OS MARCADORES DISCURSIVOS AGORA  E ENTÃO, NO PORTUGUÊS FALADO: DUAS ORIENTAÇÕES ARGUMENTATIVAS EM CONFRONTO

 

Mercedes Sanfelice RISSO[1]

 

RESUMO: Entre as várias particularidades da função articuladora dos Marcadores agora e então, no texto falado, destaca-se a diferença de orientação argumentativa com que relacionam instâncias da seqüência informacional, numa direção de re-ordenação ou de linearidade expositivo-argumental.

Essa diferença de orientação é vista como projeção, no domínio discursivo, das propriedades dêiticas prospectiva / retroativa dos correspondentes itens adverbiais, evocadas pelos Marcadores.

 

O objetivo desta exposição é examinar as unidades agora e então, em sua condição  particular de Marcadores Discursivos (como em 1. e 2.), diferenciada do estatuto de advérbios temporais assumido pelas mesmas formas, na expressão de uma concomitância com o momento da enunciação (3.) ou com um passado previamente inscrito no enunciado (4.).

 

1.  L1 - (...) ela se realiza um pouquinho como artista...

no piano... não é? Agora :: o Luís... o de

seis anos

 L2 - ahn ahn

 L1 - ele :: desde pequenino ele é ((vozes ininteligíveis))

desde pequeno o Luís gosta... da história do

homem ...

(NURC-D2-SP-360, l. 1415-1420)[2]

 

 

2.  Inf. - ... bem ... uma última coisa que eu gostaria

de dizer é o fato de que nessa época ainda não

existe preocupação com composição ... o que a gente

encontra são desenhos ... individuais ... então nós

vamos terminar aqui hoje ... e a aula que vem com

a ajuda dos slides ... se as cortinas chegarem estiverem

instaladas ... vocês vão poder perceber ... tudo isso (do) que a

gente está falando ...

(NURC-EF-SP-405, l. 400-409)

 

 

3.   L1 - agora ele está com seis anos ... e ele aprendeu

a ler ... então ... ele lastima não ter e :: aprendi-

do antes a ler ...

(NURC-D2-SP-360, l. 1438-1439)

 

 

4. A Kroll atuou na CPI do Collorgate, em 1992, que culminou com o impeachment do  então presidente Collor.

(Folha de S.Paulo, 21/04/97, 1.1)

 

Essa delimitação do objetivo de análise, com foco nos Marcadores (M.), situa automaticamente a presente abordagem fora do escopo da sentença — onde os advérbios costumam atuar como elementos adjuntos de constituintes ou do enunciado sentencial como um todo —  e dentro do domínio das relações textuais-interativas. É, com efeito, neste domínio, que os M. definem sua participação, como mecanismos verbais da enunciação envolvidos simultameamente no amarramento textual das porções de informação progressivamente liberadas ao longo da fala e no encaminhamento de perspectivas do falante em relação ao assunto e ao interlocutor.

Dentro dessa função geral de articulação entre partes do texto falado imbricada na expressão de relações interpessoais, destaca-se uma particularidade básica que diferencia entre si os dois M.. Essa particularidade, que aqui será objeto de consideração, está relacionada à qualidade de orientação argumentativa com que um e outro M. aparece intermediando o desdobramento de aspectos informacionais novos dentro da unidade tópica[3], ou, para além dela, no âmbito da estruturação intertópica.

Através de uma rápida amostragem, procuraremos caracterizar a atuação dos dois M., na sinalização de perspectivas diferentes de encaminhamento da informação que está sendo apresentada[4]:

 

5.  L2                                                o menino detesta

escola... então::...ele acor::da...e te pergunta do quarto

dele se tem aula... se TEM Aula (ele diz) “DROga estou com

sono quero dormir eu tenho dor disso dor daquilo” ... agora

dias que não tem aula ele pergunta e a resposta é negativa aí

então ele diz para a irmã... “levanta que hoje não tem aula

podemos brincar”  (risos) aí

levan::tam

[

L1   (ótimo)

L2   é tudo sem problema

L1   ahn

L2   isso com cinco anos hein calcula o que que me espera mais

tarde ((risos))... (quer dizer o que espera por ele)...

que a alternativa que a gente dá para ele é se não quiser ir à

escola então vai trabalhar... mas trabalhar o dia inteiro... que

é como o pai

L1   coitado cinco anos

  [

L2                         é

L1   e já... colocado assim nessa alternativa não?

[

L2                                                               porque:: já

pensou que que eu vou dizer para ele se ele não for eu não sei

realmente eu chego na eu fico:: indecisa... porque acho

muito cedo para impor mas também se ele aprender a que di-

zendo que não quer ir não vai... eu estou criando um prece-

dente muito sério...

L1   agora talvez ele goste de ficar na cama até mais tarde...

não seria conveniente mudá-lo de período escolar?

(NURC-D2-SP-360, l. 338-364)

 

O tópico em destaque, na passagem transcrita, é a rejeição que o filho de L2 tem pela escola. A primeira ocorrência de agora promove uma ligação local, entre segmentos intratópicos, que registram atitudes diversificadas do menino, de acordo com a variação das circunstâncias associadas à vida escolar, dentro do seguinte esquema:

 

A                                                                                B

    dias de aula                                                               dias sem aula

            ¯                                                                              ¯

   reação: ter sono, querer dormir até        agora        reação: levantar cedo para

               tarde, fazer-se de doente                                         brincar com a irmã

 

 

A interposição do M. é o primeiro sinal antecipador do encaminhamento subseqüente da informação numa direção levemente contrastiva, definida pelo confronto de comportamentos diferenciados que, em conjunto, permitem evidenciar a resistência do garoto à escola.

Diferentemente dessa primeira ocorrência, que atua no plano intratópico e no curso da fala de uma mesma locutora (L2), a segunda ocorrência de agora, na parte final do trecho transcrito, envolve ao mesmo tempo uma alteração de tópico, de locutora, de modo discursivo e de ponto de vista.

A partir do M., presente nesse ponto, o fluxo informacional transita para um novo conjunto de referentes: a centração deixa de estar no tópico da rejeição do filho de L2 pela escola, e começa a  direcionar-se para a questão da escolha do período escolar; esse novo tópico, esboçado aqui apenas em  sua parte introdutória, ganha extensão considerável no texto original.

A transição para outro tópico, encabeçada pelo M., corresponde à manifestação de um ponto de vista diferente a respeito das atitudes do menino. O tom sugestivo (talvez ele goste de ficar na cama até mais tarde ...), preparatório da pergunta lançada logo a seguir (não seria conveniente mudá-lo de período escolar?), constitui um modo discursivo contrastante com o que vinha em curso e associa o comportamento do menino não com a malandragem (visão anterior, de L2), mas com uma possível inadequação da escolha do período escolar (visão de L1). Assim ancorado no jogo da interação e anunciando uma manifestação discordante de L1 com relação à avaliação precedente da interlocutora, o M. de articulação intertópica acumula propriedades pragmáticas típicas de um conector contra-argumentativo. (cf. ROULET et alii, 1985).

Esses dois dados, embora sejam apenas uma amostra da funcionalidade do M. agora, servem como base para acusar a sua natureza essencialmente prospectiva. A prospecção se deve à propriedade que tem agora de fazer avançar o discurso para uma situação sempre nova, com força de ressalva, contraposição, reordenação de enfoque, desacordo, relativamente a uma situação já posta dentro do mesmo tópico, ou no tópico anterior. Como comenta SCHIFFRIN (1987),  agora tem um foco catafórico que direciona a atenção sobre aquilo que o falante está para dizer, ainda que seu pronunciamento tenha como referente a informação dada em um ponto anterior da fala (p. 241).

É essa qualidade proativa de agora que explica a tendência para a ausência desse M. no fecho de unidades tópicas, e sua presença marcante na abertura de tópicos articulados entre si — sobretudo quando se constituem seqüências de teor comparativo, como aquela em que L1 discorre sobre as tendências vocacionais de cada um de seus seis filhos, parcialmente ilustrada na passagem 1., do início desta apresentação.

Contrapondo-se a essa natureza catafórica de orientação, típica de agora, entra em cena o M.  então, cuja identidade básica está no teor fortemente retrospectivo de sua sinalização.

Com efeito,  então se define por uma constante ancoragem em instância preliminar do discurso, para daí depreender o rumo da sucessão dos eventos e argumentos dados mais à frente. Essa particularidade, de cunho basicamente anafórico, cria, com respeito à informação a ser introduzida, um efeito de previsibilidade: a expectativa que automaticamente aparece, a partir da instalação desse M., é de algo novo a ser posto no discurso, em continuidade ou consonância com o que já é dado, sempre na mesma linha sucedânea de argumentação antes delineada.

Reportando-nos à passagem (5.) transcrita, fica evidente esse teor de previsibilidade, na relação que então aí estabelece, em suas duas ocorrências como M..

Na primeira delas, observa-se a presença de então intermediando uma relação pontualizada dentro do tópico, pela qual uma segunda parte da seqüência informacional (ele acorda e te pergunta, etc, etc) adere à primeira (o menino detesta escola), com orientação tipicamente ilustrativa e  confirmadora do fato nesta declarado.

Na segunda ocorrência, pouco mais adiante, a ligação entre os fatos reportados antes e depois do M. é ainda mais estreita: então firma aí a idéia de que a reação do menino (disposição para levantar e brincar) é diretamente motivada pelo fato previamente referido na fala da locutora (resposta de que não é dia de aula).

Um estudo mais detalhado permitiria expor as variações de atuação de então, mobilizando estruturas de retomadas de informações temporariamente interrompidas, ou veiculando articulações de nítida dependência lógico-semântica de decorrência, conclusão ou resultado entre fatos ou argumentos.

Uma dessas variações está associada ao seu freqüente uso como fecho de unidades tópicas, em feitio de síntese retrospectiva ou arremate natural das idéias expostas, sempre em harmonia com a linha sucedânea de argumentação desenvolvida no seu interior.

Esse contexto de ocorrência é brevemente documentado pela passagem 2., do início. Nela, vemos o M. projetando-se retrospectivamente sobre toda a elocução precedente da professora a respeito da arte pré-histórica, estabelecendo-se como um veículo preparador do encerramento formal da aula.

·

·           ·

 

Os elementos aqui expostos sobre a diferença de orientação impressa pelos dois M., na dinâmica das relações textuais-interativas, põem em relevo o foco proativo de agora e retroativo de  então, como propriedade básica geral envelopante de todos os seus empregos.

A manifestação dessa propriedade acusa desdobramentos ou projeções, no domínio do texto, de aspectos típicos da indiciação dêitico-anafórica das correspondentes formas adverbiais.

Com efeito, o modo de significação de teor indicativo do advérbio temporal  agora, visível em 3.,  atrela a expressão do tempo por ele provida, não diretamente com uma referência bio-objetiva, mas com o momento da enunciação. Define, assim, o enquadramento cronológico do evento narrado por sua relação de contemporaneidade com o ato concreto de produção discursiva.

Em seu uso como M., agora também estabelece uma relação indicial de concomitância entre a instância da fala em curso e um “evento” referenciado. Mas esse “evento”, no caso, é interno ao próprio discurso, ou, antes, é o evento discursivo em si próprio. Nesse sentido, pode-se afirmar que a indicação “temporal”, contida no M., está em estabelecer a atualidade de um segmento a se instalar no curso da fala, relativamente a outro que acaba de ser manifesto, e em materializar, com isso, internamente e duplamente a própria enunciação. Perde-se, portanto, a referência temporal do advérbio, ou seja, o elo com um fato ou acontecimento cronologicamente enquadrado por sua relação de contemporaneidade com a instância enunciativa. Mantém-se por outro lado, na significação do M., o estrato dêitico de uma referência temporal, estritamente interna ao episódio discursivo.

Nessa referência interna, assim disposta, o seu foco é catafórico, pontualizador do que está para ser dito mais à frente e sinalizador de que uma nova orientação informativo-argumentativa se inscreve, mudando de alguma forma o rumo da seqüência discursiva anterior. Essa ressonância particular da dêixis no plano das relações textuais-interativas revela que o M. agora, muito mais do que um advérbio vazio, é um instanciador pragmático da enunciação, atuante na organização do fluxo da informação e no estabelecimento da coesão textual.

Quanto a então, sua invariável ancoragem em instância tópica preliminar do texto, viabilizando a continuidade deste sempre em perfeita consonância com uma seqüência informacional já posta, remonta ao item adverbial — este, por sua vez, semanticamente estabelecido como unidade mostrativa anafórica, referenciadora de um passado inscrito em instância anterior do enunciado.

A análise do comportamento dos dêiticos adverbiais anafórico-catafóricos constitui, dessa forma, um campo extraordinariamente fértil para a investigação de fenômenos da estruturação textual-interativa e, portanto, para o tratamento de questões gramaticais que transcendem o âmbito da frase.

 

BIBLIOGRAFIA

 

CASTILHO, A. T. de e PRETI, D. (orgs.). A Linguagem Falada Culta na Cidade de São Paulo. São Paulo: T. A. Queiroz, 1986, Vol. I - Elocuções formais.

 __________. A Linguagem Falada Culta na Cidade de São Paulo. São Paulo: T. A. Queiroz/FAPESP, 1987, Vol. II - Diálogos entre dois informantes.

JUBRAN, C.C.A.S., URBANO, H. et alii. Organização Tópica da Conversação. In: ILARI, R. (org.) - Gramática do Português Falado. vol. II. Campinas: UNICAMP, 1992.

RISSO, M. S. Agora... o que eu acho é o seguinte: um aspecto da articulação do discurso no português culto falado”. In: CASTILHO, A. T. de (org.) Gramática do Português Falado. Campinas: São Paulo: UNICAMP/FAPESP, 1993, vol. III.

__________. O articulador discursivo então. In: CASTILHO, A. T. de e BASÍLIO, M. (orgs.)  Gramática do Português Falado. Campinas: São Paulo: UNICAMP/FAPESP, 1996, vol. IV.

ROULET, E. et alii. L’articulation du discours en français contemporain. Berna: Peter Lang, 1985.

SCHIFFRIN, D. Discourse Markers. Cambridge: Cambridge University Press, 1987.

 


 ASPECTOS ESTRUTURAIS DO GÊNERO PARABÓLICO NA PARÁBOLA DO FARISEU E DO PUBLICANO.

 

 

Marco Antônio Domingues SANT’ANNA[5]

 

 

Resumo: Diante da insuficiência dos estudos teóricos sobre o gênero da parábola, o presente trabalho visa a apresentar alguns traços estruturais que auxiliam na formulação de um conceito sobre essa forma literária. Tal apresentação será realizada a partir da exposição de uma das muitas ocorrências do gênero no texto bíblico neo-testamentário que, na verdade, tem-se constituído como referência para a consagração da modalidade parabólica: “A parábola do fariseu e do publicano”.

 

 

Da pesquisa sobre a conceituação da parábola como um gênero literário, o que se pode declarar inicialmente é que, especialmente em língua portuguesa, o material bibliográfico é bastante limitado. Várias das obras de teoria literária em que se buscou um conceito sobre o gênero nem sequer traziam alistado o verbete. Mesmo aquelas em que se pôde encontrar algo a respeito se mostraram um tanto quanto lacônicas na apresentação do conteúdo pesquisado. Contudo, para o estabelecimento de um confronto, passaremos primeiramente a elencar as várias definições encontradas e, a partir daí, procurar analisar as características gerais da parábola.

Iniciaremos com a definição de Augusto J.S. Magne, em Princípios elementares de literatura (MAGNE, 1935), em que se tem o seguinte:

 

parábola é uma breve narração alegórica, de tendência moral. Difere do conto apenas por ter extensão menor.

