir de uma definição. Acontece o mesmo quando o teórico trata do bunsetsu.
Watashi-wa / kinô / yûjin-to /
Maruzen-e / hon-wo / kai-ni / ikimashita
A frase acima pode ser dividida em
oito partes mas considerando uma língua de
fato,não pode ser dividida em partes menores. Assim, chamarei
provisoriamente de bunsetsu a menor parte obtida da divisão de uma frase
de uma língua de fato.[21]
É uma definição que dá margem a implicações se não tivesse o exemplo de frase e não se pode saber o que significa língua de fato. Por isso a gramática escolar dá uma explicação mais detalhada, embora não se possa falar ainda em definição propriamente dita:
Numa língua em uso, é a menor parte da frase obtida de uma divisão feita de modo a não comprometer o significado. É a unidade constituinte da frase. Entre um bunsetsu e outro pode-se colocar um ne (morfema gramatical inflexivo).
Hashimoto dá quatro caracterísiticas formais de bunsetsu: (1) é um conjunto de sons o qual se pronuncia sempre nessa ordem sem que haja pausa no seu interior; (2) a relação tonal entre os sons das sílabas que constituem o bunsetsu é fixa; (3) na língua em uso, antes e depois do bunsetsu pode-se colocar uma pausa; (4) um mesmo som pode assumir fonemas diferentes, dependendo da posição que ocupa no bunsetsu.
Nas frase abaixo, o traço inclinado divide a frase em bunsetsu, conforme a teoria de Hashimoto:
Ame-ga / futte / kitayôda. |
Kono / hen / abunaiyo. |
A chuva /chovendo/ parece que veio |
Este / lugar / é perigoso. |
Mas no uso real da língua (oral), pode-se colocar uma pausa entre kita/yôda e o conjunto kono hen é pronunciado continuamente, sem pausa.
Hashimoto afirma, ainda, que bunsetsu é o constituinte imediato da frase.
Watashi-wa / kinô / yûjin-to / Maruzen-e / hon-wo / kai-ni / ikimashita
Na frase acima, a relação entre o bunsetsu-predicado “ikimashita” e os outros bunsetsu não é o mesmo: “hon-wo” concatena-se com “kai-ni” e este conjunto é que se relaciona com “ikimashita”.
Mais tarde, aprofundando sua pesquisa, Hashimoto verifica que entre um bunsetsu e outro há uma ligação de diferentes graus, e cria o termo renbunsetsu. Assim, o bunsetsu, de unidade constituinte da frase, passa a ser a unidade mínima formadora do constituinte da frase (bun-no seibun). Por esta nova colocação, Hashimoto pôde demonstrar que entre um bunsetsu e outro há diferentes formas de concatenação; a formação da frase dá-se através da acumulação e não da simples ordenação de bunsetsu. O exemplo abaixo deve ilustrar melhor.
Shiroku |
/ ôkina |
/ mokusei-ga |
/ mieru. |
Branco |
/ grande |
/ júpiter |
/ posso ver |
Shinkiti Hashimoto elaborou um livro didático da gramática para a escola média: Shinbunten (“Nova gramática”), publicada entre os anos de 1931 e 1939, nas versões nível básico / avançado, língua moderna / língua clássica, além de manuais de uso Kaisei shinbunten bekki, das línguas moderna e clássica. Em nenhum de seus livros didáticos, no entanto, existe a referência ao termo bunsetsu. Isso vem acontecer apenas no livro de gramática Chûtô bunpô - kôgo e Chûto bunpô - bungo, lançado pelo ministério da educação em 1947. A partir de então é que a gramática de Hashimoto passa a ser a gramática escolar. Deve-se, no entanto, ressalvar que foi a teoria do bunsetsu dos primórdios, aquela desenvolvida em Kokugohô yôsetsu, que se tornou a teoria vigente, ignorando as pesquisas posteriores. Isso acabou por reduzir o bunsetsu ao constituinte da frase, ou seja, bunsetsu = constituinte da frase, enquanto que o bunsetsu, na verdade, é formador do constituinte de frase.
BIBLIOGRAFIA
DUBOIS, J. et alii. Dicionário de Lingüística. São Paulo:
Cultrix, 1993, p.435.
HASHIMOTO, S. Kokugohô yôsetsu (Explanações sobre a
gramática da língua nacional).
Kokugogakkai. Kokugogaku Jiten. Tóquio: Tôkyô-dô shuppan, 1994, p. 215.
NAGANO, M. Bunpô kenkyûshi-to bunpô kyôiku
(História das pesquisas gramaticais e pedagogia da gramática). Tóquio: Meiji
shoin, 1991, p. 259.
NAGANO, M. Gakkô bunpô gaisetsu (Introdução à
gramática escolar). Tóquio: Kyôbunsha, 1986, p. 33.
OGAWA, Y. E HAYASHI, D.
(org.). Nihongo Kyôiku Jiten. Tóquio:
Taishûkan, 1982, p. 78.
SHIBATA, T. A
língua japonesa entre as línguas do mundo. In Iwanami Kôsa Nihongo I (Língua Japonesa I). Tóquio: Iwanami shoten,
1992, p. 3 e 4.
A
QUESTÃO DO DIMINUTIVO NO PORTUGUÊS VERNÁCULO DO BRASIL
Mary Francisca do CARENO[22]
Resumo: Silvia Skorge (apud Cunha 1985: 192) observa
que o emprego dos sufixos diminutivos
indica ao leitor ou interlocutor que aquele que fala ou escreve utiliza-se de
um meio estilístico que elide a objetividade sóbria e a severidade da
linguagem, tornando-a mais flexível e amável. Não quer comunicar idéias ou
reflexões, resultantes de profunda meditação, mas o que quer é exprimir de modo
espontâneo e impulsivo, o que sente, o que o comove ou impressiona.
O
presente trabalho objetiva apresentar resultados de análise sobre contextos
onde surgem aspectos formais dos diminutivos, ocorridos na fala de habitantes
da zona rural sul-paulista. O estudo desses elementos formais revela não só uma
dependência sincrônica de significado, como também uma complexa categoria
semântica (dimensão pequena, afeição, gênero feminino, aproximação,
intimidade). Outra constatação foi também a da diminuição no número desses
elementos sufixais nesta modalidade de fala.
INTRODUÇÃO
A complexidade lingüística do português vernáculo falado no Brasil (doravante PVB), representado aqui com exemplos de diminutivos (doravante DIM), revela, em seu uso atual, os empréstimos e as mudanças lingüísticas causados pelo contato entre as línguas que o formaram durante o Brasil colonial e imperial. O intercâmbio linguístico surgido resultou na situação atual de mistura das três línguas, formando de fato não uma ou outra área com específicos elementos lingüísticos, mas um contínuo, dado o seu caráter não uniforme. Em outras palavras, o PVB constitui-se em uma gama de dialetos regionais em cujas extremidades situam-se de um lado a fala urbana padrão utilizada pela classe intelectual em situações formais até o lado mais extremo do espectro que atinge o PVB falado nas situações mais informais em zonas com pouco contato com centros urbanos mais populosos. A linguagem usada por comunidades rurais, com as quais trabalhei, faz parte desse contínuo e ela representa um dado do espectro real desse universo lingüístico.
Esta comunicação tem, pois, como objetivo principal mostrar regras de uso lingüístico dos habitantes de zona rural localizada no Vale do Ribeira, região sudoeste do estado de São Paulo, que apresentam na fala um aspecto constantemente surgido na gramática que rege o PVB, ou seja, a simplificação drástica das formas linguísticas. Uma dessas formas inscreve-se como traço importante do desempenho das línguas: o uso do DIM. Para justificar a escolha do tema, preocupei-me em relacioná-lo aos resultados já obtidos em outras línguas. Todavia, mais que teorizar, este estudo trata de oferecer os resultados concretos do léxico de uma área da geografia lingüística brasileira.
Gramáticos da língua portuguesa, como Rocha Lima (1974:80-3)[23], admitem que o DIM expressa-se ora através do acréscimo do adjetivo ‘pequeno’ ou outro de sentido equivalente (para o DIM analítico) e ora através da adjunção de nove sufixos: -ito, -ulo, -culo,-ote, -ola, -im, -elho, e, sobretudo, -inho e -zinho. (para o DIM sintético). Este último apresenta-se quando a palavra terminar em vogal tônica (café - cafezinho) e em ditongo (pai - paizinho).
A realização do DIM em diversas línguas pode tomar quaisquer das formas do largo repertório de dispositivos morfológicos de que dispõem: afixos, mudança de consoante, vogal, ou tom lexical, e mudanças de classe nominal ou gênero. De acordo com Jurafsky (1996:534), “em sua realização formal o diminutivo, em diversas línguas, é comumente realizado por nasais (Jakobson & Waugh 1979), por reduplicação (Moravcsik 1978) e, especialmente pelo uso de tonalidade mais alta, incluindo tones altos, vogais anteriores altas e consoantes anteriores (Jespersen 1922; Sapir 1915; Ultan 1978; Nichols 1971; Ohala 1984).” Essas constatações levam a considerar esse fenômeno uma categoria universal.
No PVB, o traço formal do DIM resume-se, basicamente, na adjunção de morfema diminutivo acrescido de algumas séries de traços lingüísticos e semânticos divididos ou de semelhanças familiares. Mas, obviamente, o mais significativo para definir a categoria são as tendências do cruzamento linguístico, proposto por Jurafsky para a semântica dos DIM e que também abordarei mais adiante.
O presente estudo demonstra, conforme veremos, que esse traço gramatical não só apresenta essas características formais, com também revela uma dependência sincrônica de significado, além de uma complexa categoria semântica (dimensão pequena, afeição, desprezo, aproximação, intimidade).
O USO DO DIMINUTIVO NO PVB
As características gerais mais relevantes são duas:1) Nota-se que seu uso nem sempre significa que certo ente ou objeto possui dimensões notavelmente inferiores às que normalmente deveriam ter, baseando-se no conceito médio que se forma em relação a outros seres. Denota, isto sim, um sentido carinhoso, familiar, uma maneira de perceber o mundo. 2) Apresentam-se como referenciais para denotar tanto a índole - entendida como comportamento habitual- como a disposição emotiva geral da comunidade linguística que os usa.
Procurarei mostrar, assim, que existe uma relação entre o modo de vida dos informantes e as coisas e pessoas que os circundam. Eles interagem entre si o que revela no modo como expressam esses objetos e esses entes tão familiares a eles. Bueno (1964:113), observa que "pela freqüência ou não dos diminutivos ( ) no geral das expressões de um povo, podemos avaliar o seu grau de afetividade, a sua fácil ou difícil disposição emotiva".
Ainda sobre a disposição emotiva da comunidade linguística, Lapa (1987: 77-9) lembra que as partículas sufixais retratam a feição dupla e contraditória do nosso temperamento: delicadeza lírica e observação galhofeira e caçoísta. Ressaltando a importância do estudo em questão, afirma que é nos sufixos que as descargas de emoções do povo se dá com maior energia. De acordo com levantamento dos dados sobre o uso do DIM, pude observar essa dualidade de sentimentos nos exemplos a seguir.
i) A idéia geral sobre o DIM é a dimensão ‘pequena’ e refere-se, principalmente, aos seres pequenos, como crias de animais, elementos do cotidiano, delicados e de proporções pequenas. Os informantes utilizam o DIM, associando a ele um sentimento de carinho e não, necessariamente, limitando-se exclusivamente à sua significação dimensional.
(1) - "já era um picadãozinho abertu... mais era
quasi um/uma grota... agora cortaru ficô... morru pra-lá morru para cá ..." (C - 4B11 - AB).
(2) - "/Até hoje aparece/ a falinha dum
passarinhu piquininhu ansim" (B - 17A3 - SP).
(3) - "cada quar cria unzinhu... otru/animal
qualquer/ (MX - 17B8 - SP)
(4) - "u
rádiu nós temu u
nossuzinhu" (JU - 16B28
- SP).
ii) Referindo-se especialmente às crianças, os informantes expressam seus sentimentos, através do DIM.
(5) -"ah
doizinhu /dois filhos/ estud' aqui na na iscola" (I - 1B7 - AB).
(6) - "
/Criança do sítio/ já desde ( ) piquininim... nem qui num sabia falá...
mais andandu... deligatandu andandinhu" ( ) (JO - 14A8 - NH).
(7) -
"/Esse é o caçula?/ - é u
caçulinha" (D - 23A6 - NH).
Tem-se, portanto, as duas dimensões ou as duas metáforas apresentadas por Wierzbicka 1984, (apud Jurafsky op cit.:538), ou seja, “pequeno” e ‘criança’ que, segundo ele, são a base do sentimento de afeição e desprezo do DIM. Jurafsky chega a afirmar que esses conceitos de ‘criança’ e ‘pequeno’ repousam no âmago da análise correta do fenômeno.
Reportando-me ao Vale do Ribeira e assumindo outras idéias de Jurafsky, posso afirmar que essas duas concepções, contudo, são um tanto redutoras. Sem as extensões metafóricas, inferenciais e abstratas, o conceito de ‘criança’ e ‘pequeno’ não podem ser exclusivamente modelos exatos para caracterizar o DIM. A seguir, farei apenas uma descrição dos aspectos semânticos levantados durante as gravações de depoimentos dos habitantes da região, sem me reportar aos campos lexicais e semânticos que eles formam.
iii) Com relação aos seres, às coisas da natureza, do mundo que os cerca, o uso dos DIM é freqüente:
(8) - "eli /o passarinho saci/ é mais
acustumadinhu mais é de noite" (JO - 14A20 - NH).
(9) - "/O outro saci/ devi sê iguar essi
otruzim mas piquenu memu (MX- 17A3 - SP).
(10) - "tevi
um hominhu ( ) um morenim... eli carregava qua::tru brócu dessi daí na cost'a aqui. (MX- 17B12 - SP).
iv) Os elementos, entretanto, podem não ter a dimensão pequena, mas despertam nos informantes essa idéia carregada de carinho.
(11) - "mais
pra cá fazia um descidinha... mansinhu
ansim" (C - 4B3 - AB).
(12) - "uhn - tem a marceguinha (qu/inté) ( )
dá um tóquim bem arvu..." (L- 17A14 - SP).
(13) - "pidi
uma aju/ um lugazinho lá pa fazê um barraquinhu" (JU-16A50 - SP).
v) Em alguns casos, o
adjetivo terminado em -inho‚ usado
com o valor de superlativo, apresenta-se, geralmente, acompanhado de um
advérbio que o enfatiza. Os exemplos
encontrados apresentam, assim, um cruzamento linguístico de força
intensificadora e função aumentativa.
(14) - "tira u pózim /do osso da raposa/... lav'
assim bem lavadim ta: mém" (Mx - 17A15 - SP).
(15) -
"el' é meiu velhinha... pareci uma pessoa meiu... comu (si) diz?...
meiu meiu abobad' ansim" (A - 15A7 - NH).
(16) - "i
u hómi ficô muitu pobrizinhu" (V - 23B10 - NH).
vi) O grau de diminuição pode vir expresso, analiticamente, por adjetivos e advérbios que acompanham o substantivo ou o verbo.
(71) - "sei lê
malemazicu... sei ansim muitu mal..." (A - 15A20 - NH).
(18) - "(num) sei (u qui era não... só) sei qui
er' um mininim pititico pretu...” (V
- 23B3 - NH).
(19) - "e essa taturra é pititica mais piquena.. ( )" (Z - 14A19
- NH).
vii) Pode também assumir feição pejorativa, isto é, para piorar, diminuir, ao mesmo tempo em que se ajunta à noção de ‘ridículo’. Essa característica é tratada por Jurafsky (1996) como uma tendência de cruzamento lingüístico na semântica do DIM. Ao mesmo tempo expressa afeição e desprezo.
No exemplo (20), através do contexto, percebe-se que não é a pequenez dimensional que exprime propriamente o sufixo, mas o desdém do informante pelo comportamento ridículo e absurdo do ladrão do lugar. O exemplo (21) demonstra o ridículo do valor monetário recebido.
(20)-"u ladrãozinhu qui peg'arguma coisinha si vê
disaprecatadu" (B- 26A29 - AB).
(21) "eu
tenh' um' aposentaduriazinha pelu sindicatu né?" (B - 26A7 - AB)
viii) A idéia DIM atinge também os advérbios e, quando isso acontece, acrescenta duas características conjuntamente: a de intensidade e a de exatidão: ‘devargarzinhu’ é ‘muito devagar’; ‘ pouquinho’ é ‘muito pouco’; ‘ pertinho’ é ‘ muito perto’.
(22) - "isquici du nomi du lugá ... é bem
pertinhu d' Iporanga" (JO - 16A7 -
SP)
(23) - "/As brincadeiras de crianças/ er' um
poquinhu deferenti mais é quasi amesma né?" (B-26A13-AB).
(24) - "er' ansim meiu di longinhu
ansim" (I - 1A41 - NH).
(25) - "eu quiria qui ela ficassi a menu esti anu
'traveis... é mais... um puquinhu" (D - 23A14 - NH).
ix) Há diminuição da intensidade dos advérbios. Surge, então, outro cruzamento lingüístico: força intensificadora e função atenuante. ‘melhorzinha’ é ‘um pouco melhor’; ‘pra baixinhu’ é ‘um pouco para baixo’.
(26) -
"pur aqui a terr' (ainda) ‚ melhorzinha..." (Ma - 13B23 - NH).
(27)- "i a casa du meu djerru é pra baxim da
deli" (JO - 16A5 - SP).
(28)- "põe um poquinzim di sal ansim...
" (A - 15A36 - NH).
x) Em algumas ocasiões, os informantes usaram diminutivos de diminutivos, criando um requinte na idéia diminutiva. Para Jurafsky (op.cit.:537 esse “e outro sentido de intensidade onde o DIM modifica a palavra que significa ‘pequena’ para produzir palavras que significam ‘ mais pequena’, ‘ menor’. No PVB, o vocábulo ‘pequenino’ já é DIM, mas na região do Vale do Ribeira, pode indicar uma dimensão menor ainda, carregada de afetividade. Ver também ex. (6), (18), (19) e (28).
(29) - "
às veis inda tem um isquinh' ali (
) (MX - 17B6 - SP).
(30) -
"num podem ficá muitu ansim... criança piquinim" ( ) (JO
- 16B32 - SP).
Outra constatação final foi a da redução no número de elementos sufixais nesta modalidade de fala, pressupondo-se que o sistema dos DIM tem se simplificado. Rocha Lima (op.cit.:811) apresenta uma relação de 9 (nove) tipos de sufixos que expressam o diminutivo no português padrão, ou seja, ‘-ito, -ulo,-culo, -ote, -ola, -im,-elho, - inho e -zinho. Nas 20 (vinte) fitas gravadas, encontrei apenas quatro: -inho, -zinho, -im e -ico.
A TÍTULO DE CONCLUSÃO
Silvia Skorge (apud Cunha 1985: 19) expressa com grande clareza essa idéia de carinho que os informantes veiculam quando utilizam o DIM. Ela diz que "O emprego dos sufixos DIM indica ao leitor ou interlocutor que aquele que fala ou escreve põe a linguagem afetiva no primeiro plano. Não quer comunicar idéias ou reflexões, resultante de profunda meditação, mas o que quer exprimir de modo espontâneo e impulsivo, o que sente, o que o comove ou impressiona - quer seja carinho, saudade, desejo, prazer, quer, digamos, um impulso negativo: troça, desprezo, ofensa. Assim se encontra no sufixo diminutivo um meio estilístico que elide a objetividade sóbria e a severidade da linguagem, tornando-a mais flexível e amável, mas às vezes também mais vaga".
As observações da professora Skorge parecem não ter contestação. Prevalece, no uso do DIM usado no Vale do Ribeira e, por extensão, no PVB, a idéia de afetividade e de carinho, mas imprimindo, com muita freqüência, um traço de ironia e jocosidade. Não só as características formais, mas também as noções semânticas poderiam ser melhor exploradas pelos professores durante as aulas de língua portuguesa. Fica a sugestão.
BIBLIOGRAFIA
BUENO, Francisco da Silveira. Estilística Brasileira. São Paulo: Saraiva, 1964.
CARENO, M. F. A Linguagem Rural do Vale do Ribeira: a voz e a vez das comunidades negras. Vol.1, Assis, 1991. Tese (Doutorado em Lingüística) - Faculdade de Ciências e Letras - Universidade Estadual Paulista.
__________. Aspectos Morfo-sintáticos do Dialeto Rural Brasileiro. Trabalho apresentado durante o 6th Colloquium on Hispanic and Luso-Brazilian Literatures and Romance Linguistics. Department of Spanish and Portuguese. The University of Texas at Austin. Texas/USA. April 19- 20th, 1996.
__________. Traços Sintáticos do Português Popular Brasileiro usado em Comunidades Negras Rurais. Trabalho apresentado no 2º Coloquio Internacional sobre Criollos de Base Portuguesa y Espanola. Ibero-Amerikanisches Institut Preussischer Kulturbesitz- Berlin/Alemanha.
COUTINHO, I. L. Pontos de Gramática Histórica. Rio de Janeiro: Acadêmica, 1969.
CUNHA, C. & CINTRA, Luis F. Lindley. Nova Gramática do Português Contemporâneo. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1985.
GRANDA, G. de. Algunos Rasgos Morfosintacticos de Posible Origen "Crioullo" en la Habla de Áreas Hispanoamericanas de Población Negra.In:________ Estudios Lingüísticos Hispánicos, Afrohispánicos y Criollos.Madrid:Gredos, 1978, p.501-18.
HOLM, J. Pidgins and Creoles:theory and structure. Cambridge University, 1988, vol. I.
JURAFSKY, Daniel. Universal Tendencies in the Semantics of the Diminutive. Language, 1996, 72(3):533-78.
LAPA, M. Rodrigues. Estilística da Língua Portuguesa. São Paulo: Martins Fontes, 1982.
SANDMANN,A. J. Formação de Palavras no Português Brasileiro Contemporâneo. Curitiba: Scientia et Labor, 1988.