 

Segundo o Dicionário de Termos Literários (MOISÉS, 1985), de Massaud Moisés, no verbete "parábola" se lê:

 

do grego parabolé, comparação, alegoria. Narrativa curta, não raro identificada como o apólogo e a fábula, em razão da moral explícita ou implícita que encerra e da sua estrutura dramática. Todavia, distingue-se das outras duas formas literárias pelo fato de ser protagonizada por seres humanos. Vizinha da alegoria, a parábola comunica uma lição ética por vias indiretas ou símbolos. Numa prosa altamente metafórica e hermética, veicula-se um saber apenas acessível aos iniciados. Conquanto se possam arrolar exemplos profanos, a parábola semelha exclusiva da Bíblia, onde são encontradas em abundância: O Filho Pródigo, A Ovelha Perdida, O Bom Samaritano, O Lázaro e o Rico, etc..

 

Sebastião Cherubim, no Dicionário de Figuras de Linguagem (CHERUBIM, 1989), utiliza a mesma definição apresentada por Massaud Moisés, conforme citado acima. Já Afrânio Coutinho, na Enciclopédia da Literatura Brasileira (COUTINHO, 1989), oferece a seguinte definição:

narrativa literária curta, destinada a veicular princípios morais, religiosos ou verdades gerais, mediante comparação com acontecimentos correntes, ilustrativos, usando seres humanos. É assim relacionada à fábula e à alegoria. Exemplos clássicos estão na Bíblia, como a Parábola do Filho Pródigo e a do Bom Samaritano.

 

Por sua vez, Hênio Tavares, em Teoria Literária (TAVARES, s/d) apresenta também sua definição:

parábola é uma narrativa curta de sentido alegórico e moral. Nas parábolas não entram os animais, essencialmente falando, como nas fábulas, nem os seres inanimados, como nos apólogos. Entram apenas acidentalmente, pois a medida direta da parábola é o homem e sua destinação transcendente. Nas fábulas e apólogos os bichos e as coisas referem-se indiretamente aos homens contendo lições quase sempre críticas e satíricas. Nas parábolas, os ensinamentos procuram ser mais profundos e menos pragmáticos como nas duas outras espécies alegóricas. Melhores exemplos de parábolas não encontramos do que as que deixou Jesus no Novo Testamento, como a do Filho Pródigo, a do Bom Samaritano, a do Semeador, etc..

 

Wolfang Kayser, na sua Análise e Interpretação da Obra Literária (KAYSER, 1958), também toca na questão ao observar que fala-se de parábolas quando todos os elementos de uma acção, exposta ao leitor, se referem, ao mesmo tempo, a uma outra série de objetos e processos. A clara compreensão da acção do primeiro plano elucida, por comparação, sobre a maneira de ser da outra. A rigidez na construção duma parábola provém da intenção didática. Os exemplos mais conhecidos são as parábolas da Bíblia ("O reino dos céus é como um semeador..."). Como "parábola, num sentido mais restrito, entende-se uma forma literária que, no todo, contém uma comparação. No fundo, a fábula, é uma forma especial de parábola.

Fazendo-se, pois, um confronto entre os conceitos apresentados, pode-se observar claramente alguns pontos comuns. O mais aparente deles, indiscutivelmente, é o fato de todos os autores remeterem ao texto bíblico neo-testamentário para indicarem um exemplo de parábola. Percebe-se que há um consenso de que esse material é o mais exemplar em relação ao gênero e que ele constitui uma referência inalienável sobre o assunto. Esse fato, inclusive, justificou uma pesquisa subseqüente em bibliografia especificamente teológica sobre os conceitos cristãos do discurso parabólico, que segue apresentada ainda nesta seção do trabalho.

Um outro aspecto que parece se apresentar como confluente entre as definições acima mencionadas é o de a parábola constituir uma narrativa. Em todas as citações a palavra aparece explicitamente, com exceção da de Wolfgang Kayser que fala de "elementos de uma acção", o que, por sua vez, não deixa de pressupor uma narrativa. Sendo assim, essencialmente falando, a parábola envolve um processo narrativo, imagina-se, com suas características particulares.

Poderíamos a esta altura observar o tratamento dos personagens, na narrativa do fariseu e do publicano.

Em primeiro lugar, verifica-se a não indicação de nomes das personagens. Em seguida, passa-se à sua caracterização, que, por sinal, não atenta para aspectos físicos e mesmo a psicológica só pode ser inferida através dos discursos das personagens.

Em resumo, quanto ao fariseu, a sua postura, o seu afastamento físico dos outros adoradores, o conteúdo da sua oração, tudo contribui para a configuração de um tipo humano orgulhoso, preconceituoso e auto-suficiente. Por sua vez, ao contrário, o publicano, também pela sua postuta, pela sua oração, pelos motivos que o levaram a se manter afastados dos demais, revela-se um homem consciente de suas limitações, que aceita seus fracassos e que, diante da divindade, clama por misericórdia.

Isto posto, podemos verificar que nesta parábola (e, sabidamente, em outras também) as personagens são tipificadas.

Entretanto, o aspecto das particularidades não foi explorado detidamente por nenhum dos teóricos em que o verbete apareceu, talvez pela própria natureza das obras pesquisadas. Todavia, como de qualquer maneira não há nenhuma outra bibliografia em língua portuguesa que desenvolva minimamente esse aspecto constitutivo do discurso parabólico, o fato constitui uma lacuna teórica que exigiria uma reflexão mais vertical para concluir em que moldes essas características essenciais da narrativa aparecem concretamente no texto da parábola. Questões como as que interrogam, por exemplo, sobre o tratamento dispensado ao fator tempo da ação, ou, ainda, sobre a própria natureza dessa ação e, talvez, outras mais, ainda aguardam por reflexões mais extensivas. 

Também com exceção de Wolfgang Kayser, todos os outros autores a que se recorreu, para trabalhar com conceitos gerais da parábola, são unânimes em, pelo menos, apontar alguns indícios de traços característicos da narrativa parabólica: primeiramente, mostram que ela é curta, breve, chegando Augusto J.S.Magne a declarar que a diferença entre a parábola e o conto reside apenas no fato de a primeira ser de extensão menor. Obviamente, tal declaração poderia ser questionada em termos gerais, especialmente se se tratasse de discutir o aspecto das funções da parábola e do conto que possivelmente se apresentariam com objetivos diferenciados entre si. Entretanto, por outro lado, como já foi mencionado neste trabalho, Aurélio Buarque de Holanda Ferreira e Paulo Rónai, em Mar de Histórias - Antologia do Conto Mundial, apresentam a parábola como uma "influência decisiva em toda a evolução do conto"[6]. Sendo assim, se estabelece de fato uma relação íntima entre o conto e a parábola. Contudo, como o foco, neste ponto, incide sobre o aspecto da extensão da narrativa da parábola, nos limitaremos a mostrar que ela, consensualmente, é considerada uma narrativa curta. Por exemplo, a parábola em questão apresenta 107 vocábulos, contando com os dêiticos, preposição, artigos e outros.

Esse dado, por sua vez, sugere algumas questões que poderiam ser tratadas em outro momento como a que elabora sobre a possibilidade de haver alguma razão identificável para o discurso parabólico, dentre os vários tipos de narrativa, se apresentar com essa característica de ser curto.

Outro aspecto que reclama nossa atenção no confronto dos vários conceitos de parábola já apresentados é o das relações que esse tipo de narrativa mantém com a alegoria. No dizer literal de Massaud Moisés, ela é "vizinha da alegoria" e é também "altamente metafórica". Augusto Magne fala de "narração alegórica" e Hênio Tavares de "narrativa de sentido alegórico". Sem usar explicitamente o vocábulo, Afrânio Coutinho declara que a parábola exerce suas funções "mediante comparação com acontecimentos correntes, ilustrativos..." o que, em última análise, constitui alegoria. Mais adiante, contudo, ele o diz de maneira desvelada, relacionando a parábola, de maneira direta, à alegoria. Nessa linha, Wolfgang Kayser apresenta a expressão "acção do primeiro plano", sugerindo a existência de uma outra ação que seria a do segundo plano. Segundo o teórico, a ação do primeiro plano, através de um processo comparativo, elucida a ação do segundo. Tal comportamento literário descrito por Kayser se apresenta, pois, como alegórico. O que há que se destacar primeiramente é o fato de a narrativa como um todo ser alegórica e não apenas um ou outro vocábulo ou uma ou outra expressão. O conjunto todo constitui a alegoria. De maneira bem cristalina, Kayser observa que "quando todos os elementos de uma acção, exposta ao leitor, se referem, ao mesmo tempo, a uma outra série de objectos e processos" pode-se falar de parábolas. Ligado a essa questão da alegoria, pode-se refletir, mesmo que rapidamente, sobre o hermetismo dessas construções, fator, inclusive, já apontado objetivamente - ainda que sem maiores explicações - por Massaud Moisés em suas considerações. O citado autor chega a declarar que, devido a esse elemento, o saber veiculado através da parábola é acessível apenas a um grupo de iniciados. Por outro lado, Afrânio Coutinho esclarece que a alegoria é construída através do uso de acontecimentos correntes que se tornam ilustrativos da verdade que, porventura, se queira veicular. Desta maneira, pode-se perceber que o hermetismo de que fala Massaud é relativo, pois, pensando-se num público original, os "acontecimentos correntes" mencionados por Coutinho esclarecem sobre o conhecimento e a atualidade dos fatos da ação mencionados na parábola. O dito hermetismo pode existir, sim, em relação a um leitor distanciado tanto temporal quanto espacialmente do contexto original em que se produziu a parábola.

Mais uma vez o dado em si de uma característica da narrativa parabólica - desta vez o de constituir uma alegoria - pode sugerir pelo menos uma questão decorrente como a da possibilidade de existir um motivo específico de se comunicar uma mensagem através de alegoria e não de uma maneira mais objetiva e direta. Entretanto, como o propósito de apenas estabelecer um confronto entre dadas definições de parábola, deixaremos mais esta indagação em suspenso.

Outro elemento que se destaca nas definições dos autores é o da função da parábola de veicular princípios morais e religiosos. Um dado que confirma essa observação é, por um lado, o de todos os teóricos declararem que os melhores ou, pelo menos, os mais conhecidos exemplos de parábolas encontram-se na Bíblia e, por outro, de fazerem uma certa identificação entre a parábola e a fábula e o apólogo que, consensualmente, sempre apresentam uma lição de moral. Todavia, há que se esclarecer, em toda vez que ocorre tal identificação entre parábola e fábula e apólogo, faz-se também uma nítida diferenciação entre os gêneros, especificamente no ponto que mostra que a parábola trata basicamente com personagens humanos e a fábula e o apólogo com animais ou seres inanimados. Além disso, observa-se ainda que os ensinamentos das parábolas tendem a ser considerados mais profundos e transcedentais e os das fábulas e apólogos mais pragmáticos, apesar deles todos, em última análise, terem como alvo maior o próprio ser humano.

Deste confronto, uma possível conclusão de caráter mais geral é a que aponta para uma quase repetitividade de características das parábolas o que, de alguma forma, traduz, para um pesquisador, um certo consenso entre os estudiosos. Deste grupo, em cujas obras puderam ser encontradas as definições sobre as quais teceram-se alguns comentários, é em Massaud Moisés que se pode perceber pelo menos um traço distintivo que não apareceu nos outros autores: o da parábola apresentar uma estrutura dramática. Essa declaração sugere a existência de uma certa tensão na narrativa, uma estratégia que, por sua vez, talvez pudesse pressupor uma intenção de se obter um envolvimento maior do público-alvo na estória narrada. Esse aspecto somado aos elementos já depreendidos tais como o estabelecimento de um identificável processo narrativo, caracterizado por uma extensão curta, de natureza alegórica que, de alguma forma, apresenta traços constitutivos da fábula e do apólogo, que têm uma caráter didático, fazem da parábola um gênero atraente e que parece alcançar seus propósitos elementares.

Todavia, apresentam-se ainda como relevantes e inéditos os esclarecimentos prestados por Northrop Frye em relação às características gerais da parábola, no quarto ensaio, “Crítica Retórica: Teoria dos Gêneros”, de sua obra Anatomia da Crítica[7]. O citado autor aponta a parábola, juntamente com a fábula, como sendo expressões formais de épos. Segundo a definição trazida pelo próprio glossário anexado à obra de Frye, épos “é um gênero literário no qual o fundamento da apresentação é o autor ou menestrel como recitante oral, com um público diante dele, a ouvi-lo.”[8] Nesse sentido, há um encaixamento perfeito da parábola, pois, na sua versão original, ela possuía uma audiência visível. Inclusive, o autor apresenta uma análise que sugere um certo deslocamento da obra de  Dickens do pólo da ficção para o pólo do épos, apontando como causa desse deslocamento o fato de o autor fazer leituras de suas próprias obras para um público específico. Essa ênfase posta no imediatismo do efeito ante uma audiência visível torna-se, pois, uma característica marcante do gênero épos. Em termos de efeito sobre o seu público, também há uma correspondência direta com a parábola, pois ela apresenta esse fator como uma preocupação básica. Assim, pode-se assumir integralmente essa declaração de Frye de que a parábola é uma forma de épos.

Finalizando, poderíamos, pois, dizer que a parábola constitui uma narrativa que é curta, amimética, alegórica e uma forma de épos.

 

BIBLIOGRAFIA

CHERUBIM, Sebastião. Dicionário de figuras de linguagem. São Paulo: Pioneira, 1989.

COUTINHO, Afrânio. Enciclopédia de literatura brasileira. Rio de Janeiro: FAE, 1989.

MAGNE, Augusto J. S. Princípios elementares de literatura. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1935.

MOISÉS, Massaud. Dicionário de termos literários. São Paulo: Cultrix, 1985.


 A CONCEPÇÃO DE GRAMÁTICA ESCOLAR NO JAPÃO E A SUA BASE TEÓRICA

 

 

Eliza Atsuko TASHIRO[9]

 

Resumo: Este trabalho faz parte da minha pesquisa sobre a gramática da língua japonesa elaborada pelo Pe. João Rodrigues (1561-1633). Numa etapa de minha investigação tive a necessidade de uma teoria gramatical que me fosse o parâmetro de comparação com aquela seguida pelo Pe. Rodrigues no tratamento de morfemas gramaticais, denominados joji[10] na lingüística japonesa. Como os dois manuais elaborados pelo Pe. Rodrigues, a Arte da Lingoa de Iapam (1604/1608) e a Arte Breve da Lingoa Iapoa (1620) prestaram-se a fins pedagógicos para que os padres jesuítas europeus já desembarcassem em terras japonesas dominando o idioma, busquei na gramática escolar japonesa os fatores de comparação.

Nesta apresentação farei uma análise da gramática escolar japonesa enfocando-a sob dois ângulos: (1) concepção de gramática escolar no Japão e (2) teoria gramatical onde se baseia a gramática escolar japonesa.

 

A maioria das definições dá a gramática escolar como sinônimo de gramática normativa ou prescritiva, por isso se baseia na distinção de níveis de língua (língua culta, língua popular, patoás, etc.) e, entre esse níveis, ela define um como língua de prestígio a imitar.[11]  A gramática escolar é denominada de gakkô bunpô no Japão e, segundo o Dicionário de Ensino da Língua Japonesa[12],

Em oposição à teoria gramatical existe a gramática escolar, utilizada no ensino fundamental. A estrutura principal dela é uma teoria gramatical específica que é complementada com idéias e compromissos de ordem pedagógica. Desde a década de trinta a teoria que constituiu o cerne da gramática escolar tem sido a de Shinkiti Hashimoto (1882-1945). Apesar das críticas contra a sua teoria, não existe outra que ultrapasse a concisão da idéia de bunsetsu.

 

Por fim, o Dicionário de Estudos da Língua Nacional[13]  define-a como a gramática elaborada para realizar corretamente a atividade lingüística /.../ que regulamenta o correto ou o incorreto da língua com base num determinado padrão e tem finalidade prática /.../ e realiza-se na educação escolar no aprendizado da língua materna ou da estrangeira.

É importante verificar a orientação existente nas escolas quanto ao ensino da gramática. No manual de orientação de aprendizagem[14] editado pelo ministério da educação do Japão, existe o seguinte texto:

A (disciplina da) gramática é a aprendizagem do funcionamento da língua visando tornar mais eficiente o domínio das quatro habilidades lingüísticas. Na escola primária[15] (a disciplina gramatical) proporciona ao aluno condições de elevar a consciência de língua e de usá-la corretamente nos vários contextos de uso das quatro habilidades. Na escola média[16], deve-se ordenar o aprendizado feito anteriormente, assim como as experiências e conhecimentos de ordem gramatical. Enfim, na escola superior[17], os conhecimentos gramaticais serão melhor determinados e se oferecerá ao aluno instrumentos para a compreensão de textos clássicos, além de possibilitá-lo à investigação sobre as questões referentes à língua nacional e à grafia.

 

Vale aqui fazer uma ressalva sobre a língua nacional acima referida. Trata-se de uma tradução de kokugo. Segundo SHIBATA[18], língua nacional é a língua da nação. No caso do Japão, a língua nacional corresponde ao conceito estrito de nação, como Estado politicamente constituído e soberano. Assim, a língua nacional é a única da nação, primeiro porque é a língua que representa essa nação e, segundo, porque no Japão existe apenas uma língua oficial. Se falamos numa língua única da nação e própria dela, ela torna-se a língua padrão ou a norma. É por isso que, em oposição ao dialeto (hôgen), a língua nacional é utilizada como a língua padrão ou o idioma comum.

A pedagogia da gramática não se completa por si. Ela é tida como uma das ramificações do ensino da língua nacional. E este ensino é entendido como o desenvolvimento da habilidade lingüística de falar, ouvir, escrever e ler, além da capacidade de elaborar um pensamento através desta língua. A pedagogia da gramática existe, então, em função do ensino da língua nacional.

A criança, quando atinge a idade escolar, já adquiriu o domínio da gramática mínima de sua língua materna e uma competência lingüística (oral) necessária para a vida cotidiana, obtidos num meio lingüístico natural (da família, dos vizinhos, dos amiguinhos, da pré-escola, etc.). Por isso, ainda fala gramaticalmente errado e tem limitações quanto à expressividade, além de pouca experiência de uso da língua. São comuns erros na pronúncia, o léxico é restrito, a escrita ainda não lhe foi ensinada. Cabe à pedagogia da língua a tarefa de completar tais deficiências, ou seja, a de orientar a criança para uma atividade lingüística mais complexa. A gramática escolar deve contribuir, então, nessa tarefa, verificando os problemas que baseiam a sua capacidade e necessidades lingüísticas.

Dentro de tal perspectiva, a pedagogia da gramática não deve se confundir com a ciência gramatical, assim como o ensino/orientação da pronúncia, do léxico e da escrita não se confundem com as teorias da fonética, da lexicologia e da grafia. Na verdade, é o que mais costuma acontecer.

A teoria da gramática não deveria ser ensinada como um conhecimento sistematizado, mas deveria criar-se uma gramática escolar como uma necessidade do ensino da língua nacional e com características de uma gramática pedagógica. E, a prática da sala de aula costuma oferecer variados problemas que podem ser levados em consideração para elaborar/aperfeiçoar a sistematização da gramática escolar.

NAGANO[19] assinala três requisitos para uma gramática escolar bem sucedida: (1) dominar o processo de aquisição da língua pela criança/aluno; (2) dominar as peculiaridades gramaticais da língua, dentro do âmbito pedagógico; (3) determinar em quais questões da atividade lingüística os conhecimentos gramaticais são funcionais e de que forma.

A gramática japonesa possui muitas e variadas teorias. A finalidade da gramática escolar não é dar conhecimento da teoria gramatical, mas sim fornecer regras corretas da gramática da língua, de modo a melhorar a expressividade e desenvolver a capacidade de compreensão através da língua. Sendo assim, não haveria qualquer problema, uma vez que a gramática da língua é única, embora as teorias sejam várias. No entanto, ao se tentar organizar os conhecimentos referentes à gramática, inegavelmente há necessidade de um modelo teórico a ser seguido. O problema é que todas as teorias explicam de forma sistemática fenômenos complexos da gramática mas, por outro lado, não se pode dizer que qualquer teoria explica todos os fenômenos. Daí, a afirmação de que já que existem diferentes teorias, qualquer uma poderia servir, de algum modo, a fins pedagógicos (NAGANO, 1986, p. 45).

Em realidade, na pedagogia da gramática o problema que a variedade de teorias causa é quanto à classificação de vocábulos. Mas a variedade de teorias de classificação de vocábulos não é empecilho para organizar uma gramática pedagógica, uma vez que o que se levará em questão não será a conveniência do ponto de vista ou da explicação adotados para a classificação.

A gramática escolar japonesa tem seus fundamentos na teoria gramatical de Shinkiti Hashimoto. Prova disso é a presença do termo (e de sua idéia) bunsetsu em qualquer livro didático autorizado pelo ministério da educação. A adoção da teoria de Hashimoto aconteceu a partir do livro Chûtô bunpô (gramática de nível médio) publicada nos anos de 1944 a 1946[20].

Shinkiti Hashimoto é o autor de Kokugohô yôsetsu (“Explanações sobre a gramática da língua nacional”, 1934) no qual expõe sua teoria gramatical. Segundo essa teoria, o bun (frase) é a maior unidade objeto de estudo da gramática e, formalmente, possui a seguinte característica: (1) a frase é uma continuidade de sons; (2) entre uma frase e outra há sempre uma pausa; (3) no final da frase há sempre uma entonação específica. Não se trata de uma definição de frase mas uma constatação do que se obtém ao analisar uma frase. Embora partindo do fator forma, a compreensão não é fácil porque Hashimoto não desenvolve o pensamento a partir de uma definição. Acontece o mesmo quando o teórico trata do bunsetsu.

Watashi-wa / kinô / yûjin-to / Maruzen-e / hon-wo / kai-ni / ikimashita

A frase acima pode ser dividida em oito partes mas considerando uma língua de  fato,não pode ser dividida em partes menores. Assim, chamarei provisoriamente de bunsetsu a menor parte obtida da divisão de uma frase de uma língua de fato.[21]

 

É uma definição que dá margem a implicações se não tivesse o exemplo de frase e não se pode saber o que significa língua de fato. Por isso a gramática escolar dá uma explicação mais detalhada, embora não se possa falar ainda em definição propriamente dita:

Numa língua em uso, é a menor parte da frase obtida de uma divisão feita de modo a não comprometer o significado. É a unidade constituinte da frase. Entre um bunsetsu e outro pode-se colocar um ne (morfema gramatical inflexivo).

 

Hashimoto dá quatro caracterísiticas formais de bunsetsu: (1) é um conjunto de sons o qual se pronuncia sempre nessa ordem sem que haja pausa no seu interior; (2) a relação tonal entre os sons das sílabas que constituem o bunsetsu é fixa; (3) na língua em uso, antes e depois do bunsetsu pode-se colocar uma pausa; (4) um mesmo som pode assumir fonemas diferentes, dependendo da posição que ocupa no bunsetsu.

Nas frase abaixo, o traço inclinado divide a frase em bunsetsu, conforme a teoria de Hashimoto:

Ame-ga   /   futte   /  kitayôda.

Kono /  hen  / abunaiyo.

A chuva     /chovendo/  parece que veio

Este    / lugar   / é perigoso.

                    

Mas no uso real da língua (oral), pode-se colocar uma pausa entre kita/yôda e o conjunto kono hen é pronunciado continuamente, sem pausa.

Hashimoto afirma, ainda, que bunsetsu é o constituinte imediato da frase.

Watashi-wa / kinô / yûjin-to / Maruzen-e / hon-wo / kai-ni / ikimashita

Na frase acima, a relação entre o bunsetsu-predicado “ikimashita” e os outros bunsetsu não é o mesmo: “hon-wo” concatena-se com “kai-ni” e este conjunto é que se relaciona com “ikimashita”.

Mais tarde, aprofundando sua pesquisa, Hashimoto verifica que entre um bunsetsu e outro há uma ligação de diferentes graus, e cria o termo renbunsetsu. Assim, o bunsetsu, de unidade constituinte da frase, passa a ser a unidade mínima formadora do constituinte da frase (bun-no seibun). Por esta nova colocação, Hashimoto pôde demonstrar que entre um bunsetsu e outro há diferentes formas de concatenação; a formação da frase dá-se através da acumulação e não da simples ordenação de bunsetsu. O exemplo abaixo deve ilustrar melhor.

Shiroku

/ ôkina

/ mokusei-ga

/ mieru.

Branco

/ grande

/  júpiter

/ posso ver

 

 

 


Shinkiti Hashimoto elaborou um livro didático da gramática para a escola média: Shinbunten (“Nova gramática”), publicada entre os anos de 1931 e 1939, nas versões nível básico / avançado, língua moderna / língua clássica, além de manuais de uso Kaisei shinbunten bekki, das línguas moderna e clássica. Em nenhum de seus livros didáticos, no entanto, existe a referência ao termo bunsetsu. Isso vem acontecer apenas no livro de gramática Chûtô bunpô - kôgo e Chûto bunpô - bungo, lançado pelo ministério da educação em 1947. A partir de então é que a gramática de Hashimoto passa a ser a gramática escolar. Deve-se, no entanto, ressalvar que foi a teoria do bunsetsu dos primórdios, aquela desenvolvida em Kokugohô yôsetsu, que se tornou a teoria vigente, ignorando as pesquisas posteriores. Isso acabou por reduzir o bunsetsu ao constituinte da frase, ou seja, bunsetsu = constituinte da frase, enquanto que o bunsetsu, na verdade, é formador do constituinte de frase.

 

BIBLIOGRAFIA

DUBOIS, J. et alii. Dicionário de Lingüística. São Paulo: Cultrix, 1993, p.435.

HASHIMOTO, S. Kokugohô yôsetsu (Explanações sobre a gramática da língua nacional).

Kokugogakkai. Kokugogaku Jiten. Tóquio: Tôkyô-dô shuppan, 1994, p. 215.

NAGANO, M. Bunpô kenkyûshi-to bunpô kyôiku (História das pesquisas gramaticais e pedagogia da gramática). Tóquio: Meiji shoin, 1991, p. 259.

NAGANO, M. Gakkô bunpô gaisetsu (Introdução à gramática escolar). Tóquio: Kyôbunsha, 1986, p. 33.

OGAWA, Y. E HAYASHI, D. (org.). Nihongo Kyôiku Jiten. Tóquio: Taishûkan, 1982, p. 78.

SHIBATA, T. A língua japonesa entre as línguas do mundo. In Iwanami Kôsa Nihongo I (Língua Japonesa I). Tóquio: Iwanami shoten, 1992, p. 3 e 4.


 


A QUESTÃO DO DIMINUTIVO NO PORTUGUÊS VERNÁCULO DO  BRASIL

 

                                                                       Mary Francisca do CARENO[22]

Resumo: Silvia Skorge (apud Cunha 1985: 192) observa que  o emprego dos sufixos diminutivos indica ao leitor ou interlocutor que aquele que fala ou escreve utiliza-se de um meio estilístico que elide a objetividade sóbria e a severidade da linguagem, tornando-a mais flexível e amável. Não quer comunicar idéias ou reflexões, resultantes de profunda meditação, mas o que quer é exprimir de modo espontâneo e impulsivo, o que sente, o que o comove ou impressiona.

O presente trabalho objetiva apresentar resultados de análise sobre contextos onde surgem aspectos formais dos diminutivos, ocorridos na fala de habitantes da zona rural sul-paulista. O estudo desses elementos formais revela não só uma dependência sincrônica de significado, como também uma complexa categoria semântica (dimensão pequena, afeição, gênero feminino, aproximação, intimidade). Outra constatação foi também a da diminuição no número desses elementos sufixais nesta modalidade de fala.

 

INTRODUÇÃO

A complexidade lingüística do português vernáculo falado no Brasil (doravante PVB), representado aqui com exemplos de diminutivos (doravante DIM), revela, em seu uso atual, os empréstimos e as mudanças lingüísticas causados pelo contato entre as línguas que o formaram durante o Brasil colonial e imperial. O intercâmbio linguístico surgido  resultou na situação atual de mistura das três línguas, formando de fato não uma ou outra área com específicos elementos lingüísticos, mas um contínuo, dado  o seu caráter não uniforme. Em outras palavras, o PVB constitui-se em uma gama de dialetos regionais em cujas extremidades situam-se  de um lado a fala urbana padrão utilizada pela classe intelectual em situações formais até o lado mais extremo do espectro que atinge o PVB falado nas situações mais informais em zonas com pouco contato com centros urbanos mais populosos. A linguagem usada por comunidades rurais, com as quais trabalhei, faz parte desse contínuo e ela representa um dado do espectro real desse universo lingüístico.

Esta comunicação tem, pois, como objetivo principal mostrar regras de uso lingüístico dos habitantes de zona rural localizada no Vale do Ribeira,  região sudoeste do estado de São Paulo, que apresentam na fala um aspecto constantemente surgido na gramática que rege o PVB, ou seja, a simplificação drástica das formas linguísticas. Uma dessas formas inscreve-se como traço importante do desempenho das línguas: o uso do  DIM. Para justificar a escolha do tema, preocupei-me em relacioná-lo aos resultados já obtidos em outras línguas. Todavia, mais que teorizar, este estudo trata de oferecer os resultados concretos do léxico de uma área da geografia lingüística brasileira.

Gramáticos da língua portuguesa, como Rocha Lima (1974:80-3)[23], admitem que o DIM expressa-se ora através do acréscimo do adjetivo ‘pequeno’ ou outro de sentido equivalente (para o DIM analítico) e ora  através da adjunção de nove sufixos: -ito, -ulo, -culo,-ote, -ola, -im, -elho, e, sobretudo, -inho e -zinho. (para o DIM sintético). Este último apresenta-se quando a palavra terminar em vogal tônica (café - cafezinho) e em ditongo (pai - paizinho).

A realização do DIM em diversas línguas pode tomar quaisquer das formas do largo repertório de dispositivos morfológicos de que dispõem: afixos, mudança de consoante, vogal, ou tom lexical, e mudanças de classe nominal ou gênero. De acordo com Jurafsky (1996:534),  “em sua realização formal o diminutivo, em diversas línguas, é comumente  realizado por nasais (Jakobson & Waugh 1979), por reduplicação (Moravcsik 1978) e, especialmente pelo uso de tonalidade mais alta, incluindo tones altos, vogais anteriores altas e consoantes anteriores (Jespersen 1922; Sapir 1915; Ultan 1978; Nichols 1971; Ohala 1984).” Essas constatações levam a considerar esse fenômeno uma categoria universal.

No PVB, o traço formal do DIM resume-se, basicamente, na adjunção de   morfema diminutivo acrescido de algumas séries de traços lingüísticos e semânticos divididos ou de semelhanças familiares. Mas, obviamente, o mais significativo para definir a categoria  são as tendências do cruzamento linguístico, proposto por Jurafsky para a semântica dos DIM e que também abordarei mais adiante.

O presente estudo demonstra, conforme veremos, que esse traço gramatical não só apresenta essas características formais, com também revela uma dependência sincrônica de significado, além de uma complexa categoria semântica (dimensão pequena, afeição, desprezo, aproximação, intimidade).

 

O USO DO DIMINUTIVO NO PVB

As  características gerais mais relevantes são duas:1) Nota-se que seu uso nem sempre significa que certo ente ou objeto possui dimensões notavelmente inferiores às que normalmente deveriam ter, baseando-se no conceito médio que se forma em relação a outros seres. Denota, isto sim, um sentido carinhoso, familiar, uma maneira de perceber o mundo. 2) Apresentam-se como referenciais para denotar tanto a índole - entendida como comportamento habitual- como a disposição emotiva geral da comunidade linguística que os usa.

Procurarei  mostrar, assim, que  existe uma relação entre o modo de vida dos informantes e as coisas e pessoas que os circundam. Eles interagem entre si o que revela no modo como expressam esses objetos e esses entes tão familiares a eles. Bueno (1964:113), observa que "pela freqüência ou não dos diminutivos ( ) no geral das expressões de um povo, podemos avaliar o seu grau de afetividade, a sua fácil ou difícil disposição emotiva".