ROMANÊS: O ANTI-CRIOULO DOS CIGANOS
Hildo Honório do Couto[24]
Rita de Cássia de C. V. e Macedo[25]
Resumo: Anti-crioulo é um tipo
de língua que apresenta características opostas às dos crioulos. O romanês, que
é o anti-crioulo por excelência, é a língua dos ciganos do Brasil e de muitos
outros países. Mostraremos que esse anti-crioulo apresenta uma grande
resistência cultural à assimilação total pela sociedade envolvente não só na
estrutura de sua língua mas também por sua resistência à escolarização.
1.
Introdução
O
objetivo desta comunicação é fazer o relato de parte de um projeto maior. O
primeiro autor tem investigado as línguas crioulas, em cujo contexto vem
desenvolvendo o conceito de anti-crioulo, que será definido no item 4. A
segunda autora está iniciando uma pesquisa sobre a língua dos ciganos, com o
objetivo de elaborar sua dissertação de mestrado em lingüística, a ser
defendida na Universidade de Brasília. Procuramos mostrar, em primeiro lugar, o
que é o povo cigano, inclusive sua história e sua língua. Em seguida discutiremos o que vem a ser
anti-crioulo, de um ponto de vista teórico. Em segundo lugar, argumentaremos no
sentido de que diversas variedades da língua dos ciganos parecem preservar uma
parte considerável das estruturas gramaticais originais. Outras, no entanto,
perderam-nas quase por completo.
A
variedade que a segunda autora ora começa a investigar é a da comunidade
kalderash (subdivisão do grupo de dialetos vlax) do bairro Jardim Riacho,
município de Contagem, região da Grande
Belo Horizonte. Há ainda duas outras grandes comunidades ciganas nessa cidade:
a do bairro Inconfidentes (a maior de todas) e a da Pampulha.
2. O
povo cigano
Uma das
hipóteses sobre a origem dos ciganos afirma que eles apareceram na Europa, no final do séc. XIII, dizendo-se
originários do Egito ou, mais freqüentemente, do Egito Menor ou Pequeno Egito.
Com base em estudos filológicos, se os ciganos fossem realmente originários do Egito, era de se esperar que
quando chegaram à Europa, a sua língua estivesse enxertada de elementos tomados
tanto do copta quanto do árabe. Todavia, há inexistência absoluta de tais
elementos nos dialetos dos ciganos europeus.
A explicação mais convincente sobre a
origem dos ciganos é de ordem lingüística e nos foi dada, no século XVIII, por
Stephan Valeji. Este estudioso conseguiu aproximar o romani de outras línguas
indianas, ao usar o método histórico-comparativo. Descobriu-se, no romani, grande
número de palavras hindus, a par de importantes semelhanças sintáticas com as
línguas e dialetos do subcontinente. A partir de tais descobertas, pode-se
precisar ser a região de Gujarat, à margem direita do rio Sindh, no norte da
Índia, a região de origem dos ciganos.
A saída da Índia, provavelmente
estimulada pela sucessão de conflitos armados com as tropas islâmicas,
aconteceu nos primeiros 25 anos do século XI. Por meio de investigações
filológicas, acredita-se que os ciganos europeus procedem de um grupo que passou
pelo Afeganistão, pela Pérsia, Armênia e Ásia Menor. Provavelmente a chegada
dos ciganos à Europa aconteceu no último quarto do século XIII e sua entrada,
via Império Bizantino, também foi o resultado direto da expansão do islamismo.
Desde sua chegada a esse continente, a população cigana começou a
fragmentar-se. Atravessando a Romênia, grande parte deles foi mantida sob
regime de escravidão, que durou até o século XIX, originando os dialetos vlax.
O resto da população seguiu rumo à Hungria, à França, à Rússia e à Inglaterra.
Enfim, no ano de 1447, os ciganos penetraram na Espanha pela extremedidade
oriental dos Pirineus. Anos mais tarde, apareceram em Portugal, fato este
comprovado por documentos datados do início do século XVI.
Assim como lhes acontecera por todos os
lugares pelos quais passaram, também em Portugal os ciganos foram vítimas de
muita perseguição. Proibiram-lhes o uso de seus trajes, língua, comércio de
animais, impondo-lhes o “costume da outra gente das terras”. Aos que transgredissem
essas disposições, ser-lhes-iam aplicadas as penas de açoite e degredo para o
Brasil. O ato governamental mais antigo a esse respeito é a resolução de D.
Sebastião, em 1574, pela qual a pena de galés imposta ao cigano João Torres foi
comutada em desterro para o Brasil.
Além dos ciganos que, nos tempos
coloniais, vieram degredados de Portugal, outros ciganos procedentes de
diferentes países europeus também chegaram posteriormente ao Brasil tanto nos
tempos do Império como após a proclamação da República. José B. d’Oliveira China nos dá a
classificação dos ciganos no Brasil: os ciganos que entraram no Brasil, entre
os séculos XVI e XIX podem e devem ser chamados de ciganos brasileiros - ‘os
calãos’ -, em oposição aos ciganos estrangeiros ou extra-ibéricos - ‘os roms’-
que chegaram após a emancipação política brasileira (China 1936).
Por alguns documentos datados de 1718,
sabe-se que a Bahia foi uma das primeiras terras brasileiras a que chegaram os
ciganos. A presença dos ciganos na cidade do Rio de Janeiro também foi
registrada em 1718.
Segundo Ian Hancock, “ao todo, cerca de 5
milhões de pessoas falam uma variedade ou outra de romani. No entanto, alguns
dialetos, como por exemplo os dos estados bálticos, só contam com uns poucos
falantes remanescentes (devido à destruição maciça da população romani durante
o holocausto). Outros, como os vlax, por outro lado, representam acima de meio
milhão de todo o povo romani”. O autor acrescenta que “alguns etnoletos
sobrevivem apenas como léxicos (p. ex., na Grã-Bretanha e na Espanha)” (Hancock
a sair).
3.
Romanês
O nome geral da língua dos ciganos é
romani. Porém, nas diversas regiões do mundo em que esse povo se instalou,
surgiram outros nomes para designar os vários dialetos em que o romani se
ramificou. Boretzky & Igla (1994: 35) dividem-no em “variedade
conservadora” e “variedade mista”. Conservadoras são aquelas variedades que
mantêm pelo menos parte da gramática. Quanto às variedades mistas, são aquelas
que “preservaram apenas o léxico romani, enquanto que suas estruturas
gramaticais correspondem às das línguas com que entraram em contato, quase na
íntegra” (p.38). A maior parte dos dialetos romanis da Europa é do primeiro
tipo. É o caso do grupo do país de Gales, de diversos grupos dos países do Leste
Europeu e assim por diante.
Entre os dialetos mistos, que aqui
chamamos de anti-crioulo, Boretzky inclui o qirishmal do Oriente Próximo, o
romani armênio, o dórika da Grécia (hoje extinto), o romani norueguês, o
anglo-romani da Inglaterra e dos Estados Unidos, o romani basco, o romani
espanhol ou caló e o chatrovatchki da ex-Iugoslávia.
Na Espanha, a variedade conservadora é
chamada de romanó, e a mista é
conhecida como caló. Calão é o termo que os ciganos de
Portugal usavam para designar sua língua e que os primeiros ciganos brasileiros
deram ao seu dialeto. Essa palavra nada mais é que uma simples alteração
fonética da forma caló. É de se
presumir que os primeiros ciganos que, provindos da Espanha, entraram em
Portugal usassem a forma caló. Essa
forma teria, primeiramente, sofrido a nasalização do “ó” final em “ôn”, gerando
a forma calôn; e desta,
posteriormente, a atual forma portuguesa calão.
Os primeiros ciganos chegados ao Brasil,
já a partir de 1574, chamavam-se calons.
Atualmente, os ciganos brasileiros empregam o termo romanês, ao referir-se à língua de origem de seu povo, sendo essa
forma, com certeza, uma influência da fonética da língua portuguesa. Todavia,
isso se deu a partir da segunda leva de imigrantes ciganos no Brasil - os roms -, a partir da emancipação política
do país.
Oliveira China (1936), baseando-se nos
estudos do ciganólogo espanhol Pabanó, arrola, além dos nomes romani e romanès, termos usados pelos próprios ciganos como nomes de seu
dialeto: caló, chipe calí, romanó e zincaló . Outros ciganólogos acrescentam a essa lista calé, calorró e zincalé, somando nove nomes, todos derivados de raízes puramente
ciganas.
O
romani não era reconhecido como língua, outrora, em todo o mundo, sendo
considerado uma gíria, isto é, uma linguagem de convenção ou particular de
malandros, gatunos e ladrões. Os espanhóis o chamavam de jerga, jerigonza ou germania,
quando na verdade ele possuía uma gramática especial e um vocabulário próprio
que se ligava estreitamente a alguns prácritos ou dialetos neo-hindus falados
no N.O. da Índia.
A comunidade cigana portuguesa pesquisada
por A. Coelho (1892) falava o dialeto romanó
(rumaño). Trata-se do espanhol influenciado pelo português e semeado de
palavras particulares da língua geral dos ciganos, a maior parte das quais se
encontra também no gitano da Espanha.
Em (2) abaixo temos exemplos de ambos.
No caló
ou gitano, os elementos ciganos da
gramática original se mantiveram em parte, embora consideravelmente reduzidos,
perdendo-se quase por completo a antiga declinação e a conjugação verbal. No romanó, os vestígios ciganos reduzem-se
quase unicamente a vocábulos feitos e alguns processos de derivação: o espanhol
e o português ocupam o lugar abandonado pela gramática cigana, o que o
caracteriza como anti-crioulo.
Sabe-se que os ciganos foram incorporando
termos das línguas das regiões por onde foram passando. No romanês, objeto da
presente pesquisa, já foram detectados alguns de origem grega, eslava e
espanhola, como se vê a seguir:
Do
grego:
zaxáro ‘açúcar’, efta ‘sete’, talázia
‘onda’, papu ‘avô’ (provavelmente)
Das
línguas eslavas:
volil ‘amor’, peko ‘assado’, vadra
‘balde’, pimôs ‘bebiba’, lachô ‘bom’, tcháiniko ‘bule’, mas
‘carne’, drom ‘caminho’, muchi ‘homem’
Do
espanhol:
durázno ‘pêssego’, docáto ‘delegado, advogado’, aviono
‘avião’ (provavelmente)
4. Anti-crioulo
O conceito de anti-crioulo foi proposto
pela primeira vez em Couto (1992a) por sugestão das primeiras publicações de
Carlos Vogt & Maurizio Gnerre sobre a linguagem da comunidade de ex-quilombo
de Cafundó. De lá para cá, ele tem sido melhorado e ampliado. Até mesmo um
livro está sendo preparado sobre o assunto (Couto a sair). O fato é que atualmente ele abrange toda uma gama de
línguas mistas. Vejamos o que vem a ser anti-crioulo, comparativamente a
crioulo.