Ainda sobre a disposição emotiva da comunidade linguística, Lapa (1987: 77-9) lembra que as partículas sufixais retratam a feição dupla e contraditória do nosso temperamento: delicadeza lírica e observação galhofeira e caçoísta. Ressaltando a importância do estudo em questão, afirma que é nos sufixos que as descargas de emoções do povo se dá com maior energia. De acordo com levantamento dos dados sobre o uso do DIM, pude observar essa dualidade de sentimentos nos exemplos a seguir.

 

i) A idéia geral sobre o DIM é a dimensão ‘pequena’ e refere-se, principalmente, aos seres pequenos, como crias de animais, elementos do cotidiano, delicados e de proporções pequenas. Os informantes utilizam o DIM, associando a ele um sentimento de carinho e não, necessariamente, limitando-se exclusivamente à sua significação dimensional.

(1) - "já era um picadãozinho abertu... mais era quasi um/uma grota... agora cortaru ficô... morru pra-lá      morru para cá ..." (C - 4B11 - AB).

(2) - "/Até hoje aparece/ a falinha dum passarinhu  piquininhu ansim"  (B - 17A3 - SP).

(3) - "cada quar cria unzinhu... otru/animal qualquer/    (MX - 17B8 - SP)

(4) - "u   rádiu nós temu u  nossuzinhu"      (JU - 16B28 - SP).

 

ii) Referindo-se especialmente às crianças, os informantes expressam seus sentimentos, através do DIM.

(5)  -"ah doizinhu /dois filhos/ estud' aqui na na iscola" (I - 1B7 - AB).

(6) -  " /Criança do sítio/ já  desde ( ) piquininim... nem qui num sabia falá... mais andandu... deligatandu        andandinhu" ( ) (JO - 14A8 - NH).

 (7) - "/Esse é o caçula?/         -  é u caçulinha"   (D - 23A6 - NH).

        

Tem-se, portanto, as duas dimensões ou as duas metáforas apresentadas por Wierzbicka 1984, (apud Jurafsky op cit.:538), ou seja, “pequeno” e ‘criança’  que, segundo ele, são a base do sentimento de afeição e desprezo do DIM.  Jurafsky chega a afirmar que esses conceitos de ‘criança’ e ‘pequeno’ repousam no âmago da análise correta do fenômeno.

Reportando-me ao Vale do Ribeira e assumindo outras idéias de  Jurafsky, posso afirmar que essas duas concepções, contudo, são um tanto redutoras. Sem as extensões metafóricas, inferenciais e abstratas, o conceito de ‘criança’ e ‘pequeno’ não podem ser exclusivamente modelos exatos para caracterizar o DIM. A seguir, farei apenas uma descrição dos aspectos semânticos levantados durante as gravações de depoimentos dos habitantes da região, sem me reportar aos campos lexicais e semânticos que eles formam.

 

iii) Com relação aos seres,  às coisas da natureza, do mundo que os cerca, o uso dos DIM é freqüente:

(8) - "eli /o passarinho saci/ é mais acustumadinhu mais é de noite" (JO - 14A20 - NH).              

(9) - "/O outro saci/ devi sê iguar essi otruzim mas piquenu memu (MX- 17A3 - SP).

(10) - "tevi um hominhu ( ) um morenim... eli carregava qua::tru brócu dessi daí na cost'a    aqui. (MX- 17B12 - SP).

 

iv) Os elementos, entretanto, podem não ter a dimensão pequena, mas despertam nos informantes essa idéia carregada de carinho.

(11) - "mais pra cá  fazia um descidinha... mansinhu ansim" (C - 4B3 - AB).

(12) - "uhn - tem a marceguinha (qu/inté) ( ) dá um tóquim bem arvu..." (L- 17A14 - SP).

(13) - "pidi uma aju/ um lugazinho lá  pa fazê um barraquinhu" (JU-16A50 - SP).

 

v) Em alguns casos, o adjetivo terminado em -inho‚ usado com o valor de superlativo, apresenta-se, geralmente, acompanhado de um advérbio que o enfatiza. Os  exemplos encontrados apresentam, assim, um cruzamento linguístico de força intensificadora e função aumentativa.

(14) - "tira u pózim /do osso da raposa/... lav' assim bem lavadim ta: mém" (Mx - 17A15 - SP).

(15)  - "el' é meiu velhinha... pareci uma pessoa meiu... comu (si) diz?... meiu  meiu abobad' ansim"   (A - 15A7 - NH).

(16) - "i  u hómi ficô muitu pobrizinhu" (V - 23B10 - NH).

 

vi)  O grau de diminuição pode vir expresso, analiticamente, por adjetivos e advérbios que acompanham o substantivo ou o verbo.

(71) - "sei lê  malemazicu... sei ansim muitu mal..." (A - 15A20 - NH).

(18) - "(num) sei (u qui era não... só) sei qui er' um mininim pititico pretu...”    (V - 23B3 - NH).

(19) - "e essa taturra é  pititica mais piquena.. ( )" (Z - 14A19 - NH).

 

vii)  Pode também assumir feição pejorativa, isto é, para piorar, diminuir, ao mesmo tempo em que se ajunta  à noção de ‘ridículo’. Essa característica é tratada por Jurafsky (1996)  como uma tendência de cruzamento lingüístico na semântica do DIM. Ao mesmo tempo expressa afeição e desprezo.

No exemplo (20), através do contexto, percebe-se que não é a pequenez dimensional que exprime propriamente o sufixo, mas o desdém do informante pelo comportamento ridículo e absurdo do ladrão do lugar. O exemplo (21) demonstra o ridículo do valor monetário recebido.

(20)-"u ladrãozinhu qui peg'arguma coisinha si vê disaprecatadu"       (B- 26A29 - AB).

(21) "eu  tenh' um' aposentaduriazinha pelu sindicatu né?" (B - 26A7 - AB)

 

viii) A idéia DIM atinge também os advérbios e, quando isso acontece, acrescenta duas características conjuntamente: a de intensidade e a de exatidão: ‘devargarzinhu’  é ‘muito devagar’;  ‘ pouquinho’  é  ‘muito pouco’;  ‘ pertinho’ é ‘ muito perto’.

(22) - "isquici du nomi du lugá ... é bem pertinhu d' Iporanga"  (JO - 16A7 - SP)

(23) - "/As brincadeiras de crianças/ er' um poquinhu deferenti mais é quasi amesma né?" (B-26A13-AB).

(24) - "er' ansim meiu di longinhu ansim"          (I - 1A41 - NH).

(25) - "eu quiria qui ela ficassi a menu esti anu 'traveis... é mais... um puquinhu" (D - 23A14 - NH).

 

ix) Há  diminuição da intensidade dos advérbios. Surge, então, outro cruzamento lingüístico: força intensificadora e função atenuante.  ‘melhorzinha’  é ‘um pouco melhor’;  ‘pra baixinhu’  é ‘um pouco para baixo’.

(26) -  "pur aqui a terr' (ainda) ‚ melhorzinha..."     (Ma - 13B23 - NH).

(27)- "i a casa du meu djerru é pra baxim da deli"      (JO - 16A5 - SP).

(28)- "põe um poquinzim di sal ansim... "      (A - 15A36 - NH).

 

x) Em algumas ocasiões, os informantes usaram diminutivos de diminutivos, criando um requinte na idéia diminutiva. Para Jurafsky (op.cit.:537 esse “e outro sentido de intensidade onde o DIM modifica a palavra que significa ‘pequena’ para produzir palavras que significam ‘ mais pequena’, ‘ menor’. No PVB, o vocábulo ‘pequenino’ já é DIM, mas na região do Vale do Ribeira, pode indicar uma dimensão menor ainda, carregada de afetividade. Ver também ex. (6), (18), (19) e (28).

(29) -  " às veis inda tem um isquinh' ali (  )      (MX - 17B6 - SP).

(30) -  "num podem ficá  muitu ansim... criança piquinim" ( ) (JO - 16B32 - SP).

 

Outra constatação final foi  a da redução no número de elementos sufixais nesta modalidade de fala, pressupondo-se que o sistema dos DIM tem se simplificado. Rocha Lima (op.cit.:811) apresenta uma relação de 9 (nove) tipos de sufixos  que expressam o diminutivo no português padrão, ou seja, ‘-ito, -ulo,-culo, -ote, -ola, -im,-elho, - inho e -zinho. Nas 20 (vinte) fitas gravadas, encontrei apenas quatro:  -inho,  -zinho, -im  e -ico.

 

 

A TÍTULO DE CONCLUSÃO

Silvia Skorge (apud Cunha 1985: 19) expressa com grande clareza essa idéia de carinho que os informantes veiculam quando utilizam o DIM. Ela diz que  "O emprego dos sufixos DIM indica ao leitor ou interlocutor que aquele que fala ou escreve põe a linguagem afetiva no primeiro plano. Não quer comunicar idéias ou reflexões, resultante de profunda meditação, mas o que quer exprimir de modo espontâneo e impulsivo, o que sente, o que o comove ou impressiona - quer seja carinho, saudade, desejo, prazer, quer, digamos, um impulso negativo: troça, desprezo, ofensa. Assim se encontra no sufixo diminutivo um meio estilístico que elide a objetividade sóbria e a severidade da linguagem, tornando-a mais flexível e amável, mas às vezes também mais vaga".

As observações da professora Skorge parecem não ter contestação. Prevalece, no uso do DIM usado no Vale do Ribeira e, por extensão, no PVB, a idéia de afetividade e de carinho,  mas imprimindo, com muita freqüência, um traço de ironia e jocosidade. Não só as características formais, mas também as noções semânticas poderiam ser melhor exploradas pelos professores durante as aulas de língua portuguesa. Fica a sugestão.

 

BIBLIOGRAFIA

BUENO, Francisco da Silveira. Estilística Brasileira. São Paulo: Saraiva, 1964.

CARENO, M. F. A Linguagem Rural do Vale do Ribeira: a voz e a vez das comunidades negras. Vol.1, Assis, 1991. Tese (Doutorado em Lingüística) - Faculdade de Ciências e Letras - Universidade Estadual Paulista.

__________. Aspectos Morfo-sintáticos do Dialeto Rural Brasileiro. Trabalho apresentado durante o 6th Colloquium on Hispanic and Luso-Brazilian  Literatures and Romance Linguistics. Department  of Spanish and Portuguese. The University of Texas at Austin. Texas/USA.  April 19- 20th, 1996.

__________. Traços Sintáticos do Português Popular Brasileiro usado em Comunidades Negras Rurais. Trabalho apresentado no 2º Coloquio Internacional sobre Criollos de Base Portuguesa y Espanola. Ibero-Amerikanisches Institut Preussischer Kulturbesitz- Berlin/Alemanha.   

COUTINHO, I. L. Pontos de Gramática  Histórica. Rio de Janeiro: Acadêmica, 1969.

CUNHA, C. & CINTRA, Luis F. Lindley. Nova Gramática do Português Contemporâneo. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1985.

GRANDA, G. de. Algunos Rasgos Morfosintacticos de Posible Origen "Crioullo" en la Habla de Áreas Hispanoamericanas de Población Negra.In:________  Estudios Lingüísticos Hispánicos, Afrohispánicos y Criollos.Madrid:Gredos, 1978, p.501-18.

HOLM, J. Pidgins and Creoles:theory and structure. Cambridge University, 1988, vol. I.

JURAFSKY, Daniel. Universal  Tendencies in the Semantics of the Diminutive.  Language, 1996, 72(3):533-78.

LAPA,  M. Rodrigues. Estilística da Língua Portuguesa. São Paulo: Martins Fontes, 1982.

SANDMANN,A. J. Formação de Palavras no Português Brasileiro Contemporâneo.  Curitiba: Scientia et Labor, 1988.


ROMANÊS: O ANTI-CRIOULO DOS CIGANOS

 

Hildo Honório do Couto[24]

Rita de Cássia de C. V. e Macedo[25]

 

Resumo: Anti-crioulo é um tipo de língua que apresenta características opostas às dos crioulos. O romanês, que é o anti-crioulo por excelência, é a língua dos ciganos do Brasil e de muitos outros países. Mostraremos que esse anti-crioulo apresenta uma grande resistência cultural à assimilação total pela sociedade envolvente não só na estrutura de sua língua mas também por sua resistência à escolarização.

 

1. Introdução

 

O objetivo desta comunicação é fazer o relato de parte de um projeto maior. O primeiro autor tem investigado as línguas crioulas, em cujo contexto vem desenvolvendo o conceito de anti-crioulo, que será definido no item 4. A segunda autora está iniciando uma pesquisa sobre a língua dos ciganos, com o objetivo de elaborar sua dissertação de mestrado em lingüística, a ser defendida na Universidade de Brasília. Procuramos mostrar, em primeiro lugar, o que é o povo cigano, inclusive sua história e sua língua.  Em seguida discutiremos o que vem a ser anti-crioulo, de um ponto de vista teórico. Em segundo lugar, argumentaremos no sentido de que diversas variedades da língua dos ciganos parecem preservar uma parte considerável das estruturas gramaticais originais. Outras, no entanto, perderam-nas quase por completo.

A variedade que a segunda autora ora começa a investigar é a da comunidade kalderash (subdivisão do grupo de dialetos vlax) do bairro Jardim Riacho, município de Contagem, região da  Grande Belo Horizonte. Há ainda duas outras grandes comunidades ciganas nessa cidade: a do bairro Inconfidentes (a maior de todas) e a da Pampulha.  

 

2. O povo cigano

 

Uma das hipóteses sobre a origem dos ciganos afirma que eles  apareceram na Europa, no final do séc. XIII, dizendo-se originários do Egito ou, mais freqüentemente, do Egito Menor ou Pequeno Egito. Com base em estudos filológicos, se os ciganos fossem realmente  originários do Egito, era de se esperar que quando chegaram à Europa, a sua língua estivesse enxertada de elementos tomados tanto do copta quanto do árabe. Todavia, há inexistência absoluta de tais elementos nos dialetos dos ciganos europeus.

A explicação mais convincente sobre a origem dos ciganos é de ordem lingüística e nos foi dada, no século XVIII, por Stephan Valeji. Este estudioso conseguiu aproximar o romani de outras línguas indianas, ao usar o método histórico-comparativo. Descobriu-se, no romani, grande número de palavras hindus, a par de importantes semelhanças sintáticas com as línguas e dialetos do subcontinente. A partir de tais descobertas, pode-se precisar ser a região de Gujarat, à margem direita do rio Sindh, no norte da Índia, a região de origem dos ciganos.

A saída da Índia, provavelmente estimulada pela sucessão de conflitos armados com as tropas islâmicas, aconteceu nos primeiros 25 anos do século XI. Por meio de investigações filológicas, acredita-se que os ciganos europeus procedem de um grupo que passou pelo Afeganistão, pela Pérsia, Armênia e Ásia Menor. Provavelmente a chegada dos ciganos à Europa aconteceu no último quarto do século XIII e sua entrada, via Império Bizantino, também foi o resultado direto da expansão do islamismo. Desde sua chegada a esse continente, a população cigana começou a fragmentar-se. Atravessando a Romênia, grande parte deles foi mantida sob regime de escravidão, que durou até o século XIX, originando os dialetos vlax. O resto da população seguiu rumo à Hungria, à França, à Rússia e à Inglaterra. Enfim, no ano de 1447, os ciganos penetraram na Espanha pela extremedidade oriental dos Pirineus. Anos mais tarde, apareceram em Portugal, fato este comprovado por documentos datados do início do século XVI.

Assim como lhes acontecera por todos os lugares pelos quais passaram, também em Portugal os ciganos foram vítimas de muita perseguição. Proibiram-lhes o uso de seus trajes, língua, comércio de animais, impondo-lhes o “costume da outra gente das terras”. Aos que transgredissem essas disposições, ser-lhes-iam aplicadas as penas de açoite e degredo para o Brasil. O ato governamental mais antigo a esse respeito é a resolução de D. Sebastião, em 1574, pela qual a pena de galés imposta ao cigano João Torres foi comutada em desterro para o Brasil.