As primeiras definições de crioulo
consideravam-no uma língua mista cujo léxico provinha majoritariamente da
língua dominante e cuja gramática, até onde se podia filiar alguns de seus
traços, tinha origem nas línguas dominadas. É o que acontece com o crioulo do
Haiti, com o da Guiné-Bissau, o da Papua Nova Guiné e diversos outros. O
anti-crioulo, ao contrário, mantém pelo menos parte do léxico original da
língua do(s) povo(s) dominado(s), usado com as estruturas gramaticais da língua
do povo dominante da sociedade envolvente, como ocorre com a linguagem do
Cafundó (Vogt & Gnerre 1978).
As comunidades crioulófonas em geral têm
um território próprio, ao passo que as anti-crioulas normalmente são enclaves
no território do povo dominante. Isso determina praticamente todas as outras
características desse tipo de língua. Em primeiro lugar, os anti-crioulos estão
sempre submetidos a um processo de glototanásia, ou seja, morte de língua. O anti-crioulo de Cafundó e
o de Bom Despacho (Queiroz 1984) estão no estágio terminal desse processo.
Outros ainda têm uma certa vitalidade, como o shelta da Grã-Bretanha e o caló
da Espanha. Em segundo lugar, as comunidades falantes de anti-crioulo só se
mantêm mediante um penoso processo de resistência cultural[26].
Em terceiro lugar, nos crioulos
freqüentemente ocorre o que se tem chamado em crioulística de relexificação, processo que consiste em
substituir total ou parcialmente o léxico de uma língua pelo de outra. É o que
ocorreu com o saramaca. Seu léxico seria originalmente de base portuguesa. No
entanto, posteriormente ele foi substituído em cerca de 60% pelo léxico inglês.
Pois bem, nos anti-crioulos ocorre justamente o contrário. Em geral conservam
pelo menos parte do léxico original, porém sua gramática é substituída pela da
língua dominante envolvente. Esse processo é chamado de regramaticalização.
5. O
romanês como anti-crioulo
A língua dos ciganos, sobretudo o
anglo-romani e a dos ciganos de Portugal (Coelho 1892), fora incluída como
exemplo de anti-crioulo desde a proposta original de Couto (1992a). A
investigação posterior não só confirmou essa constatação inicial como também
mostrou que ela é sem nenhuma sombra de dúvida o anti-crioulo prototípico. Os
exemplos que Adolfo Coelho apresenta da língua dos ciganos de Portugal de final
do século passado, alguns deles reproduzidos em (1)(a)-(f), constam de um
léxico praticamente todo cigano, mas sua gramática é basicamente a espanhola.
(1) (a) gorodon de sanacy ‘um cordão de
ouro’; (b) non li pineles ‘ não lhe peças’; (c) el jambo se camela rumandiñar
‘o homem que quer casarse’; (d) es de chibé ‘é meio dia’; (e) allá chalo ‘lá
vou’; (f) del posonó si chicubela la pañí ‘da nora se tira a água’.
No caló da Espanha, ocorre fato
semelhante, como se pode ver no exemplo (2), com os itens ciganos em itálico.
(2) Se há endiñ-ado el parné a la chai ‘deu-se o dinheiro à menina’
(se ha dado el dinero a la muchacha)
O mesmo se dá no romani da Suécia:
(3) Vi trad-ar to fåron en vaver
divus ‘iremos à cidade outro dia’
(vi åk-er till stan en annan dag: sueco)
(exemplos de Bakker & Muysken
1995:48)
No anglo-romani, tanto da Inglaterra
quanto dos EUA, nota-se o mesmo fenômeno, embora os romanichals (nome que os ciganos “puros” do país de Gales se dão)
ainda mantenham parte substancial da gramática original.
O romanês da comunidade de Belo Horizonte
aqui estudada mantém muito pouco da gramática original. Em (2) temos alguns
exemplos[27].
(2) (a) o kere si barô ‘a casa é grande’,
(b) e rakloxí si chukara ‘a menina é bonita’ (c) le juká kelem michtô ‘as
mulheres dançam bem’, (d) le níchka si laché ‘os livros são
interessantes’.
Há mais alguns poucos casos de resíduo da
gramática original. Porém, o normal é o uso do léxico romanês no arcabouço da
gramática portuguesa, sobretudo no que tange à ordem das palavras na frase. O
fato é que das diversas flexões originais em gênero, número - tanto do verbo
quanto do nome - e até em caso, muita coisa desapareceu. O vocabulário, no
entanto, a despeito dos empréstimos que foram sendo adotados das línguas
faladas nos países por onde os ciganos passaram, ainda é essencialmente romani.
A ordem dos elementos da frase é, como no
português, basicamente SVO, como se pode ver nos exemplos supra. A fonologia do
romanês também está muito influenciada pela do português. Os fonemas aspirados
(/ph/, /kh/), subsistindo apenas como alofones livres. A vibrante uvular
desapareceu, provavelmente também por influência da fonologia portuguesa.
O romanês de Goiânia também parece estar
no mesmo caso. Em (3)(a)-(c) temos dois exemplos (tirados de Olivência, 1992).
(3) (a) Cherô barô = cabeça grande, (c) o
ju’kel bachel = o cachorro late,
(c) me xa’leu kuku’ruzu = eu comi pão
Para o anglo-romani inglês, veja-se o
exemplo (4).
(4) Where tute chore adovo rani? Putchered
the prastramengro
Where did you steal that turkey? asked
the policeman
‘Onde você roubou aquele peru? perguntou
o policial’
Vê-se claramente que, a despeito de
alguns itens lexicais romanis - ou melhor, anglo-romanis -, a gramática é
inteiramente inglesa. Exatamente como se espera de um anti-crioulo.
6.
Uso do romanês
As pessoas da comunidade cigana
entrevistada são, na sua maioria, falantes bilíngües do romanês e do português.
O romanês foi dado como a primeira língua a ser adquirida por elas, por meio da
convivência com os pais e a própria comunidade cigana. O português foi a
segunda língua adquirida, quando tinham entre quatro e cinco anos de idade.
No dia-a-dia, emprega-se tanto o romanês
quanto o português, muitas vezes mesclados. Em uma comunicação entre os mais
velhos ou entre estes com os mais jovens, emprega-se, quase sempre, o romanês.
Porém, a presença de palavras portuguesas enxertadas nos discursos romaneses,
principalmente nos dos mais jovens, nos deixa clara a posição da língua
portuguesa como parte de seu vernáculo. Todavia, o emprego de tais termos não
se restringe aos jovens. Os mais velhos utilizam-se, principalmente, de
palavrões portugueses, durante uma discussão. É comum que, a uma pergunta feita
em português pelos jovens aos mais
velhos, a resposta dada àqueles seja em romanês. O uso da língua portuguesa é
predominante entre os jovens, principalmente quando a interrelação se dá entre
eles próprios.
Na presença de um ‘gadjô’ (todo aquele
que não é cigano), o emprego do romanês se dá conforme à explanação anterior,
acrescentando-se que cigano e ‘gadjô’ se comunicam em português, uma vez que é
raro um ‘gadjô’ conhecer e falar a língua cigana.
7.
O romanês e a educação
Os ciganos são analfabetos em sua própria
língua, usando-a só a nível da oralidade. Mesmo a alfabetização em português,
de um modo geral, não é considerada necessária pela comunidade em estudo. O
mais comum é as crianças freqüentarem a escola apenas para aprender a escrever
o próprio nome. No caso específico das
moças, as famílias vêem com certa resistência a sua ida à escola. Temem que
elas se envolvam com um ‘gadjô’ e perca a sua virgindade, desonrando o nome da
família.
Independentemente dessa resistência, a
comunidade estudada reluta em receber uma escolarização completa. Seus membros
temem que, se seus filhos se formarem, correrão o risco de ser empregados, e
“cigano não trabalha para os outros”. Portanto, a resistência maior à
escolarização tem a ver com a sua filosofia de vida, que preza a liberdade
individual acima de tudo.
8.
Observações finais
Além das comunidades de Belo Horizonte,
há diversas outras pelo Brasil afora. A de Goiânia, por exemplo, foi estudada
fonologicamente por Olivência (1992). A de Uberlândia foi examinada do ponto de
vista arquitetônico por Fonseca (1996). A de Campinas (que deve ser a maior do
Brasil) foi investigada do ponto de vista antropológico por Santana (1983). A
comunidade calon de Sousa, na Paraíba, vem sendo investigada por Frans Moonen.
Sobre as diversas outras comunidades existentes pelo Brasil afora, ainda não
temos informação.
BIBLIOGRAFIA
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language intertwining. In: Arends,
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SALA DE LEITURA: A NECESSIDADE DO JOGO
INTERACIONAL
Sheila Roberti Pereira da SILVA[28]
Sonia Sirolli SANTANA[29]
Teresinha de Fátima NOGUEIRA[30]
Resumo: Este artigo analisa uma prática
de leitura recortada entre as práticas de ensino de Língua Portuguesa de uma
escola pública do Vale
do Paraíba, S.P.,
descritas a partir de um enfoque etnográfico de pesquisa. A análise foi feita
tomando como suporte teórico as seguintes perspectivas: a consideração de
leitura como processo discursivo (Coracini,1995), e a aceitação da natureza
sócio-histórica da linguagem (Orlandi,1987). A partir desse referencial foi
problematizada a concepção de leitura do professor, a imagem que este faz de
seus alunos e as condições de produção de leitura. Os dados revelaram a impossibilidade de
se instaurar o jogo interacional que a leitura supõe, a medida em que o docente
restringe a relação do aluno com o texto ao aspecto previsível e
sedimentado, prevalecendo o sentido fixado
pelo professor. Tal postura exclui a imagem de aluno-enunciador, por
desconsiderar a capacidade do aluno assumir a posição de sujeito produtor de
sentido.
Este artigo tem por objetivo refletir sobre o processo de construção de sentidos que se estabelece entre professor e alunos em uma determinada situação de enunciação no âmbito escolar.
A análise foi feita a partir de uma investigação de tipo etnográfico, através da observação de trinta aulas de Língua Portuguesa em uma escola pública localizada no Vale do Paraíba, S.P.[31], tendo sido delimitado como corpus deste trabalho, uma aula específica realizada, com alunos de uma 8a série, na Sala de Leitura. Nesta aula, foram desenvolvidas atividades relativas a uma obra de literatura de linguagem não-verbal, O Rei de Quase Tudo, de Eliardo França, sob a regência do professor responsável pela Sala de Leitura dentro de um trabalho integrado com o professor de língua materna.
Partindo-se da premissa de que uma sala de leitura
deveria ser um espaço para a diversidade e
pluralidade de sentidos, dada a natureza polissêmica da linguagem e a
constituição social e histórica dos sujeitos, o que pudemos observar foi um
fenômeno ainda baseado na imposição do saber e do conhecimento do professor.
Tal fenômeno foi
verificado em vários aspectos de nossa análise, mas no presente trabalho
ater-nos-emos à concepção de leitura do professor, à imagem que ele faz dos
seus alunos e às condições de produção de leitura partilhadas em sala de aula.