Além dos ciganos que, nos tempos coloniais, vieram degredados de Portugal, outros ciganos procedentes de diferentes países europeus também chegaram posteriormente ao Brasil tanto nos tempos do Império como após a proclamação da República.  José B. d’Oliveira China nos dá a classificação dos ciganos no Brasil: os ciganos que entraram no Brasil, entre os séculos XVI e XIX podem e devem ser chamados de ciganos brasileiros - ‘os calãos’ -, em oposição aos ciganos estrangeiros ou extra-ibéricos - ‘os roms’- que chegaram após a emancipação política brasileira (China 1936).

Por alguns documentos datados de 1718, sabe-se que a Bahia foi uma das primeiras terras brasileiras a que chegaram os ciganos. A presença dos ciganos na cidade do Rio de Janeiro também foi registrada em 1718.

Segundo Ian Hancock, “ao todo, cerca de 5 milhões de pessoas falam uma variedade ou outra de romani. No entanto, alguns dialetos, como por exemplo os dos estados bálticos, só contam com uns poucos falantes remanescentes (devido à destruição maciça da população romani durante o holocausto). Outros, como os vlax, por outro lado, representam acima de meio milhão de todo o povo romani”. O autor acrescenta que “alguns etnoletos sobrevivem apenas como léxicos (p. ex., na Grã-Bretanha e na Espanha)” (Hancock a sair).   

 

3. Romanês

 

O nome geral da língua dos ciganos é romani. Porém, nas diversas regiões do mundo em que esse povo se instalou, surgiram outros nomes para designar os vários dialetos em que o romani se ramificou. Boretzky & Igla (1994: 35) dividem-no em “variedade conservadora” e “variedade mista”. Conservadoras são aquelas variedades que mantêm pelo menos parte da gramática. Quanto às variedades mistas, são aquelas que “preservaram apenas o léxico romani, enquanto que suas estruturas gramaticais correspondem às das línguas com que entraram em contato, quase na íntegra” (p.38). A maior parte dos dialetos romanis da Europa é do primeiro tipo. É o caso do grupo do país de Gales, de diversos grupos dos países do Leste Europeu e assim por diante.

Entre os dialetos mistos, que aqui chamamos de anti-crioulo, Boretzky inclui o qirishmal do Oriente Próximo, o romani armênio, o dórika da Grécia (hoje extinto), o romani norueguês, o anglo-romani da Inglaterra e dos Estados Unidos, o romani basco, o romani espanhol ou caló e o chatrovatchki da ex-Iugoslávia.

Na Espanha, a variedade conservadora é chamada de romanó, e a mista é conhecida como caló. Calão é o termo que os ciganos de Portugal usavam para designar sua língua e que os primeiros ciganos brasileiros deram ao seu dialeto. Essa palavra nada mais é que uma simples alteração fonética da forma caló. É de se presumir que os primeiros ciganos que, provindos da Espanha, entraram em Portugal usassem a forma caló. Essa forma teria, primeiramente, sofrido a nasalização do “ó” final em “ôn”, gerando a forma calôn; e desta, posteriormente, a atual forma portuguesa calão.

Os primeiros ciganos chegados ao Brasil, já a partir de 1574, chamavam-se calons. Atualmente, os ciganos brasileiros empregam o termo romanês, ao referir-se à língua de origem de seu povo, sendo essa forma, com certeza, uma influência da fonética da língua portuguesa. Todavia, isso se deu a partir da segunda leva de imigrantes ciganos no Brasil - os roms -, a partir da emancipação política do país.

Oliveira China (1936), baseando-se nos estudos do ciganólogo espanhol Pabanó, arrola, além dos nomes romani e romanès, termos usados pelos próprios ciganos como nomes de seu dialeto: caló, chipe calí, romanó e zincaló . Outros ciganólogos acrescentam a essa lista calé, calorró e zincalé, somando nove nomes, todos derivados de raízes puramente ciganas.

O romani não era reconhecido como língua, outrora, em todo o mundo, sendo considerado uma gíria, isto é, uma linguagem de convenção ou particular de malandros, gatunos e ladrões. Os espanhóis o chamavam de jerga, jerigonza ou germania, quando na verdade ele possuía uma gramática especial e um vocabulário próprio que se ligava estreitamente a alguns prácritos ou dialetos neo-hindus falados no N.O. da Índia.       

A comunidade cigana portuguesa pesquisada por A. Coelho (1892) falava o dialeto romanó (rumaño). Trata-se do espanhol influenciado pelo português e semeado de palavras particulares da língua geral dos ciganos, a maior parte das quais se encontra também no gitano da Espanha. Em (2) abaixo temos exemplos de ambos.

No caló ou gitano, os elementos ciganos da gramática original se mantiveram em parte, embora consideravelmente reduzidos, perdendo-se quase por completo a antiga declinação e a conjugação verbal. No romanó, os vestígios ciganos reduzem-se quase unicamente a vocábulos feitos e alguns processos de derivação: o espanhol e o português ocupam o lugar abandonado pela gramática cigana, o que o caracteriza como anti-crioulo.

Sabe-se que os ciganos foram incorporando termos das línguas das regiões por onde foram passando. No romanês, objeto da presente pesquisa, já foram detectados alguns de origem grega, eslava e espanhola, como se vê a seguir:

 

Do grego:

zaxáro ‘açúcar’, efta ‘sete’, talázia ‘onda’, papu ‘avô’ (provavelmente)

 

Das línguas eslavas:

volil ‘amor’, peko ‘assado’, vadra ‘balde’, pimôs ‘bebiba’, lachô ‘bom’, tcháiniko ‘bule’, mas ‘carne’, drom ‘caminho’, muchi ‘homem’

 

Do espanhol:

durázno ‘pêssego’, docáto ‘delegado, advogado’, aviono ‘avião’ (provavelmente)

 

 

4.  Anti-crioulo

 

O conceito de anti-crioulo foi proposto pela primeira vez em Couto (1992a) por sugestão das primeiras publicações de Carlos Vogt & Maurizio Gnerre sobre a linguagem da comunidade de ex-quilombo de Cafundó. De lá para cá, ele tem sido melhorado e ampliado. Até mesmo um livro está sendo preparado sobre o assunto (Couto a sair). O fato é que atualmente ele abrange toda uma gama de línguas mistas. Vejamos o que vem a ser anti-crioulo, comparativamente a crioulo.

As primeiras definições de crioulo consideravam-no uma língua mista cujo léxico provinha majoritariamente da língua dominante e cuja gramática, até onde se podia filiar alguns de seus traços, tinha origem nas línguas dominadas. É o que acontece com o crioulo do Haiti, com o da Guiné-Bissau, o da Papua Nova Guiné e diversos outros. O anti-crioulo, ao contrário, mantém pelo menos parte do léxico original da língua do(s) povo(s) dominado(s), usado com as estruturas gramaticais da língua do povo dominante da sociedade envolvente, como ocorre com a linguagem do Cafundó (Vogt & Gnerre 1978).

As comunidades crioulófonas em geral têm um território próprio, ao passo que as anti-crioulas normalmente são enclaves no território do povo dominante. Isso determina praticamente todas as outras características desse tipo de língua. Em primeiro lugar, os anti-crioulos estão sempre submetidos a um processo de glototanásia, ou seja,  morte de língua. O anti-crioulo de Cafundó e o de Bom Despacho (Queiroz 1984) estão no estágio terminal desse processo. Outros ainda têm uma certa vitalidade, como o shelta da Grã-Bretanha e o caló da Espanha. Em segundo lugar, as comunidades falantes de anti-crioulo só se mantêm mediante um penoso processo de resistência cultural[26].

Em terceiro lugar, nos crioulos freqüentemente ocorre o que se tem chamado em crioulística de relexificação, processo que consiste em substituir total ou parcialmente o léxico de uma língua pelo de outra. É o que ocorreu com o saramaca. Seu léxico seria originalmente de base portuguesa. No entanto, posteriormente ele foi substituído em cerca de 60% pelo léxico inglês. Pois bem, nos anti-crioulos ocorre justamente o contrário. Em geral conservam pelo menos parte do léxico original, porém sua gramática é substituída pela da língua dominante envolvente. Esse processo é chamado de regramaticalização.

 

5. O romanês como anti-crioulo

 

A língua dos ciganos, sobretudo o anglo-romani e a dos ciganos de Portugal (Coelho 1892), fora incluída como exemplo de anti-crioulo desde a proposta original de Couto (1992a). A investigação posterior não só confirmou essa constatação inicial como também mostrou que ela é sem nenhuma sombra de dúvida o anti-crioulo prototípico. Os exemplos que Adolfo Coelho apresenta da língua dos ciganos de Portugal de final do século passado, alguns deles reproduzidos em (1)(a)-(f), constam de um léxico praticamente todo cigano, mas sua gramática é basicamente a espanhola.

 

(1) (a) gorodon de sanacy ‘um cordão de ouro’; (b) non li pineles ‘ não lhe peças’; (c) el jambo se camela rumandiñar ‘o homem que quer casarse’; (d) es de chibé ‘é meio dia’; (e) allá chalo ‘lá vou’; (f) del posonó si chicubela la pañí ‘da nora se tira a água’.

 

No caló da Espanha, ocorre fato semelhante, como se pode ver no exemplo (2), com os itens ciganos em itálico.

 

(2) Se há endiñ-ado el parné  a la chai  ‘deu-se o dinheiro à menina’

(se ha dado el dinero a la muchacha)

 

O mesmo se dá no romani da Suécia:

 

(3) Vi trad-ar to fåron en vaver divus  ‘iremos à cidade outro dia’

(vi åk-er till stan en annan dag: sueco)

(exemplos de Bakker & Muysken 1995:48)

 

No anglo-romani, tanto da Inglaterra quanto dos EUA, nota-se o mesmo fenômeno, embora os romanichals (nome que os ciganos “puros” do país de Gales se dão) ainda mantenham parte substancial da gramática original.

O romanês da comunidade de Belo Horizonte aqui estudada mantém muito pouco da gramática original. Em (2) temos alguns exemplos[27].

 

(2) (a) o kere si barô ‘a casa é grande’, (b) e rakloxí si chukara ‘a menina é bonita’ (c) le juká kelem michtô ‘as mulheres dançam bem’, (d) le níchka si laché ‘os livros são interessantes’. 

 

Há mais alguns poucos casos de resíduo da gramática original. Porém, o normal é o uso do léxico romanês no arcabouço da gramática portuguesa, sobretudo no que tange à ordem das palavras na frase. O fato é que das diversas flexões originais em gênero, número - tanto do verbo quanto do nome - e até em caso, muita coisa desapareceu. O vocabulário, no entanto, a despeito dos empréstimos que foram sendo adotados das línguas faladas nos países por onde os ciganos passaram, ainda é essencialmente romani.

A ordem dos elementos da frase é, como no português, basicamente SVO, como se pode ver nos exemplos supra. A fonologia do romanês também está muito influenciada pela do português. Os fonemas aspirados (/ph/, /kh/), subsistindo apenas como alofones livres. A vibrante uvular desapareceu, provavelmente também por influência da fonologia portuguesa.

O romanês de Goiânia também parece estar no mesmo caso. Em (3)(a)-(c) temos dois exemplos (tirados de Olivência, 1992).

 

(3) (a) Cherô barô = cabeça grande, (c) o ju’kel bachel = o cachorro late,

(c) me xa’leu kuku’ruzu = eu comi pão

    

Para o anglo-romani inglês, veja-se o exemplo (4).

 

(4) Where tute chore adovo rani? Putchered the prastramengro

Where did you steal that turkey? asked the policeman

‘Onde você roubou aquele peru? perguntou o policial’

 

Vê-se claramente que, a despeito de alguns itens lexicais romanis - ou melhor, anglo-romanis -, a gramática é inteiramente inglesa. Exatamente como se espera de um anti-crioulo. 

 

6. Uso do romanês

 

As pessoas da comunidade cigana entrevistada são, na sua maioria, falantes bilíngües do romanês e do português. O romanês foi dado como a primeira língua a ser adquirida por elas, por meio da convivência com os pais e a própria comunidade cigana. O português foi a segunda língua adquirida, quando tinham entre quatro e cinco anos de idade.

No dia-a-dia, emprega-se tanto o romanês quanto o português, muitas vezes mesclados. Em uma comunicação entre os mais velhos ou entre estes com os mais jovens, emprega-se, quase sempre, o romanês. Porém, a presença de palavras portuguesas enxertadas nos discursos romaneses, principalmente nos dos mais jovens, nos deixa clara a posição da língua portuguesa como parte de seu vernáculo. Todavia, o emprego de tais termos não se restringe aos jovens. Os mais velhos utilizam-se, principalmente, de palavrões portugueses, durante uma discussão. É comum que, a uma pergunta feita em português pelos  jovens aos mais velhos, a resposta dada àqueles seja em romanês. O uso da língua portuguesa é predominante entre os jovens, principalmente quando a interrelação se dá entre eles próprios.

Na presença de um ‘gadjô’ (todo aquele que não é cigano), o emprego do romanês se dá conforme à explanação anterior, acrescentando-se que cigano e ‘gadjô’ se comunicam em português, uma vez que é raro um ‘gadjô’ conhecer e falar a língua cigana.

 

7. O romanês e a educação

 

Os ciganos são analfabetos em sua própria língua, usando-a só a nível da oralidade. Mesmo a alfabetização em português, de um modo geral, não é considerada necessária pela comunidade em estudo. O mais comum é as crianças freqüentarem a escola apenas para aprender a escrever o próprio nome.  No caso específico das moças, as famílias vêem com certa resistência a sua ida à escola. Temem que elas se envolvam com um ‘gadjô’ e perca a sua virgindade, desonrando o nome da família.

Independentemente dessa resistência, a comunidade estudada reluta em receber uma escolarização completa. Seus membros temem que, se seus filhos se formarem, correrão o risco de ser empregados, e “cigano não trabalha para os outros”. Portanto, a resistência maior à escolarização tem a ver com a sua filosofia de vida, que preza a liberdade individual acima de tudo.

 

8. Observações finais

 

Além das comunidades de Belo Horizonte, há diversas outras pelo Brasil afora. A de Goiânia, por exemplo, foi estudada fonologicamente por Olivência (1992). A de Uberlândia foi examinada do ponto de vista arquitetônico por Fonseca (1996). A de Campinas (que deve ser a maior do Brasil) foi investigada do ponto de vista antropológico por Santana (1983). A comunidade calon de Sousa, na Paraíba, vem sendo investigada por Frans Moonen. Sobre as diversas outras comunidades existentes pelo Brasil afora, ainda não temos informação.

 

 

BIBLIOGRAFIA

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Couto, Hildo Honório do.. Anti-crioulo: notas sobre as comunidades de descendentes de escravos no Brasil. Estudos lingüísticos e literários 13, 91-101, 1992a

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Fonseca, M. de Lourdes P.. Espaço e cultura nos acampamentos ciganos de Uberlândia. Brasília, 1996. Dissertação (Mestrado) - Universidade de Brasília.

MACEDO, Rita de Cássia de C. V. de. Análise fonética do romanês. Brasília, 1996. (Monografia  para a disciplina Fonética da Pós-Graduação em Lingüística da UnB).

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 SALA DE LEITURA: A NECESSIDADE DO JOGO INTERACIONAL

 

Sheila Roberti Pereira da SILVA[28]

Sonia Sirolli SANTANA[29]

Teresinha de Fátima NOGUEIRA[30]

 

Resumo: Este artigo analisa uma prática de leitura recortada entre as práticas de ensino de Língua Portuguesa de uma escola pública do Vale do Paraíba, S.P., descritas a partir de um enfoque etnográfico de pesquisa. A análise foi feita tomando como suporte teórico as seguintes perspectivas: a consideração de leitura como processo discursivo (Coracini,1995), e a aceitação da natureza sócio-histórica da linguagem (Orlandi,1987). A partir desse referencial foi problematizada a concepção de leitura do professor, a imagem que este faz de seus alunos e as condições de produção de leitura. Os dados revelaram a impossibilidade de se instaurar o jogo interacional que a leitura supõe, a medida em que o docente restringe a relação do aluno com o texto ao aspecto previsível e sedimentado,  prevalecendo o sentido fixado pelo professor. Tal postura exclui a imagem de aluno-enunciador, por desconsiderar a capacidade do aluno assumir a posição de sujeito produtor de sentido.

 

Este artigo tem por objetivo refletir sobre o processo de construção de sentidos que se estabelece entre professor e alunos em uma determinada situação de enunciação no âmbito escolar.

A análise foi feita a partir de uma investigação de tipo etnográfico, através da observação de trinta aulas de Língua Portuguesa em uma escola pública localizada no Vale do Paraíba, S.P.[31], tendo sido delimitado como corpus deste trabalho, uma aula específica realizada, com alunos de uma 8a série, na Sala de Leitura. Nesta aula, foram desenvolvidas atividades relativas a uma obra de literatura de linguagem não-verbal, O Rei de Quase Tudo, de Eliardo França, sob a regência do professor responsável pela Sala de Leitura dentro de um trabalho integrado com o professor de língua materna.

Partindo-se da premissa de que uma sala de leitura deveria ser um espaço para a diversidade e pluralidade de sentidos, dada a natureza polissêmica da linguagem e a constituição social e histórica dos sujeitos, o que pudemos observar foi um fenômeno ainda baseado na imposição do saber e do conhecimento do professor.              

Tal fenômeno foi verificado em vários aspectos de nossa análise, mas no presente trabalho ater-nos-emos à concepção de leitura do professor, à imagem que ele faz dos seus alunos e às condições de produção de leitura partilhadas em sala de aula.

 

1 - A Concepção de Leitura do Professor

A concepção de leitura do professor será problematizada a partir do entendimento de que este processo é de natureza discursiva (Coracini,1995). Neste processo importa também considerar a natureza sócio-histórica da linguagem, bem como as características do discurso (Orlandi,1987), cujo entendimento é necessário à compreensão da relação que professores e alunos estabelecem com o texto.

Na prática em questão, verificamos que o professor  tem um comportamento autoritário e monossêmico em relação à produção de sentido, não considerando que os alunos que estão na sala são sujeitos sócio-historicamente constituídos, como podemos observar no segmento abaixo:

P:   “Que ilustração é essa?”

A1: “É uma espada.”

P:   “Ela está inteira?”

P:   “Ela está pela metade.”

P:   “Por que ela está desse jeito?”

P:   “É o símbolo do quase poder do rei.”

Podemos notar que o professor conduz o aluno para a sua compreensão e interpretação das ilustrações, chegando inclusive a usar um mecanismo muito comum em leitura em sala de aula, isto é, o docente faz uma pergunta de interpretação e ele mesmo a responde, demonstrando com isso ser o único detentor do saber, tanto na elaboração de questões como de respostas a elas. Tal atitude vem confirmar o cárater monossêmico presente em muitas práticas pedagógicas no âmbito escolar.

Neste caso, o professor foi uno em todos os procedimentos. Desde a escolha do livro, passando pelas estratégias de leitura apresentadas, até a produção de sentido que ele atribuiu às ilustrações da obra em questão.

 

2- A Imagem que o Professor Faz dos Alunos

Se pretendemos analisar o imaginário que permeia a prática pedagógica do professor, devemos previamente caracterizá-lo enquanto sujeito social e ideologicamente constituído.

A análise evidenciou que o sujeito-professor já trazia idéias e imagens prontas sobre o papel que ele deveria desempenhar na Sala de Leitura. Foi através do discurso que esse docente exteriorizou todas essas idéias e imagens, não se apercebendo de que aquilo que pensa e diz já pode ter sido pensado e dito anteriormente.

Notamos que o professor tem a ilusão do que ele diz, faz, ou explica, pertence somente a ele e de que dele partiu. Ilude-se também ao supor que seu discurso esteja sendo plenamente compreendido, pois entende que só dele depende o seu dizer. Como o docente tem em mente essas ilusões que comportam imagens e papéis pré-estabelecidos,  fica difícil para ele perceber que o seu discurso pode estar, de alguma maneira, criando barreiras ao processo de desenvolvimento da compreensibilidade do aluno.

O que precisa ficar claro é que no discurso pedagógico o professor ensina de acordo com certos moldes já muito arraigados dentro dele, o que obstaculiza a identificação dos efeitos negativos de tais práticas no processo de leitura do aluno.

O discurso pedagógico é caracterizado como um discurso autoritário, ou seja, um discurso em que podemos notar a intenção de dominar, de impor, tão semelhante às práticas discursivas veiculadas em outros âmbitos institucionais da nossa sociedade, que padece pela ausência de posturas democráticas. O professor em questão, enquanto sujeito dessa sociedade, assume na sala de aula uma prática pedagógica impositiva por não estimular e nem dar condições para que aflorem os enunciados de seus alunos.

É através desse discurso autoritário que o docente procurará impor a sua presença e seu poder, assim como a sua imagem do que seja ler e compreender ou, em outras palavras, somente o sentido fixado pelo professor parece ter legitimidade. Dessa maneira, ele se transforma em proprietário do imaginário discursivo, anulando o aluno enquanto sujeito enunciador.

No corpus em questão, o recurso utilizado pelo professor é o uso de perguntas e respostas interpretativas óbvias sobre algumas das ilustrações, que parecem ter sido formuladas em determinado momento da história de leitura do professor, história esta pontilhada por inúmeros cursos na área:

P:  “Olhem a cara dos soldados.”

P:   “É igualzinha a do rei, mas não tem boca.”

P:   “Os pés são enormes! Símbolo da submissão dos soldados.”

Esse procedimento está diretamente ligado a um outro ponto que se evidenciou durante a análise, de perguntas e respostas pelo próprio professor, pois por ele ter a imagem de que seus alunos sozinhos são incapazes de produzir sentido(s),  passa, ele mesmo, a perguntar e a responder  suas próprias perguntas. Isso transforma a aula - que é de leitura, de produção de sentido(s) - em um constante monólogo do docente, como podemos verificar abaixo:

P:  “Olhem para o arco-íris.”

P:  “Que colorido. O que isso simboliza?”

P:  “É o símbolo da bonança.”

P:  “Se compararmos com a ilustração anterior, vemos que essa é sombria. Por quê?”

P:   “A sombra estava dentro do rei.”

Podemos observar, através de seu discurso, que o professor realmente acredita que os alunos não conseguem pensar e responder e, por isso, tem que  dar-lhes as respostas às perguntas por ele formuladas.

 

3- As Condições de Produção de Leitura Partilhadas em Sala de Aula

Partindo-se do princípio de que a aula de leitura é um dos momentos, no âmbito escolar, de partilharmos as nossas idéias, conhecimentos e reflexões, alguns pontos merecem ser discutidos no corpus focalizado.

a) primeiramente, o docente se imbui de sua autoridade discursiva que não permite a troca de sentidos atribuídos ao texto. Os alunos prestam atenção, mas não participam de maneira reflexiva, pois o professor anula o espaço enunciativo deles, o que chega a inibir a interação discursiva. A única vez em que o docente deu voz para o aluno, o seu procedimento foi inadequado, pois a desconsiderou, como podemos ver no exemplo a seguir:

P:   “A indumentária dos soldados lembra o quê?”

A2: “ Índio.”

P:   “Eh!” [ ironizando]. Os romanos.”

 

b) em segundo lugar, através de seu discurso compulsivo, o docente silencia a enunciação do aluno, impondo-lhe a sua. Sabemos que todo discurso é veículo de uma concepção de vida e mundo que é ideológica, isto é, remete-nos a determinado quadro de crenças, valores, conhecimentos e atitudes, construídos na dinâmica da vida social. Todo discurso tem algo a dizer, tem algo a silenciar para poder dizer.

No nosso corpus, como o espaço discursivo é o da sala de aula, não podemos perder de vista as relações de poder que aí se estabelecem, pois o professor se percebe como proprietário do imaginário discursivo e vê os alunos como sujeitos desprovidos de autoridade discursiva. Dessa maneira, estabelece-se uma espécie de monopólio da enunciação pelo docente, levando a  um silenciamento dos alunos, por estes acreditarem no poder e no saber do professor, cuja postura os leva a imaginar que não se pode manter uma interação verbal conflitiva. Se há enunciados em conflito, busca-se silenciar aquele emitido por quem não detém os mecanismos de poder existentes na escola. Como é o caso do segmento supracitado, onde o aluno é silenciado pela ironia e autoridade discursiva do professor que, em nenhum momento, buscou explorar o sentido “índio” atribuído pelo aluno à ilustração do “soldado romano”.

 

CONSIDERAÇOES FINAIS

No corpus em questão, não verificamos o estabelecimento pelo professor de uma interlocução com os alunos, a partir da leitura, que os fizesse assumir a posição de enunciadores, de modo que pudesse provocar uma compreensão mais ativa e responsiva na relação com a obra literária. Fica, então, prejudicado o jogo entre o previsível e o imprevisível, tornando a prática de leitura restrita ao aspecto previsível e imposto pelo professor.

O professor da sala de leitura, reservando só para si a prerrogativa de poder assumir o papel de enunciador, não permite a reversibilidade de papéis, revelando a própria concepção de leitura que está subjacente ao processo que desencadeia:  trata-se da consideração do texto como produto acabado, detentor de um sentido único o qual o leitor deve descobrir e tem que coincidir com o sentido previamente eleito como correto. Dessa forma, o professor deixa de trazer para o processo de produção de sentido(s) as experiências pessoais que entram no jogo interacional que a leitura supõe.

Quando ensaia instaurar uma relação dialógica, acaba por se tornar interlocutor de si mesmo, deixando de considerar que compreender é saber que o sentido poderia ser outro (Orlandi, 1987:116). Os alunos, em momento algum demonstram condições de disputar a palavra, pois que esta não está em jogo, já que o professor acaba por se constituir em agente único que detém a palavra na sala, impondo uma leitura já sedimentada como a única possibilidade de construção de sentido. Falta espaço para a linguagem viva do aluno.

Por último, torna-se necessário chamar a atenção para o fato de que o(s) sentido(s) do corpus analisado, só pode ser compreendidos em seu caráter também plural, se referido ao contexto concreto em que se inserem. A postura do professor e dos alunos está determinada por fatores que extrapolam a sala de aula e que se relacionam com o processo de construção cotidiana do conhecimento pelo professor sobre os fenômenos com os quais lida, não sendo possível qualquer generalização sobre o que é típico atualmente na prática de leitura.

 

 

BIBLIOGRAFIA

 

CORACINI, M.J.(org.). O Jogo Discursivo e a Aula de Leitura. Campinas:  Pontes, 1995.

ORLANDI, E.P. A Linguagem e seu Funcionamento. Campinas: Pontes, 1987.

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PATTO, M.H.S. Psicologia e Ideologia: Uma Introdução Crítica à Psicologia Escolar. São Paulo: T. A . Queiroz, 1984.

PEREIRA DA SILVA, S.R. A Linguagem Cotidiana do Ensino de Língua Portuguesa: o singular-plural. Dissertação de Mestrado, São Paulo: Pontifícia Universidade Católica, 1992.

 

 

 

 

 

 

 

 

Legenda:

P - professor

A1, A2 - diferentes alunos


 O COMPUTADOR/MULTIMÍDIA NO ENSINO DE LÍNGUAS ESTRANGEIRAS: COMO, QUANDO E POR QUÊ?

 

Mariangela Braga NORTE [32]

 

Resumo: O computador está provocando um grande questionamento dos métodos e nos processos de ensino/aprendizagem de línguas estrangeiras.

Apresentarei aqui algumas propostas para introduzi-lo no programa de ensino e sugestões de procedimentos para exploração apropriada de computador/multimídia na sala de aula e extra classe.

 

O computador como instrumento de ensino de Língua Estrangeira - LE - é visto como um recurso com grandes possibilidades de proporcionar situações de aprendizagem. Se bem utilizado, tendo os objetivos bem definidos dentro do programa do curso, ele poderá desempenhar um papel importante no processo ensino/aprendizagem. CALL - Computer Assisted Language Learning, ou ensino de línguas assistido pelo computador é o termo mais usado para descrever o uso do mesmo como instrumento didático em cursos de línguas.

Atualmente, para se implantar a informática na educação, são necessários quatro elementos: o computador, o programa educacional, o professor capacitado para usar o computador como meio educacional e o aluno.

Os programas educacionais, também chamados de "coursewares" são aqueles elaborados para o ensino e aprendizagem. São utilizados não só na escola, mas também fora dos ambientes acadêmicos, proporcionando uma educação continuada. São chamados de PEC - Programas de Ensino por Computador; CAI - Computer Aided Instruction; CAL - Computer Assistence Learning ou Computer Aided Learning; CBI - Computer Based Instruction; CBT - Computer Based Teaching; CMI - Computer Managed Instruction;....

Se pensarmos que o primeiro computador digital, Mark I, foi construído na universidade de Harvard em 1944, pela equipe liderada pelo Prof. Howard Aiken, e o primeiro microcomputador, o Altair, foi comercializado em 1975, constatamos que a tecnologia computacional tem se desenvolvido rapidamente e em seu percurso verificamos grandes mudanças nas relações sociais, econômicas, políticas e educacionais trazidas por essa revolução tecnológica.

Nesta virada de século, temos enquanto educadores, que nos preocupar em renovar a escola, atualizar sua metodologia, acompanhando a realidade, preparando nossos alunos para todas as mudanças que a sociedade vivencia. Temos ainda que orientar os alunos para uma sociedade que exigirá cada vez mais conhecimentos tecnológicos, imaginação, criatividade, capacidade de apresentar soluções para os problemas, espírito de iniciativa, capacidade de trabalho em equipe, enfim, é função da escola desenvolver nesses alunos habilidades que os capacitem para viver melhor no mundo moderno.

Sabemos que ignorar o advento da informática seria criar um fosso entre a escola e a sociedade, por isso nosso objetivo é verificar quais as mudanças que a informática está provocando na metodologia do ensino/ aprendizagem de LE e verificar também qual a melhor maneira de incorporar esta ferramenta valiosa ao ensino de línguas.

No início, seu uso estava apenas ligado à aprendizagem programada, num cenário igual ao dos laboratórios de línguas (áudio-orais) e a criação e aplicação dos programas refletiam a postura mecanicista e estruturalista da época.

Podemos perceber duas visões distintas com respeito ao CALL: a visão tradicional, onde os programas destinam-se a "apresentar, reforçar e testar" a língua enquanto estrutura formal e uma visão mais voltada para o uso da LE numa situação comunicativa real.

Não podemos dizer que a utilização do computador a serviço do ensino tradicional não tenha sido importante, pois seu uso foi um salto valioso para o progresso, tornando os exercícios que eram feitos nos livros didáticos de forma enfadonha, muito mais interessantes e motivadores. Foi uma forma de fazer algo familiar de forma não familiar.

Esta fase inicial (abordagem tradicional) da elaboração de programas destinados ao CALL, dominou até o início dos anos 80, quando começou a ceder lugar para novas possibilidades.

O ensino de LE também evoluiu e, baseado em teorias de aprendizagem e em teorias lingüísticas, a abordagem comunicativa vem defender "the 'use' of language rather than 'usage'" (Widdowson, 1978). Nesta abordagem, o aluno aprende a ver o significado social das estruturas gramaticais e as tarefas elaboradas se centram na resolução de um problema comunicativo. A aprendizagem é voltada para o aluno, respeitando suas diferenças individuais (motivação, capacidades intelectuais, afetivas, ...), sociais e econômicas.

Somos conscientes de que as mudanças tecnológicas são muito rápidas e graças a essas transformações o ensino de LE vem buscando novas alternativas para acompanhar esse desenvolvimento, aprimorando o seu uso para melhor ensinar. Ou seja, o aperfeiçoamento de técnicas computacionais a cada dia permitem também inovações no ensino de LE.