1 - A Concepção de Leitura do
Professor
A concepção de
leitura do professor será problematizada a partir do entendimento de que este
processo é de natureza discursiva (Coracini,1995). Neste processo importa
também considerar a natureza sócio-histórica da linguagem, bem como as
características do discurso (Orlandi,1987), cujo entendimento é necessário à
compreensão da relação que professores e alunos estabelecem com o texto.
Na prática em questão, verificamos que o professor tem um comportamento autoritário e monossêmico em relação à produção de sentido, não considerando que os alunos que estão na sala são sujeitos sócio-historicamente constituídos, como podemos observar no segmento abaixo:
P: “Que ilustração é essa?”
A1: “É uma espada.”
P: “Ela está inteira?”
P: “Ela está pela metade.”
P: “Por que ela está desse jeito?”
P: “É o símbolo do quase poder do rei.”
Podemos notar que o professor conduz o aluno para a sua compreensão e interpretação das ilustrações, chegando inclusive a usar um mecanismo muito comum em leitura em sala de aula, isto é, o docente faz uma pergunta de interpretação e ele mesmo a responde, demonstrando com isso ser o único detentor do saber, tanto na elaboração de questões como de respostas a elas. Tal atitude vem confirmar o cárater monossêmico presente em muitas práticas pedagógicas no âmbito escolar.
Neste caso, o professor foi uno em todos os procedimentos. Desde a escolha do livro, passando pelas estratégias de leitura apresentadas, até a produção de sentido que ele atribuiu às ilustrações da obra em questão.
2- A Imagem que o Professor Faz dos Alunos
Se pretendemos analisar o imaginário que permeia a prática pedagógica do professor, devemos previamente caracterizá-lo enquanto sujeito social e ideologicamente constituído.
A análise evidenciou que o sujeito-professor já trazia idéias e imagens prontas sobre o papel que ele deveria desempenhar na Sala de Leitura. Foi através do discurso que esse docente exteriorizou todas essas idéias e imagens, não se apercebendo de que aquilo que pensa e diz já pode ter sido pensado e dito anteriormente.
Notamos que o
professor tem a ilusão do que ele diz, faz, ou explica, pertence somente a ele
e de que dele partiu. Ilude-se também ao supor que seu discurso esteja sendo
plenamente compreendido, pois entende que só dele depende o seu dizer. Como o
docente tem em mente essas ilusões que comportam imagens e papéis
pré-estabelecidos, fica difícil para
ele perceber que o seu discurso pode estar, de alguma maneira, criando barreiras
ao processo de desenvolvimento da compreensibilidade do aluno.
O que precisa
ficar claro é que no discurso pedagógico o professor ensina de acordo com
certos moldes já muito arraigados dentro dele, o que obstaculiza a
identificação dos efeitos negativos de tais práticas no processo de leitura do
aluno.
O discurso pedagógico é caracterizado como um discurso autoritário, ou seja, um discurso em que podemos notar a intenção de dominar, de impor, tão semelhante às práticas discursivas veiculadas em outros âmbitos institucionais da nossa sociedade, que padece pela ausência de posturas democráticas. O professor em questão, enquanto sujeito dessa sociedade, assume na sala de aula uma prática pedagógica impositiva por não estimular e nem dar condições para que aflorem os enunciados de seus alunos.
É através desse discurso autoritário que o docente procurará impor a sua presença e seu poder, assim como a sua imagem do que seja ler e compreender ou, em outras palavras, somente o sentido fixado pelo professor parece ter legitimidade. Dessa maneira, ele se transforma em proprietário do imaginário discursivo, anulando o aluno enquanto sujeito enunciador.
No corpus em questão, o recurso utilizado pelo professor é o uso de perguntas e respostas interpretativas óbvias sobre algumas das ilustrações, que parecem ter sido formuladas em determinado momento da história de leitura do professor, história esta pontilhada por inúmeros cursos na área:
P: “Olhem a cara dos soldados.”
P: “É igualzinha a do rei, mas não tem boca.”
P: “Os pés são enormes! Símbolo da submissão dos soldados.”
Esse procedimento está diretamente ligado a um outro ponto que se evidenciou durante a análise, de perguntas e respostas pelo próprio professor, pois por ele ter a imagem de que seus alunos sozinhos são incapazes de produzir sentido(s), passa, ele mesmo, a perguntar e a responder suas próprias perguntas. Isso transforma a aula - que é de leitura, de produção de sentido(s) - em um constante monólogo do docente, como podemos verificar abaixo:
P: “Olhem para o arco-íris.”
P: “Que colorido. O que isso simboliza?”
P: “É o símbolo da bonança.”
P: “Se
compararmos com a ilustração anterior, vemos que essa é sombria. Por quê?”
P: “A sombra estava dentro do rei.”
Podemos observar,
através de seu discurso, que o professor realmente acredita que os alunos não
conseguem pensar e responder e, por isso, tem que dar-lhes as respostas às perguntas por ele formuladas.
3- As Condições de Produção de
Leitura Partilhadas em Sala de Aula
Partindo-se do princípio de que a aula de leitura é um dos momentos, no âmbito escolar, de partilharmos as nossas idéias, conhecimentos e reflexões, alguns pontos merecem ser discutidos no corpus focalizado.
a) primeiramente, o docente se imbui de sua autoridade discursiva que não permite a troca de sentidos atribuídos ao texto. Os alunos prestam atenção, mas não participam de maneira reflexiva, pois o professor anula o espaço enunciativo deles, o que chega a inibir a interação discursiva. A única vez em que o docente deu voz para o aluno, o seu procedimento foi inadequado, pois a desconsiderou, como podemos ver no exemplo a seguir:
P: “A indumentária dos soldados lembra o quê?”
A2: “ Índio.”
P: “Eh!” [ ironizando]. Os romanos.”
b) em segundo lugar, através de seu discurso compulsivo, o docente silencia a enunciação do aluno, impondo-lhe a sua. Sabemos que todo discurso é veículo de uma concepção de vida e mundo que é ideológica, isto é, remete-nos a determinado quadro de crenças, valores, conhecimentos e atitudes, construídos na dinâmica da vida social. Todo discurso tem algo a dizer, tem algo a silenciar para poder dizer.
No nosso corpus, como o espaço discursivo é o da sala de aula, não podemos perder de vista as relações de poder que aí se estabelecem, pois o professor se percebe como proprietário do imaginário discursivo e vê os alunos como sujeitos desprovidos de autoridade discursiva. Dessa maneira, estabelece-se uma espécie de monopólio da enunciação pelo docente, levando a um silenciamento dos alunos, por estes acreditarem no poder e no saber do professor, cuja postura os leva a imaginar que não se pode manter uma interação verbal conflitiva. Se há enunciados em conflito, busca-se silenciar aquele emitido por quem não detém os mecanismos de poder existentes na escola. Como é o caso do segmento supracitado, onde o aluno é silenciado pela ironia e autoridade discursiva do professor que, em nenhum momento, buscou explorar o sentido “índio” atribuído pelo aluno à ilustração do “soldado romano”.
CONSIDERAÇOES FINAIS
No corpus em questão, não verificamos o estabelecimento pelo professor de uma interlocução com os alunos, a partir da leitura, que os fizesse assumir a posição de enunciadores, de modo que pudesse provocar uma compreensão mais ativa e responsiva na relação com a obra literária. Fica, então, prejudicado o jogo entre o previsível e o imprevisível, tornando a prática de leitura restrita ao aspecto previsível e imposto pelo professor.
O professor da sala de leitura, reservando só para si a prerrogativa de poder assumir o papel de enunciador, não permite a reversibilidade de papéis, revelando a própria concepção de leitura que está subjacente ao processo que desencadeia: trata-se da consideração do texto como produto acabado, detentor de um sentido único o qual o leitor deve descobrir e tem que coincidir com o sentido previamente eleito como correto. Dessa forma, o professor deixa de trazer para o processo de produção de sentido(s) as experiências pessoais que entram no jogo interacional que a leitura supõe.
Quando ensaia
instaurar uma relação dialógica, acaba por se tornar interlocutor de si mesmo,
deixando de considerar que compreender é
saber que o sentido poderia ser outro (Orlandi, 1987:116). Os
alunos, em momento algum demonstram condições de disputar a palavra, pois que
esta não está em jogo, já que o professor acaba por se constituir em agente
único que detém a palavra na sala, impondo uma leitura já sedimentada como a
única possibilidade de construção de sentido. Falta espaço para a linguagem
viva do aluno.
Por último,
torna-se necessário chamar a atenção para o fato de que o(s) sentido(s) do
corpus analisado, só pode ser compreendidos em seu caráter também plural, se
referido ao contexto concreto em que se inserem. A postura do professor e dos
alunos está determinada por fatores que extrapolam a sala de aula e que se
relacionam com o processo de construção cotidiana do conhecimento pelo
professor sobre os fenômenos com os quais lida, não sendo possível qualquer
generalização sobre o que é típico atualmente na prática de leitura.
BIBLIOGRAFIA
CORACINI, M.J.(org.). O Jogo Discursivo e a Aula de Leitura. Campinas:
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PEREIRA DA SILVA, S.R. A Linguagem Cotidiana do Ensino de Língua Portuguesa: o singular-plural. Dissertação de Mestrado, São Paulo: Pontifícia Universidade Católica, 1992.
Legenda:
P - professor
A1, A2 - diferentes alunos
O COMPUTADOR/MULTIMÍDIA NO ENSINO DE LÍNGUAS
ESTRANGEIRAS: COMO, QUANDO E POR QUÊ?
Mariangela Braga NORTE [32]
Resumo: O computador está provocando um grande questionamento
dos métodos e nos processos de ensino/aprendizagem de línguas estrangeiras.
Apresentarei aqui algumas propostas para introduzi-lo
no programa de ensino e sugestões de procedimentos para exploração apropriada
de computador/multimídia na sala de aula e extra classe.
O computador como instrumento de ensino de Língua Estrangeira - LE - é visto como um recurso com grandes possibilidades de proporcionar situações de aprendizagem. Se bem utilizado, tendo os objetivos bem definidos dentro do programa do curso, ele poderá desempenhar um papel importante no processo ensino/aprendizagem. CALL - Computer Assisted Language Learning, ou ensino de línguas assistido pelo computador é o termo mais usado para descrever o uso do mesmo como instrumento didático em cursos de línguas.
Atualmente, para se implantar a informática na educação, são necessários quatro elementos: o computador, o programa educacional, o professor capacitado para usar o computador como meio educacional e o aluno.
Os programas educacionais, também chamados de "coursewares" são aqueles elaborados para o ensino e aprendizagem. São utilizados não só na escola, mas também fora dos ambientes acadêmicos, proporcionando uma educação continuada. São chamados de PEC - Programas de Ensino por Computador; CAI - Computer Aided Instruction; CAL - Computer Assistence Learning ou Computer Aided Learning; CBI - Computer Based Instruction; CBT - Computer Based Teaching; CMI - Computer Managed Instruction;....
Se pensarmos que o primeiro computador digital, Mark I, foi construído na universidade de Harvard em 1944, pela equipe liderada pelo Prof. Howard Aiken, e o primeiro microcomputador, o Altair, foi comercializado em 1975, constatamos que a tecnologia computacional tem se desenvolvido rapidamente e em seu percurso verificamos grandes mudanças nas relações sociais, econômicas, políticas e educacionais trazidas por essa revolução tecnológica.