Os novos recursos tecnológicos da informática como a multimídia (que associa som, computação gráfica, imagens captadas de fotografias, filmes, vídeos, ilustrações, textos, músicas, narrações, ...); o correio eletrônico e a Internet, sem dúvida vieram facilitar os profissionais da área de ensino de LE para uma prática visando a uma abordagem comunicativa.

Hoje, temos meios de ensinar as quatro habilidades (compreensão, leitura, escrita e fala) nos diferentes níveis de aprendizagem de LE e não meramente fornecer exercícios e testes.

"Softwares" e CD ROM'S (Compact Disc - ROM = Read Only Memory) permitem um grande número de atividades e tipos de práticas comunicativas, situações de uso real da língua e variedade de possibilidades de acordo com os interesses do aluno.

Introduzindo o computador no programa de ensino

Apesar de fascinante, o uso do computador em sala de aula não deve ser diário e inserido em todas as atividades do curso. É um recurso moderno que cria ambientes propícios de aprendizagem, mas seu uso deve ser dosado e bem planejado.

O professor deve tomar certas precauções quando na realização das tarefas propostas; ele deve ter em mente objetivos claros ao escolher os programas que serão utilizados dentro e fora (self - access CALL - estudo de auto - acesso) da sala de aula.

No "self - access learning" ou sistema de auto - aprendizagem de LE através do computador, o professor coloca à disposição dos alunos uma série de materiais - jogos, lições abrangendo leitura, escrita, produção oral, estudo de gramática, tarefas e exercícios variados para que o aluno aprenda basicamente através de suas próprias ações. Ele atua de modo inteligente e é sujeito de sua própria aprendizagem.

O papel do professor será sempre o de facilitador, orientando e sugerindo tarefas, procurando cultivar nos alunos a sua autonomia, desenvolvendo atividades que incorporam auto-exploração e auto-descobrimento de problemas e erros. 

O aluno deve ser preparado adequadamente para que possa controlar sua aprendizagem. É necessário que se crie um ambiente propício, onde as atividades são direcionadas para que os aprendizes se tornem autônomos, conscientes e desenvolvam suas próprias estratégias de aprendizagem.

Quando trabalhamos em conjunto temos inúmeras formas de se usar o computador em sala de aula. O professor poderá utilizá-lo com alunos trabalhando individualmente, em pares, em grupos ou em conjunto com a classe toda. Isso dependerá de quantos equipamentos estiverem disponíveis. Se o professor tiver só um computador, é aconselhável que trabalhe com a classe toda. Esse computador pode ser conectado a uma tela ou ao "eletronic blackboard", que deve ser de tamanho adequado, dependendo do número de alunos. As condições físicas são importantes e o professor deve adequar seu uso de acordo com a capacidade de concentração que os alunos possam ter diante de uma lousa eletrônica.

Nesse caso o professor será o principal controlador da máquina, mas os alunos também poderão revezar-se em turnos para acessar os comandos. A interação é muito exigida, pois, para a realização das tarefas, é necessária ampla colaboração por parte dos alunos nas discussões sobre as tomadas de decisão para a resolução do problema, principalmente quando a atividade for um jogo.

No caso de programas de simulação, a classe pode ser dividida em dois grupos; após discussão dos obstáculos apresentados, exploração das probabilidades, os alunos defendem suas idéias e a decisão final é colocada na máquina. Mesmo dispondo de apenas um computador, a classe toda deve manter-se ocupada. Enquanto um grupo pressiona as teclas, o outro pode estar discutindo os próximos passos e um outro pode ir escrevendo os acontecimentos. O professor irá determinar a troca de funções de cada grupo.

No caso de haver mais computadores disponíveis, o ideal seria colocar três alunos em cada máquina. Professores experientes que trabalham com o "CALL" alertam para que, na formação dos grupos, seja levado em consideração o sexo dos alunos, alegando que os meninos têm maior intimidade com a máquina (é um alerta questionável). Um outro ponto que deve ser observado no início do trabalho é verificar entre os alunos aqueles que têm um pouco mais de familiaridade com o computador, e espalhá-los nos diferentes grupos para que possam assessorar nos trabalhos. Depois de um tempo, todos estarão aptos.

É claro que o trabalho individualizado é muito produtivo, já que o aprendiz tem a liberdade de praticar o conteúdo que escolher e estudá-lo no horário que lhe for mais conveniente. O tempo de estudo extra classe deve ser deixado a critério de cada aluno.

Quando o trabalho for realizado em rede local - laboratório de línguas moderno - (LAN - Local Area Network), os alunos poderão trabalhar individualmente ou em grupos. Rede significa uma série de microcomputadores ligados a uma central (estação de controle) e seus usuários podem enviar e receber mensagens, propiciando para esses usuários novas possibilidades de comunicação na língua alvo.

A rede oferece aos usuários um ensino personalizado, pois cada aluno pode seguir seu próprio ritmo no progresso das unidades de estudo, pode iniciar sua tarefa de acordo com seu interesse e necessidade e tal flexibilidade não acontece com nenhum outro recurso convencional de um laboratório de línguas.

O professor tem possibilidade de acessar qualquer trabalho dos alunos e fazer sugestões, discutir e auxiliá-los, se for o caso. Se o aluno não quiser se identificar, ele pode enviar mensagens para seus colegas ou para o professor e permanecer no anonimato. Oferece ainda a possibilidade do professor transferir um trabalho de um aluno para outro a fim de promover comparações, comentários e sugestões.

O professor ainda poderá projetar na tela explicações necessárias para todos os usuários da sala para que que haja maior interação.

No caso da multimídia, não podemos trabalhar em rede, pois, cada máquina precisa ter seu próprio "CD - ROM drive" e seus discos não podem ser multiplicados como os disquetes. Isso dificulta seu uso porque é uma ferramenta cara.

A escolha dos programas

Temos algumas considerações pedagógicas que devem ser levadas em conta. A escolha do programa é mais complexa que a escolha de um livro didático, porque além de dar uma "olhada geral", como fazemos com um livro, temos que testá-lo e trabalhar sua partes, analisando todas as suas atividades disponíveis, verificando todas as possibilidades.

Baseada em minhas experiências e na de alguns pesquisadores como Baltra, Underwood, Hardisth, Windeatt, Jones e Fortescue, elencamos uma série de perguntas que devem ser respondidas durante a escolha dos programas. São elas:

· A que o programa se propõe, há uma contribuição nítida ao ensino de LE?

· É motivador, desperta o interesse, os alunos têm prazer em operá-lo?

· Pode ser usado várias vezes sem que o aluno perca o interesse?

· A cada vez que é usado pode ser modificado, acrescenta e varia elementos ou faz sempre as mesmas coisas?

· O programa pode ser usado por um grupo de alunos ou é para uso individual? No caso de ser individual que tipo de embasamento o aluno precisa? Que material mais será necessário?

· O programa apresenta desafio intelectual interessante para o aluno?

· Seu conteúdo pode ser facilmente adaptado à necessidade dos alunos?

· O programa apresenta tarefas que superam o que se pode fazer de maneira convencional?

· Como os estudantes "navegam" dentro do programa? É fácil de se perderem? Que orientações trazem?

· O material é bem apresentado? As telas são confusas? Os elementos de mídia são bem integrados?

· Até que ponto o usuário pode controlar as cores, o som, a imagem?

· Baseia-se simplesmente na prática repetitiva?

· Se for um programa de perguntas e respostas, permite uma variedade de respostas corretas?

· É possível mudar o conteúdo das lições sem entrar em detalhes técnicos de programação?

· Proporciona boas explicações para o aluno quando ele erra?

· Permite gravar o que já foi feito e assim continuar numa outra sessão (especialmente jogos simulados e de aventura que requerem muitas horas de trabalho)?

· O nível da língua estrangeira é mais elevado nas explicações e instruções do que o objetivo do programa?

 

Quanto à parte técnica:

· O programa é fácil de operar?

· Sua instalação é simples ou exige habilidades técnicas?

· Roda em que tipo de máquina; quais os recursos exigidos: impressora, joysticks, multimídia?

· O programa pode ser copiado?

· Pode ser impresso?

· Vem acompanhado de livretos ou telas de instrução?

Depois dessas perguntas respondidas, o professor saberá que tipo de material irá trabalhar com seus alunos.

Exemplos de atividades educacionais no computador

Jogos Populares, R.P.G. (Role Playing Game), Simulados e Jogos de Aventura.

Os jogos, além de exercitar a coordenação motora, desenvolver os reflexos rápidos, aumentam a concentração, a destreza, motivam e proporcionam a aprendizagem.

Há uma grande variedade de jogos educacionais, desde os mais simples como o jogo de ‘Forca’, até os mais elaborados.

Os Simulados e Jogos de Aventura desenvolvem o raciocínio lógico, exigem inteligência e planejamento para resolução dos problemas das situações apresentadas. Os alunos, utilizando a linguagem do dia a dia, consultando dicionários, integrando-se a seus colegas, vão avançando e elaborando estratégias para a solução dos enigmas, conseqüentemente, vão descobrindo etapas e aprendendo a LE. Os programas recriam uma situação e o aluno deve tomar decisões, sendo necessário usar a língua para ler, escrever, ouvir, 'conversar' com a máquina, para poder atingir um determinado fim. O visual, o texto, o oral facilitam para o aluno o processo de aprender as novas informações.

Entre outras vantagens, o computador consegue transformar jogos comuns, oferecendo apresentações atraentes, claras com poderes de motivação. A disponibilidade das máquinas e a flexibilidade na seleção de jogos de acordo com a preferência dos usuários são pontos positivos que podem facilitar a aprendizagem.

Exemplos de jogos de aventura: Mystery House, Voodoo Castle, Treasure Hunt, Amazon, Sherlock Holmes, Prince of Persia, Seventh Guest,...

Exemplos de jogos R.P.G.: Monkey Island II, Sam & Max - Hit the Road, Indiana Jones - Fate of Atlantis,...

Exemplo de simulados: Geography Search, Sim City 2000,...

 

Cursos específicos para o ensino de LE em Multimídia

Os cursos para o ensino de línguas estrangeiras começaram a aparecer nos Estados Unidos nos anos 90, principalmente direcionados a crianças e adolescentes. Eles variam tanto na qualidade técnica quanto na pedagógica.

Citaremos alguns programas, os quais estamos trabalhando com alunos do curso de letras da Unesp Assis:

O programa Ellis - Middle Mastery compõe-se de:

A - CD-ROM contendo os seguinte recursos: "full motion video" que mostra aos usuários contextos do cotidiano americano, através de exemplos textuais, visuais, reprodução de áudio e recursos para gravação. Ilustra o uso da gramática através de formas distintas e interativas, fornece jogos, exercícios de múltipla escolha e oferece ainda três níveis - fácil, médio e difícil - de prática e testagem.

O programa tem como objetivo aumentar a competência comunicativa do aprendiz por meio do ensino de vocabulário, gramática, expressões mais usadas, aspectos culturais, pronúncia e compreensão oral. Exige que os alunos tomem parte no desenvolvimento de suas próprias estratégias cognitivas e oferece a chance de acesso às informações de acordo com suas necessidades e interesses.

English Plus (Basic 3) é uma série de 11 Cds e está dividido em níveis: Let's Start 1; Básico 1,2,3; Intermediário 1,2,3; e Adiantado 1,2,3, e 4.

Para o desenvolvimento da leitura o programa oferece uma seleção de textos variados incluindo cartões postais, anúncios, avisos, cartas, contos, artigos de jornais e revistas. Se clicados, os ícones nos oferecem a idéia principal do texto, palavras-chave, palavras de referência, de ligação, tradução e a leitura do texto por um falante nativo. Os exercícios são do tipo múltipla escolha ou de preencher lacunas. Escolhi esse programa para trabalhar a leitura por seguir estratégias desenvolvidas dentro da metodologia do Inglês Instrumental.

Na parte de compreensão auditiva, se clicado o ícone "listening" no menu principal aparecerá um rádio, uma televisão e uma secretária eletrônica. O rádio tem opções que variam entre esporte, previsão do tempo, noticiários, novelas,...; na TV incluem-se filmes de aventura, drama e suspense. A secretária eletrônica tem mensagens de familiares, amigos e de trabalho e o usuário pode ouvir o texto completo, ver o texto, ver a tradução de uma seção selecionada, ouvir a seção selecionada, gravar sua voz e ouví-la. Os exercícios variam entre perguntas e respostas, preenchimento de lacunas e testes de múltiplas escolha.

Os jogos levam o usuário às diferentes cidades do mundo, onde o inglês é falado. Em alguma parte da cidade tem um objeto escondido. O objetivo é descobrir qual é o objeto escondido e onde ele se encontra. Para realizar esta tarefa, o aluno precisa utilizar as quatro habilidades.

Entre outros aplicativos, em nossa pesquisa estamos trabalhando também com o Triple Play Plus e o English on CD - ROM.

 

Enciclopédias e Dicionários

Também podem ser utilizados no ensino comunicativo de LE e, para isso, exigem certa criatividade do professor.

Longman Interactive English Dictionary - neste CD, interagem os seguintes dicionários: de definições, pronúncia, gramática, verbos, erros comuns e de gravuras. Além disso, ele possui 8 vídeos que mostram nosso cotidiano.

Esse dicionário pode ser usado em atividades do tipo:

- ensino prévio de vocabulário para preparar os alunos para atividades de leitura, escrita ou produção oral;

- pesquisa de informações fatuais sobre a vida ou cultura americana ou inglesa, ou buscar informações sobre pessoas famosas;

- integrado ao curso quando focalizamos um ponto gramatical em particular;

- ampliação do vocabulário buscando as "famílias de palavras". Por exemplo: selecionar no menu "Book" o "Full text" e procurar a palavra "flower" no data base. Aparecerão várias entradas contendo a palavra - definição ou como parte no exemplo de sentenças - aparecerá uma lista incluindo os diferentes tipos de flores, partes da flor, ...;

- apresentação de situações reais através de vídeos que mostram as diferentes funções de linguagem e o usuário pode optar entre ver o texto, a imagem e o som simultaneamente ou separadamente, ou ainda, selecionar expressões idiomáticas, pontos gramaticais, etc...

Enciclopédia Encarta

Com enciclopédias podemos realizar uma infinidade de atividades, como por exemplo: dividir os alunos em grupos para que cada grupo pesquise um assunto específico. Para isso, terão que selecionar os textos, ler, resumir, dar opinião pessoal sobre o assunto, discutir com o grupo, editar o texto e apresentar a pesquisa para a classe toda. Nessa tarefa, os aprendizes terão oportunidade de praticar as quatro habilidades da língua.

Nossa experiência, utilizando o Computador/Multimídia no curso de língua inglesa para os alunos do segundo ano do curso de Letras, tem nos mostrado que essa ferramenta oferece um ambiente favorável de aprendizagem, proporciona atividades interativas, é fonte de motivação e estimula a auto-aprendizagem.

         A pesquisa sobre informática e ensino de LE está no início e certamente o Computador como recurso didático será cada vez mais presente.

 

BIBLIOGRAFIA

BALTRA, A., O Microcomputador no Ensino de Línguas Estrangeiras, S. Paulo: Nobel,1987.

BRETON, P. História da Informática, São Paulo: UNESP, 1991.

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WIDDOWSON, H.G. Teaching Language as Communication. Oxford Univ., 1978.

 


 A ELIPSE COMO FATOR DE COERÊNCIA NO DISCURSO FONSEQUIANO

 

Maria Cecilia ZANON[33]

 

Resumo: Este estudo tem por objetivo mostrar o papel da elipse como operador de dependências entre enunciados distintos, ou entre os enunciados e o contexto situacional num texto escrito.

Para tanto, analisamos algumas passagens do conto A arte de andar nas ruas do Rio de Janeiro, da obra Romance negro e outras histórias do autor Rubem Fonseca.

 

Procuramos nesse trabalho mostrar o papel da elipse como operador de dependências entre enunciados distintos, ou entre os enunciados e o contexto situacional no conto “A arte de andar nas ruas do Rio de Janeiro”, que se encontra na obra Romance negro e outras histórias, de Rubem Fonseca.