Nesta virada de século, temos enquanto educadores, que nos preocupar em renovar a escola, atualizar sua metodologia, acompanhando a realidade, preparando nossos alunos para todas as mudanças que a sociedade vivencia. Temos ainda que orientar os alunos para uma sociedade que exigirá cada vez mais conhecimentos tecnológicos, imaginação, criatividade, capacidade de apresentar soluções para os problemas, espírito de iniciativa, capacidade de trabalho em equipe, enfim, é função da escola desenvolver nesses alunos habilidades que os capacitem para viver melhor no mundo moderno.
Sabemos que ignorar o advento da informática seria criar um fosso entre a escola e a sociedade, por isso nosso objetivo é verificar quais as mudanças que a informática está provocando na metodologia do ensino/ aprendizagem de LE e verificar também qual a melhor maneira de incorporar esta ferramenta valiosa ao ensino de línguas.
No início, seu uso estava apenas ligado à aprendizagem programada, num cenário igual ao dos laboratórios de línguas (áudio-orais) e a criação e aplicação dos programas refletiam a postura mecanicista e estruturalista da época.
Podemos perceber duas visões distintas com respeito ao CALL: a visão tradicional, onde os programas destinam-se a "apresentar, reforçar e testar" a língua enquanto estrutura formal e uma visão mais voltada para o uso da LE numa situação comunicativa real.
Não podemos dizer que a utilização do computador a serviço do ensino tradicional não tenha sido importante, pois seu uso foi um salto valioso para o progresso, tornando os exercícios que eram feitos nos livros didáticos de forma enfadonha, muito mais interessantes e motivadores. Foi uma forma de fazer algo familiar de forma não familiar.
Esta fase inicial (abordagem tradicional) da elaboração de programas destinados ao CALL, dominou até o início dos anos 80, quando começou a ceder lugar para novas possibilidades.
O ensino de LE também evoluiu e, baseado em teorias de aprendizagem e em teorias lingüísticas, a abordagem comunicativa vem defender "the 'use' of language rather than 'usage'" (Widdowson, 1978). Nesta abordagem, o aluno aprende a ver o significado social das estruturas gramaticais e as tarefas elaboradas se centram na resolução de um problema comunicativo. A aprendizagem é voltada para o aluno, respeitando suas diferenças individuais (motivação, capacidades intelectuais, afetivas, ...), sociais e econômicas.
Somos conscientes de que as mudanças tecnológicas são muito rápidas e graças a essas transformações o ensino de LE vem buscando novas alternativas para acompanhar esse desenvolvimento, aprimorando o seu uso para melhor ensinar. Ou seja, o aperfeiçoamento de técnicas computacionais a cada dia permitem também inovações no ensino de LE.
Os novos recursos tecnológicos da informática como a multimídia (que associa som, computação gráfica, imagens captadas de fotografias, filmes, vídeos, ilustrações, textos, músicas, narrações, ...); o correio eletrônico e a Internet, sem dúvida vieram facilitar os profissionais da área de ensino de LE para uma prática visando a uma abordagem comunicativa.
Hoje, temos meios de ensinar as quatro habilidades (compreensão, leitura, escrita e fala) nos diferentes níveis de aprendizagem de LE e não meramente fornecer exercícios e testes.
"Softwares" e CD ROM'S (Compact Disc - ROM = Read Only Memory) permitem um grande número de atividades e tipos de práticas comunicativas, situações de uso real da língua e variedade de possibilidades de acordo com os interesses do aluno.
Introduzindo o computador no programa de ensino
Apesar de fascinante, o uso do computador em sala de aula não deve ser diário e inserido em todas as atividades do curso. É um recurso moderno que cria ambientes propícios de aprendizagem, mas seu uso deve ser dosado e bem planejado.
O professor deve tomar certas precauções quando na realização das tarefas propostas; ele deve ter em mente objetivos claros ao escolher os programas que serão utilizados dentro e fora (self - access CALL - estudo de auto - acesso) da sala de aula.
No "self - access learning" ou sistema de auto - aprendizagem de LE através do computador, o professor coloca à disposição dos alunos uma série de materiais - jogos, lições abrangendo leitura, escrita, produção oral, estudo de gramática, tarefas e exercícios variados para que o aluno aprenda basicamente através de suas próprias ações. Ele atua de modo inteligente e é sujeito de sua própria aprendizagem.
O papel do professor será sempre o de facilitador, orientando e sugerindo tarefas, procurando cultivar nos alunos a sua autonomia, desenvolvendo atividades que incorporam auto-exploração e auto-descobrimento de problemas e erros.
O aluno deve ser preparado adequadamente para que possa controlar sua aprendizagem. É necessário que se crie um ambiente propício, onde as atividades são direcionadas para que os aprendizes se tornem autônomos, conscientes e desenvolvam suas próprias estratégias de aprendizagem.
Quando trabalhamos em conjunto temos inúmeras formas de se usar o computador em sala de aula. O professor poderá utilizá-lo com alunos trabalhando individualmente, em pares, em grupos ou em conjunto com a classe toda. Isso dependerá de quantos equipamentos estiverem disponíveis. Se o professor tiver só um computador, é aconselhável que trabalhe com a classe toda. Esse computador pode ser conectado a uma tela ou ao "eletronic blackboard", que deve ser de tamanho adequado, dependendo do número de alunos. As condições físicas são importantes e o professor deve adequar seu uso de acordo com a capacidade de concentração que os alunos possam ter diante de uma lousa eletrônica.
Nesse caso o professor será o principal controlador da máquina, mas os alunos também poderão revezar-se em turnos para acessar os comandos. A interação é muito exigida, pois, para a realização das tarefas, é necessária ampla colaboração por parte dos alunos nas discussões sobre as tomadas de decisão para a resolução do problema, principalmente quando a atividade for um jogo.
No caso de programas de simulação, a classe pode ser dividida em dois grupos; após discussão dos obstáculos apresentados, exploração das probabilidades, os alunos defendem suas idéias e a decisão final é colocada na máquina. Mesmo dispondo de apenas um computador, a classe toda deve manter-se ocupada. Enquanto um grupo pressiona as teclas, o outro pode estar discutindo os próximos passos e um outro pode ir escrevendo os acontecimentos. O professor irá determinar a troca de funções de cada grupo.
No caso de haver mais computadores disponíveis, o ideal seria colocar três alunos em cada máquina. Professores experientes que trabalham com o "CALL" alertam para que, na formação dos grupos, seja levado em consideração o sexo dos alunos, alegando que os meninos têm maior intimidade com a máquina (é um alerta questionável). Um outro ponto que deve ser observado no início do trabalho é verificar entre os alunos aqueles que têm um pouco mais de familiaridade com o computador, e espalhá-los nos diferentes grupos para que possam assessorar nos trabalhos. Depois de um tempo, todos estarão aptos.
É claro que o trabalho individualizado é muito produtivo, já que o aprendiz tem a liberdade de praticar o conteúdo que escolher e estudá-lo no horário que lhe for mais conveniente. O tempo de estudo extra classe deve ser deixado a critério de cada aluno.
Quando o trabalho for realizado em rede local - laboratório de línguas moderno - (LAN - Local Area Network), os alunos poderão trabalhar individualmente ou em grupos. Rede significa uma série de microcomputadores ligados a uma central (estação de controle) e seus usuários podem enviar e receber mensagens, propiciando para esses usuários novas possibilidades de comunicação na língua alvo.
A rede oferece aos usuários um ensino personalizado, pois cada aluno pode seguir seu próprio ritmo no progresso das unidades de estudo, pode iniciar sua tarefa de acordo com seu interesse e necessidade e tal flexibilidade não acontece com nenhum outro recurso convencional de um laboratório de línguas.
O professor tem possibilidade de acessar qualquer trabalho dos alunos e fazer sugestões, discutir e auxiliá-los, se for o caso. Se o aluno não quiser se identificar, ele pode enviar mensagens para seus colegas ou para o professor e permanecer no anonimato. Oferece ainda a possibilidade do professor transferir um trabalho de um aluno para outro a fim de promover comparações, comentários e sugestões.
O professor ainda poderá projetar na tela explicações necessárias para todos os usuários da sala para que que haja maior interação.
No caso da multimídia, não podemos trabalhar em rede, pois, cada máquina precisa ter seu próprio "CD - ROM drive" e seus discos não podem ser multiplicados como os disquetes. Isso dificulta seu uso porque é uma ferramenta cara.
A escolha dos programas
Temos algumas considerações pedagógicas que devem ser levadas em conta. A escolha do programa é mais complexa que a escolha de um livro didático, porque além de dar uma "olhada geral", como fazemos com um livro, temos que testá-lo e trabalhar sua partes, analisando todas as suas atividades disponíveis, verificando todas as possibilidades.
Baseada em minhas experiências e na de alguns pesquisadores como Baltra, Underwood, Hardisth, Windeatt, Jones e Fortescue, elencamos uma série de perguntas que devem ser respondidas durante a escolha dos programas. São elas:
· A que o programa se propõe, há uma contribuição nítida ao ensino de LE?
· É motivador, desperta o interesse, os alunos têm prazer em operá-lo?
· Pode ser usado várias vezes sem que o aluno perca o interesse?
· A cada vez que é usado pode ser modificado, acrescenta e varia elementos ou faz sempre as mesmas coisas?
· O programa pode ser usado por um grupo de alunos ou é para uso individual? No caso de ser individual que tipo de embasamento o aluno precisa? Que material mais será necessário?
· O programa apresenta desafio intelectual interessante para o aluno?
· Seu conteúdo pode ser facilmente adaptado à necessidade dos alunos?
· O programa apresenta tarefas que superam o que se pode fazer de maneira convencional?
· Como os estudantes "navegam" dentro do programa? É fácil de se perderem? Que orientações trazem?
· O material é bem apresentado? As telas são confusas? Os elementos de mídia são bem integrados?
· Até que ponto o usuário pode controlar as cores, o som, a imagem?
· Baseia-se simplesmente na prática repetitiva?
· Se for um programa de perguntas e respostas, permite uma variedade de respostas corretas?
· É possível mudar o conteúdo das lições sem entrar em detalhes técnicos de programação?
· Proporciona boas explicações para o aluno quando ele erra?
· Permite gravar o que já foi feito e assim continuar numa outra sessão (especialmente jogos simulados e de aventura que requerem muitas horas de trabalho)?
· O nível da língua estrangeira é mais elevado nas explicações e instruções do que o objetivo do programa?
Quanto à parte técnica:
· O programa é fácil de operar?
· Sua instalação é simples ou exige habilidades técnicas?
· Roda em que tipo de máquina; quais os recursos exigidos: impressora, joysticks, multimídia?
· O programa pode ser copiado?
· Pode ser impresso?
· Vem acompanhado de livretos ou telas de instrução?
Depois dessas perguntas respondidas, o professor saberá que tipo de material irá trabalhar com seus alunos.
Exemplos de
atividades educacionais no computador
Jogos Populares, R.P.G. (Role Playing Game), Simulados e Jogos de
Aventura.
Os jogos, além de exercitar a coordenação motora, desenvolver os reflexos rápidos, aumentam a concentração, a destreza, motivam e proporcionam a aprendizagem.
Há uma grande variedade de jogos educacionais, desde os mais simples como o jogo de ‘Forca’, até os mais elaborados.
Os Simulados e Jogos de Aventura desenvolvem o raciocínio lógico, exigem inteligência e planejamento para resolução dos problemas das situações apresentadas. Os alunos, utilizando a linguagem do dia a dia, consultando dicionários, integrando-se a seus colegas, vão avançando e elaborando estratégias para a solução dos enigmas, conseqüentemente, vão descobrindo etapas e aprendendo a LE. Os programas recriam uma situação e o aluno deve tomar decisões, sendo necessário usar a língua para ler, escrever, ouvir, 'conversar' com a máquina, para poder atingir um determinado fim. O visual, o texto, o oral facilitam para o aluno o processo de aprender as novas informações.
Entre outras vantagens, o computador consegue transformar jogos comuns, oferecendo apresentações atraentes, claras com poderes de motivação. A disponibilidade das máquinas e a flexibilidade na seleção de jogos de acordo com a preferência dos usuários são pontos positivos que podem facilitar a aprendizagem.
Exemplos de jogos de aventura: Mystery House, Voodoo Castle, Treasure Hunt, Amazon, Sherlock Holmes, Prince of Persia, Seventh Guest,...
Exemplos de jogos R.P.G.: Monkey Island II, Sam & Max - Hit the Road, Indiana Jones - Fate of Atlantis,...
Exemplo de simulados: Geography Search, Sim City 2000,...
Cursos específicos para o ensino de LE em Multimídia
Os cursos para o ensino de línguas estrangeiras começaram a aparecer nos Estados Unidos nos anos 90, principalmente direcionados a crianças e adolescentes. Eles variam tanto na qualidade técnica quanto na pedagógica.
Citaremos alguns programas, os
quais estamos trabalhando com alunos do curso de letras da Unesp Assis:
O programa Ellis - Middle Mastery compõe-se de:
A - CD-ROM contendo os seguinte recursos: "full motion video" que mostra aos usuários contextos do cotidiano americano, através de exemplos textuais, visuais, reprodução de áudio e recursos para gravação. Ilustra o uso da gramática através de formas distintas e interativas, fornece jogos, exercícios de múltipla escolha e oferece ainda três níveis - fácil, médio e difícil - de prática e testagem.
O programa tem como objetivo aumentar a competência comunicativa do aprendiz por meio do ensino de vocabulário, gramática, expressões mais usadas, aspectos culturais, pronúncia e compreensão oral. Exige que os alunos tomem parte no desenvolvimento de suas próprias estratégias cognitivas e oferece a chance de acesso às informações de acordo com suas necessidades e interesses.
English Plus (Basic 3) é uma série de 11 Cds e está dividido em níveis: Let's Start 1; Básico 1,2,3; Intermediário 1,2,3; e Adiantado 1,2,3, e 4.
Para o desenvolvimento da leitura o programa oferece uma seleção de textos variados incluindo cartões postais, anúncios, avisos, cartas, contos, artigos de jornais e revistas. Se clicados, os ícones nos oferecem a idéia principal do texto, palavras-chave, palavras de referência, de ligação, tradução e a leitura do texto por um falante nativo. Os exercícios são do tipo múltipla escolha ou de preencher lacunas. Escolhi esse programa para trabalhar a leitura por seguir estratégias desenvolvidas dentro da metodologia do Inglês Instrumental.
Na parte de compreensão auditiva, se clicado o ícone "listening" no menu principal aparecerá um rádio, uma televisão e uma secretária eletrônica. O rádio tem opções que variam entre esporte, previsão do tempo, noticiários, novelas,...; na TV incluem-se filmes de aventura, drama e suspense. A secretária eletrônica tem mensagens de familiares, amigos e de trabalho e o usuário pode ouvir o texto completo, ver o texto, ver a tradução de uma seção selecionada, ouvir a seção selecionada, gravar sua voz e ouví-la. Os exercícios variam entre perguntas e respostas, preenchimento de lacunas e testes de múltiplas escolha.
Os jogos levam o usuário às diferentes cidades do mundo, onde o inglês é falado. Em alguma parte da cidade tem um objeto escondido. O objetivo é descobrir qual é o objeto escondido e onde ele se encontra. Para realizar esta tarefa, o aluno precisa utilizar as quatro habilidades.
Entre outros aplicativos, em
nossa pesquisa estamos trabalhando também com o Triple Play Plus e o English on
CD - ROM.
Enciclopédias e Dicionários
Também podem ser utilizados no ensino comunicativo de LE e, para isso, exigem certa criatividade do professor.
Longman Interactive English Dictionary - neste CD, interagem os seguintes dicionários: de definições, pronúncia, gramática, verbos, erros comuns e de gravuras. Além disso, ele possui 8 vídeos que mostram nosso cotidiano.
Esse dicionário pode ser usado em atividades do tipo:
- ensino prévio de vocabulário para preparar os alunos para atividades de leitura, escrita ou produção oral;
- pesquisa de informações fatuais sobre a vida ou cultura americana ou inglesa, ou buscar informações sobre pessoas famosas;
- integrado ao curso quando focalizamos um ponto gramatical em particular;
- ampliação do vocabulário buscando as "famílias de palavras". Por exemplo: selecionar no menu "Book" o "Full text" e procurar a palavra "flower" no data base. Aparecerão várias entradas contendo a palavra - definição ou como parte no exemplo de sentenças - aparecerá uma lista incluindo os diferentes tipos de flores, partes da flor, ...;
- apresentação de situações reais através de vídeos que mostram as diferentes funções de linguagem e o usuário pode optar entre ver o texto, a imagem e o som simultaneamente ou separadamente, ou ainda, selecionar expressões idiomáticas, pontos gramaticais, etc...
Enciclopédia Encarta
Com enciclopédias podemos realizar uma infinidade de atividades, como por exemplo: dividir os alunos em grupos para que cada grupo pesquise um assunto específico. Para isso, terão que selecionar os textos, ler, resumir, dar opinião pessoal sobre o assunto, discutir com o grupo, editar o texto e apresentar a pesquisa para a classe toda. Nessa tarefa, os aprendizes terão oportunidade de praticar as quatro habilidades da língua.
Nossa experiência, utilizando o Computador/Multimídia no curso de língua inglesa para os alunos do segundo ano do curso de Letras, tem nos mostrado que essa ferramenta oferece um ambiente favorável de aprendizagem, proporciona atividades interativas, é fonte de motivação e estimula a auto-aprendizagem.
A pesquisa sobre informática e ensino de LE está no início e certamente o Computador como recurso didático será cada vez mais presente.
BIBLIOGRAFIA
BALTRA, A., O Microcomputador no Ensino de Línguas Estrangeiras, S. Paulo: Nobel,1987.
BRETON, P. História da Informática, São Paulo: UNESP, 1991.
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WIDDOWSON, H.G. Teaching Language as Communication. Oxford Univ., 1978.
A ELIPSE COMO FATOR DE COERÊNCIA NO DISCURSO
FONSEQUIANO
Maria Cecilia ZANON[33]
Resumo: Este estudo tem por objetivo mostrar o papel da elipse
como operador de dependências entre enunciados distintos, ou entre os
enunciados e o contexto situacional num texto escrito.
Para tanto, analisamos algumas passagens do conto A arte de andar nas ruas do Rio de Janeiro,
da obra Romance negro e outras histórias
do autor Rubem Fonseca.
Procuramos nesse trabalho mostrar o papel da elipse como operador de dependências entre enunciados distintos, ou entre os enunciados e o contexto situacional no conto “A arte de andar nas ruas do Rio de Janeiro”, que se encontra na obra Romance negro e outras histórias, de Rubem Fonseca.
Como se sabe a elipse é a supressão de elementos que o contexto ou a situação permitem facilmente subentender. É possível situar a elipse dentro do que Jakobson (1963:47) chama de “escala ascendente de liberdade”, no que se refere à combinação dos enunciados no discurso. Para tanto, torna-se necessário o estudo do discurso, como seqüência ordenada e coerente de enunciados, através do exame das propriedades da seqüência, procurando “tirar ensinamentos, não daquilo que falta, mas do que está presente nos enunciados elípticos”. (Cherchi, 1978.:120)
No conto em questão é possível entrever tais aspectos do enunciado elíptico, pois trata-se de um texto cuja linguagem objetiva, realista e bastante atual, oferece-nos seqüências amplamente marcadas por tais superfícies elípticas.
1.
“Augusto, o andarilho, cujo nome verdadeiro é Epifânio, mora num sobrado em
cima de uma chapelaria feminina, na rua Sete de Setembro, no centro da cidade,
e anda nas ruas o dia inteiro e parte da noite. Acredita que ao caminhar pensa
melhor, encontra soluções para os problemas.” (p. 12)
Essa noção de falta, de supressão de elementos num enunciado leva-nos a considerar uma estrutura frasal que contenha os seus elementos constitutivos. O enunciado elíptico pode apresentar três, dois ou somente um desses elementos sem, no entanto, deixar de expressar claramente a intenção do emissor.
2. “- O que é isso aí
em cima?
- Uma clarabóia.” (p. 22)
Podemos notar que nesse exemplo a resposta à questão é elíptica, e são justamente as formas elípticas que estabelecem o laço necessário no enunciado.
Em uma resposta completa, o laço seria criado pelo estatuto interrogativo do primeiro enunciado e esta resposta, sendo completa, não necessitaria de nenhuma referência para ser compreendida.
Todavia, no caso da resposta elíptica, é de baixo para cima que se estabelece a dependência, isto é, é na resposta que a relação entre enunciados se concretiza.
Também é possível observar a interação dos enunciados de forma elíptica, dessa vez numa seqüência assertiva, no seguinte exemplo:
3. “- Deixa eu morar
aqui até aprender a ler.
- Só quinze dias.” (p. 29)
Podemos então observar que a
forma elíptica constitui-se num verdadeiro operador de dependências entre os
enunciados. Essas formas estabelecem a referência, confirmam e completam a
idéia do enunciado anterior.
Conforme nos diz Jakobson (op. cit.:47), “ na combinação das frases em enunciados, a ação das regras impositivas da sintaxe cessa e a liberdade de todo locutor cresce substancialmente”, e, ao analisarmos seqüências dialogadas, podemos verificar que essa liberdade de criação reduz os enunciados a enunciados elípticos os quais estabelecem a dependência entre eles mesmos ou entre o enunciado e a situação contextual.
4. “- Senta aqui, diz
para a mulher.
-
Onde está a cama? diz ela.
-
Anda, senta, diz ele, sentando-se na outra cadeira. Eu sei ler, desculpe ter
mentido para você. Sabe o que estava escrito naquele cartaz no bar? Refeição
comercial. Eles não vendem fiado, é verdade, mas isso não estava escrito na
parede. Eu quero te ensinar a ler, pago o combinado.
-
Você é broxa?” (p. 22)
Talvez, inicialmente, possamos imaginar que se trata de uma seqüência desconexa, mas é no enunciado Onde está a cama? que encontramos a evidência da dependência entre esses enunciados, pois é ele que nos remeterá a um enunciado anterior que introduz a personagem - uma prostituta escolhida por Augusto, para ensiná-la a ler.
Os quatro enunciados mostram uma interdependência tão grande que dificulta uma possível análise individual dos turnos.
O enunciado Você é broxa? age como elo dos três enunciados anteriores e tem como referência direta o contexto expresso no exemplo Onde está a cama?, que nos remete à situação contextual global da estória, esclarecendo que se trata de uma prostituta. O enunciado seguinte (Anda, senta... pago o combinado), revela-nos o motivo de sua presença na casa de Augusto.
O laço discursivo estabelecido pela elipse é um laço necessário, porque, se o enunciado elíptico não remete o receptor a um outro enunciado do discurso, ele supõe sempre uma referência ao contexto situacional, como no exemplo a seguir:
5. “- Vamos, o Velho
está esperando, diz Augusto.
- Bagulho ordinário, diz Kelly.” (p. 37
O enunciado bagulho ordinário não faz alusão ao anterior, mas nos remete automaticamente ao contexto, no qual, sabe-se que um grande número de objetos expostos pelos camelôs é atentamente observado por Kelly.
Já que não existe gramaticalidade interna nos enunciados elípticos, a relação por eles estabelecida é uma garantia de aceitabilidade, pois sua forma incompleta tem força ilocucionária independente. (Cherchi, op. cit.:125)
Nessa próxima seqüência podemos observar como o enunciado elíptico opera dependências no contexto situacional.
Os três personagens Augusto, Kelly e o Velho, conversam num restaurante. É uma conversa entremeada de reflexões nostálgicas, frases áridas, discursos afetados, enfim, uma conversa aparentemente desprovida de conexão.
6. “- Ela era muito
bonita. Nunca mais vi uma moça tão bonita.
-
Come o arroz, vai ficar frio, diz Augusto.
-
Ela mancava de uma perna. Isso para mim não tinha importância. Mas para ela era
importante.
- É
sempre assim, diz Kelly.
-
Você tem razão, diz o Velho.
-
Come o arroz, vai ficar frio.
-
As mulheres de vida airada são detentoras de uma sinuosa sabedoria. Você me deu
um momentâneo conforto ao mencionar a inexorabilidade das coisas, diz o Velho.
-
Obrigada, diz Kelly.
-
Come o arroz, vai ficar frio.
-
Vai ser tudo derrubado, diz o Velho.
-
Antigamente era melhor? pergunta Augusto.
- Era.” (p. 38)
Nessa seqüência de frases cortadas, podemos perceber como a elipse marca a dependência dos enunciados, transformando-a num bloco coeso e complexo.
O enunciado Come o arroz, vai ficar frio, repetido três vezes por Augusto, à primeira vista parece estar desvinculado dos demais, no entanto, não somente nos remete à situação do contexto no restaurante, como nos revela a tentativa do enunciador de evitar o envolvimento com as outras personagens, ao interromper as lembranças do velho. Kelly, ao contrário, ao se manifestar dizendo É sempre assim o ouve e participa de seus devaneios, estendendo a asserção para outras situações semelhantes.
Outra faceta da elipse que nos parece importante apontar é a de possibilitar a criação de um efeito ligeiramente cômico, surgido a partir de situações inusitadas fornecidas pelo autor, como nesta seqüência:
7. “- O que o senhor
quer de mim? Um pacto?
-
Entrei no seu cinema por acaso, por causa das cápsulas com selênio.
-
Cápsulas com selênio, diz o pastor, empalidecendo ainda mais. Não era selênio
um dos elementos usados pelo demônio?
Ele não consegue se lembrar.” (p. 42)
Nessa seqüência, aparentemente, não há coerência, pois além de encontrarmos frases reduzidas, deparamo-nos com palavras de campos semânticos diversos: pacto, cinema, cápsulas de selênio, pastor, levando-nos a uma sucessão de observações desconexas.
Atento aos fatos que consegue perceber e levado a compreender a situação confusa em que se encontram as personagens, o leitor apreende intuitivamente os fatos narrados, porque somente na situação contextual é que ele vai buscar a fonte que estabelecerá a coerência.
A lógica só é estabelecida quando se percebe que se trata da estória de um escritor, com uma orelha cortada, que casualmente, ao procurar uma farmácia para comprar as cápsulas de selênio, entra no templo onde trabalha o pastor Raimundo. Este estranha a presença de um homem sem uma orelha, e acredita que ele é o demônio. Outro dado fundamental para a recuperação da coerência é saber que esse templo, à noite, transforma-se em uma sala de cinema, onde se exibem filmes pornográficos.
O autor criou uma situação inusitada, paradoxal, avultada pelo uso da elipse entre os enunciados. O laço discursivo é, então, estabelecido por esse elemento argumentativo, que é uma unidade necessária, pois se por um lado seu uso aumenta a singularidade do discurso, por outro possibilita a recuperação da normalidade da situação contextual. A situação já está presente no espírito do receptor, condicionando assim a compreensão dos enunciados, capacitando-o a estabelecer as interdependências entre eles e a situação em que esses enunciados se inserem.
Após a análise das várias ocorrências da elipse no conto A arte de andar nas ruas do Rio de Janeiro, podemos constatar a importância desse fenômeno lingüístico na estruturação textual.
Podemos concluir que o emprego da elipse nesse conto nos permite confirmar seu papel de articulador de referentes textuais e situacionais e sua relevância para a configuração do texto, no que concerne à integração entre enunciados e entre enunciador e receptor.
BIBLIOGRAFIA
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MATEUS, M. H. M., et al. Gramática da língua portuguesa. Coimbra: Livraria Almedina, 1983.
AVALIAÇÃO DE REDAÇÃO: A COESÃO
Marilurdes ZANINI[34]
Renilson José MENEGASSI[35]
Resumo:
A planilha de avaliação de redação em situação de concurso vestibular da UEM é
composta por dois campos: conteúdo e forma. Na forma estão três itens:
tipologia textual, emprego da norma padrão-culta e coesão. Neste trabalho,
apresentamos a avaliação do item coesão, os seis aspectos por nós considerados
e exemplificamos a avaliação com redações produzidas no vestibular de janeiro
de 1997.
Introdução
A planilha de avaliação de redação da Universidade Estadual de Maringá (UEM) divide-se em dois campos: forma e conteúdo. O campo da forma é composto de três itens: tipologia textual, emprego da norma padrão-culta e coesão. Nessa planilha, que a UEM vem desenvolvendo, a coesão é composta por uma escala de seis características, com valoração própria, no intuito de permitir uma análise mais objetiva da redação a ser avaliada.
Neste trabalho, apresentamos a avaliação do item coesão, os aspectos nele envolvidos e exemplificamos com redações produzidas no concurso vestibular de 1997 da UEM.
1. A coesão
A coesão é responsável, de certa forma, pela manifestação lingüística da coerência, como expressa Val (1991:6): “advém da maneira como os conceitos e relações subjacentes são expressos na superfície textual”. Sua construção se faz através de mecanismos gramaticais e lexicais que contribuem para a formação da textualidade.
Charolles (1988) denomina a coesão, no nível microestrutural, como um fator formador da superficialidade do texto. Já Mateus et al. (1983) denominam-na como conectividade seqüencial. Beaugrande e Dressler (1981) situam-na no nível microestrutural, enfatizando a seqüencialidade das palavras usadas e suas ligações entre si dentro do texto.
Por ser responsável pela unidade formal do texto, enquadramos a coesão no campo da forma na planilha de avaliação da UEM, uma vez que neste item são analisados os empregos de pronomes anafóricos, artigos, elipse, concordância, conjunções, a reiteração lexical, a substituição e a associação, entre outros exemplos. Esses elementos superficializam os conceitos subjacentes que a coerência constrói no texto.
2. A coesão na planilha de avaliação da UEM
Na planilha de avaliação de redação da UEM (Zanini e Menegassi, 1996), a coesão é composta por seis aspectos que permitem uma avaliação mais objetiva da redação. Esses aspectos são demonstrados em uma gradação que vai da ausência de elementos coesivos à apresentação de ótimas marcas de coesão.
Os aspectos da coesão são os seguintes:
a) Ausência de marcas coesivas - A redação apresenta ausência de elementos coesivos ou uso completamente inadequado daqueles que o seu autor se aventurou a empregar, comprometendo a leitura do texto.
b) Marcas coesivas mínimas - A redação apresenta alguns elementos coesivos esporadicamente, sem demonstrar com segurança a função desses elementos, empregando marcas coesivas mínimas.
c) Marcas coesivas - A redação apresenta poucos elementos coesivos, problemas de seqüência com comprometimento da estrutura interna dos parágrafos e desses entre si.
d) Marcas coesivas razoáveis - A redação apresenta elementos coesivos, mas não os explora como deveriam ser explorados.
e) Marcas coesivas boas - A redação apresenta uso adequado de elementos coesivos, sem muita exploração; mas, também, não apresenta problemas significativos de coesão.
f) Marcas coesivas ótimas - A redação apresenta exploração, com adequação, dos elementos coesivos mais comuns.
Na planilha de avaliação, a coesão recebe uma pontuação de 1 a 10 pontos[36], numa escala valorativa de 60 pontos do total da redação, distribuídos entre os seis itens que a compõem. Dessa forma, a coesão corresponde a 16,66% do total da redação avaliada, o que, numa escala de 0 a 100 pontos, a coesão também corresponderia a 16,66.
3. Algumas exemplificações
As redações apresentadas como exemplificação nesta seção foram produzidas no concurso vestibular de janeiro de 1997 da UEM, cuja proposta temática teve o estímulo de um texto retirado da revista Istoé, que tratava da questão dos empregos na sociedade atual, enfocando as profissões que estão em alta e em baixa no mercado atual. Nesse tema, o comando requisitava um texto dissertativo.
O aspecto ausência de marcas coesivas não será aqui analisado, por não ter sido encontrado em nenhuma das redações avaliadas em janeiro de 1997, o que é um bom sinal da influência que a Lingüística Textual vem realizando no 1º e 2º graus de ensino. Os elementos coesivos estão destacados em todos os textos como forma de melhor visualização.
3.1 Marcas coesiva mínimas
A informatização, na procura de melhorar a qualidade
de seus produtos. Empresários cada vez mais envestem em informática. Como
a informação também está feita pela informática (INTERNET), os projetos
de construção para edifícios, ETC. Com a informatização, empresários vêm como
uma economia de dinheiro, substituir empregados por computadores.
A informática trouxe muitos benefícios e
continua trazendo, cada vez mais surgem nos empregos em decorrência do
processo de globalização, onde a concorrência por trabalhos almenta e quem
não estiver preparado, com estudo.
O Brasil está em tempos de transformações, a
informática faz parte da vida de milhões de brasileiros, mas faltam
muitos brasileiros para terem computadores, enquanto a miséria
continuar, o Brasil não vai mudar muito.