Como se sabe a elipse é a supressão de elementos que o contexto ou a situação permitem facilmente subentender. É possível situar a elipse dentro do que Jakobson (1963:47) chama de “escala ascendente de liberdade”, no que se refere à combinação dos enunciados no discurso. Para tanto, torna-se necessário o estudo do discurso, como seqüência ordenada e coerente de enunciados, através do exame das propriedades da seqüência, procurando “tirar ensinamentos, não daquilo que falta, mas do que está presente nos enunciados elípticos”. (Cherchi, 1978.:120)

No conto em questão é possível entrever tais aspectos do enunciado elíptico, pois trata-se de um texto cuja linguagem objetiva, realista e bastante atual, oferece-nos seqüências amplamente marcadas por tais superfícies elípticas.

 

1. “Augusto, o andarilho, cujo nome verdadeiro é Epifânio, mora num sobrado em cima de uma chapelaria feminina, na rua Sete de Setembro, no centro da cidade, e anda nas ruas o dia inteiro e parte da noite. Acredita que ao caminhar pensa melhor, encontra soluções para os problemas.” (p. 12)

 

Essa noção de falta, de supressão de elementos num enunciado leva-nos a considerar uma estrutura frasal que contenha os seus elementos constitutivos. O enunciado elíptico pode apresentar três, dois ou somente um desses elementos sem, no entanto, deixar de expressar claramente a intenção do emissor.

 

2. “- O que é isso aí em cima?

 - Uma clarabóia.” (p. 22)

 

Podemos notar que nesse exemplo a resposta à questão é elíptica, e são justamente as formas elípticas que estabelecem o laço necessário no enunciado.

Em uma resposta completa, o laço seria criado pelo estatuto interrogativo do primeiro enunciado e esta resposta, sendo completa, não necessitaria de nenhuma referência para ser compreendida.

Todavia, no caso da resposta elíptica, é de baixo para cima que se estabelece a dependência, isto é, é na resposta que a relação entre enunciados se concretiza.

Também é possível observar a interação dos enunciados de forma elíptica, dessa vez numa seqüência assertiva, no seguinte exemplo:

 

3. “- Deixa eu morar aqui até aprender a ler.

 - Só quinze dias.” (p. 29)

 

Podemos então observar que a forma elíptica constitui-se num verdadeiro operador de dependências entre os enunciados. Essas formas estabelecem a referência, confirmam e completam a idéia do enunciado anterior.

Conforme nos diz Jakobson (op. cit.:47), “ na combinação das frases em enunciados, a ação das regras impositivas da sintaxe cessa e a liberdade de todo locutor cresce substancialmente”, e, ao analisarmos seqüências dialogadas, podemos verificar que essa liberdade de criação reduz os enunciados a enunciados elípticos os quais estabelecem a dependência entre eles mesmos ou entre o enunciado e a situação contextual.

 

4. “- Senta aqui, diz para a mulher.

- Onde está a cama? diz ela.

- Anda, senta, diz ele, sentando-se na outra cadeira. Eu sei ler, desculpe ter mentido para você. Sabe o que estava escrito naquele cartaz no bar? Refeição comercial. Eles não vendem fiado, é verdade, mas isso não estava escrito na parede. Eu quero te ensinar a ler, pago o combinado.

- Você é broxa?” (p. 22)

 

Talvez, inicialmente, possamos imaginar que se trata de uma seqüência desconexa, mas é no enunciado Onde está a cama? que encontramos a evidência da dependência entre esses enunciados, pois é ele que nos remeterá a um enunciado anterior que introduz a personagem - uma prostituta escolhida por Augusto, para ensiná-la a ler.

Os quatro enunciados mostram uma interdependência tão grande que dificulta uma possível análise individual dos turnos.

O enunciado Você é broxa? age como elo dos três enunciados anteriores e tem como referência direta o contexto expresso no exemplo Onde está a cama?, que nos remete à situação contextual global da estória, esclarecendo que se trata de uma prostituta. O enunciado seguinte (Anda, senta... pago o combinado), revela-nos o motivo de sua presença na casa de Augusto.

O laço discursivo estabelecido pela elipse é um laço necessário, porque, se o enunciado elíptico não remete o receptor a um outro enunciado do discurso, ele supõe sempre uma referência ao contexto situacional, como no exemplo a seguir:

 

5. “- Vamos, o Velho está esperando, diz Augusto.

 - Bagulho ordinário, diz Kelly.” (p. 37

 

O enunciado bagulho ordinário não faz alusão ao anterior, mas nos remete automaticamente ao contexto, no qual, sabe-se que um grande número de objetos expostos pelos camelôs é atentamente observado por Kelly.

Já que não existe gramaticalidade interna nos enunciados elípticos, a relação por eles estabelecida é uma garantia de aceitabilidade, pois sua forma incompleta tem força ilocucionária independente. (Cherchi, op. cit.:125)

Nessa próxima seqüência podemos observar como o enunciado elíptico opera dependências no contexto situacional.

Os três personagens Augusto, Kelly e o Velho, conversam num restaurante. É uma conversa entremeada de reflexões nostálgicas, frases áridas, discursos afetados, enfim, uma conversa aparentemente desprovida de conexão.

 

6. “- Ela era muito bonita. Nunca mais vi uma moça tão bonita.

- Come o arroz, vai ficar frio, diz Augusto.

- Ela mancava de uma perna. Isso para mim não tinha importância. Mas para ela era importante.

- É sempre assim, diz Kelly.

- Você tem razão, diz o Velho.

- Come o arroz, vai ficar frio.

- As mulheres de vida airada são detentoras de uma sinuosa sabedoria. Você me deu um momentâneo conforto ao mencionar a inexorabilidade das coisas, diz o Velho.

- Obrigada, diz Kelly.

- Come o arroz, vai ficar frio.

- Vai ser tudo derrubado, diz o Velho.

- Antigamente era melhor? pergunta Augusto.

- Era.” (p. 38)

 

Nessa seqüência de frases cortadas, podemos perceber como a elipse marca a dependência dos enunciados, transformando-a num bloco coeso e complexo.

O enunciado Come o arroz, vai ficar frio, repetido três vezes por Augusto, à primeira vista parece estar desvinculado dos demais, no entanto, não somente nos remete à situação do contexto no restaurante, como nos revela a tentativa do enunciador de evitar o envolvimento com as outras personagens, ao interromper as lembranças do velho. Kelly, ao contrário, ao se manifestar dizendo É sempre assim o ouve e participa de seus devaneios, estendendo a asserção para outras situações semelhantes.

Outra faceta da elipse que nos parece importante apontar é a de possibilitar a criação de um efeito ligeiramente cômico, surgido a partir de situações inusitadas fornecidas pelo autor, como nesta seqüência:

 

7. “- O que o senhor quer de mim? Um  pacto?

- Entrei no seu cinema por acaso, por causa das cápsulas com selênio.

- Cápsulas com selênio, diz o pastor, empalidecendo ainda mais. Não era selênio um dos elementos  usados pelo demônio? Ele não consegue se lembrar.” (p. 42)

 

Nessa seqüência, aparentemente, não há coerência, pois além de encontrarmos frases reduzidas, deparamo-nos com palavras de campos semânticos diversos: pacto, cinema, cápsulas de selênio, pastor, levando-nos a uma sucessão de observações desconexas.

Atento aos fatos que consegue perceber e levado a compreender a situação confusa em que se encontram as personagens, o leitor apreende intuitivamente os fatos narrados, porque somente na situação contextual é que ele vai buscar a fonte que estabelecerá a coerência.

A lógica só é estabelecida quando se percebe que se trata da estória de um escritor, com uma orelha cortada, que casualmente, ao procurar uma farmácia para comprar as cápsulas de selênio, entra no templo onde trabalha o pastor Raimundo. Este estranha a presença de um homem sem uma orelha, e acredita que ele é o demônio. Outro dado fundamental para a recuperação da coerência é saber que esse templo, à noite, transforma-se em uma sala de cinema, onde se exibem filmes pornográficos.

O autor criou uma situação inusitada, paradoxal, avultada pelo uso da elipse entre os enunciados. O laço discursivo é, então, estabelecido por esse elemento argumentativo, que é uma unidade necessária, pois se por um lado seu uso aumenta a singularidade do discurso, por outro possibilita a recuperação da normalidade da situação contextual. A situação já está presente no espírito do receptor, condicionando assim a compreensão dos enunciados, capacitando-o a estabelecer as interdependências entre eles e a situação em que esses enunciados se inserem.

Após a análise das várias ocorrências da elipse no conto A arte de andar nas ruas do Rio de Janeiro, podemos constatar a importância desse fenômeno lingüístico na estruturação textual.

Podemos concluir que o emprego da elipse nesse conto nos permite confirmar seu papel de articulador de referentes textuais e situacionais e sua relevância para a configuração do texto, no que concerne à integração entre enunciados e entre enunciador e receptor.

 

 

BIBLIOGRAFIA

 

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MATEUS, M. H. M., et al. Gramática da língua portuguesa. Coimbra: Livraria Almedina, 1983.

 


AVALIAÇÃO DE REDAÇÃO: A COESÃO

 

Marilurdes ZANINI[34]

Renilson José MENEGASSI[35]

 

Resumo: A planilha de avaliação de redação em situação de concurso vestibular da UEM é composta por dois campos: conteúdo e forma. Na forma estão três itens: tipologia textual, emprego da norma padrão-culta e coesão. Neste trabalho, apresentamos a avaliação do item coesão, os seis aspectos por nós considerados e exemplificamos a avaliação com redações produzidas no vestibular de janeiro de 1997.

 

 

Introdução

A planilha de avaliação de redação da Universidade Estadual de Maringá (UEM) divide-se em dois campos: forma e conteúdo. O campo da forma é composto de três itens: tipologia textual, emprego da norma padrão-culta e coesão. Nessa planilha, que a UEM vem desenvolvendo, a coesão é composta por uma escala de seis características, com valoração própria, no intuito de permitir uma análise mais objetiva da redação a ser avaliada.

Neste trabalho, apresentamos a avaliação do item coesão, os aspectos nele envolvidos e exemplificamos com redações produzidas no concurso vestibular de 1997 da UEM.

 

1. A coesão

A coesão é responsável, de certa forma, pela manifestação lingüística da coerência, como expressa Val (1991:6): “advém da maneira como os conceitos e relações subjacentes são expressos na superfície textual”. Sua construção se faz através de mecanismos gramaticais e lexicais que contribuem para a formação da textualidade.

Charolles (1988) denomina a coesão, no nível microestrutural, como um fator formador da superficialidade do texto. Já Mateus et al. (1983) denominam-na como conectividade seqüencial. Beaugrande e Dressler (1981) situam-na no nível microestrutural, enfatizando a seqüencialidade das palavras usadas e suas ligações entre si dentro do texto.

Por ser responsável pela unidade formal do texto, enquadramos a coesão no campo da forma na planilha de avaliação da UEM, uma vez que neste item são analisados os empregos de pronomes anafóricos, artigos, elipse, concordância, conjunções, a reiteração lexical, a substituição e a associação, entre outros exemplos. Esses elementos superficializam os conceitos subjacentes que a coerência constrói no texto.

 

2. A coesão na planilha de avaliação da UEM

Na planilha de avaliação de redação da UEM (Zanini e Menegassi, 1996), a coesão é composta por seis aspectos que permitem uma avaliação mais objetiva da redação. Esses aspectos são demonstrados em uma gradação que vai da ausência de elementos coesivos à apresentação de ótimas marcas de coesão.

Os aspectos da coesão são os seguintes:

a) Ausência de marcas coesivas - A redação apresenta ausência de elementos coesivos ou uso completamente inadequado daqueles que o seu autor se aventurou a empregar, comprometendo a leitura do texto.

b) Marcas coesivas mínimas - A redação apresenta alguns elementos coesivos esporadicamente, sem demonstrar com segurança a função desses elementos, empregando marcas coesivas mínimas.

c) Marcas coesivas - A redação apresenta poucos elementos coesivos, problemas de seqüência com comprometimento da estrutura interna dos parágrafos e desses entre si.

d) Marcas coesivas razoáveis - A redação apresenta elementos coesivos, mas não os explora como deveriam ser explorados.

e) Marcas coesivas boas - A redação apresenta uso adequado de elementos coesivos, sem muita exploração; mas, também, não apresenta problemas significativos de coesão.

f) Marcas coesivas ótimas - A redação apresenta exploração, com adequação, dos elementos coesivos mais comuns.

 

Na planilha de avaliação, a coesão recebe uma pontuação de 1 a 10 pontos[36], numa escala valorativa de 60 pontos do total da redação, distribuídos entre os seis itens que a compõem. Dessa forma, a coesão corresponde a 16,66% do total da redação avaliada, o que, numa escala de 0 a 100 pontos, a coesão também corresponderia a 16,66.

 

3. Algumas exemplificações

As redações apresentadas como exemplificação nesta seção foram produzidas no concurso vestibular de janeiro de 1997 da UEM, cuja proposta temática teve o estímulo de um texto retirado da revista Istoé, que tratava da questão dos empregos na sociedade atual, enfocando as profissões que estão em alta e em baixa no mercado atual. Nesse tema, o comando requisitava um texto dissertativo.

O aspecto ausência de marcas coesivas não será aqui analisado, por não ter sido encontrado em nenhuma das redações avaliadas em janeiro de 1997, o que é um bom sinal da influência que a Lingüística Textual vem realizando no 1º e 2º graus de ensino. Os elementos coesivos estão destacados em todos os textos como forma de melhor visualização.

 

3.1 Marcas coesiva mínimas

A informatização, na procura de melhorar a qualidade de seus produtos. Empresários cada vez mais envestem em informática. Como a informação também está feita pela informática (INTERNET), os projetos de construção para edifícios, ETC. Com a informatização, empresários vêm como uma economia de dinheiro, substituir empregados por computadores.

A informática trouxe muitos benefícios e continua trazendo, cada vez mais surgem nos empregos em decorrência do processo de globalização, onde a concorrência por trabalhos almenta e quem não estiver preparado, com estudo.

O Brasil está em tempos de transformações, a informática faz parte da vida de milhões de brasileiros, mas faltam muitos brasileiros para terem computadores, enquanto a miséria continuar, o Brasil não vai mudar muito.

O problema da informatização é o desemprego que surge decorrente da mudança, por exemplo, os caixas bancários, são demitidos ou seja substituídos por máquinas, o arquiteto também perde muitos trabalhos para o computador.

No Brasil as empresas que mais crescem são as empresas automobilísticas, o turismo está a que fatura mais no Brasil.

A ‘Jr’ informática trouxe grandes benefícios, mas também muitos “pl”- corrigindo- problemas como o desemprego, pois o mercado de trabalho não tem capacidade de absorver este total de desempregados.

 

Nessa redação, observamos o emprego de elementos coesivos espontâneos, sem que isso permita ao avaliador perceber que o autor do texto os tenha empregado de forma consciente, demonstrando a função desses elementos, com o objetivo de fortalecer a coerência. No primeiro parágrafo, tem-se a impressão de que a coesão acontecerá satisfatoriamente, pelo emprego do possessivo seus, aparentemente correto. Porém, esse emprego não se fez conscientemente, uma vez que a frase foi interrompida abruptamente. A partir daí, o que se percebe é o emprego de elementos coesivos entre termos da oração, os quais despertam uma expectativa e a quebram, logo após a leitura da palavra seguinte. Embora os elementos existam, eles se limitam a preencher espaços vazios, sem, contudo, alinhavarem as palavras, as frases e os parágrafos entre si, a fim de, na superfície, estabelecerem os caminhos que favoreçam a intromissão na coerência. São elementos que se apresentam sem muita objetividade, já que continuam a interromper a linearidade em nível de comprometimento da fluência da leitura. Esta redação tem uma valoração de 2 pontos.

 

3.2 Marcas coesivas

 

Adaptação

 

Grandes pessoas atentam para as previsões futuristas, observam e agem. Fazem acontecer, entram no bonde rumo ao desenvolvimento, renovam e se informam, ou seja,se informatizam, penetram no mundo da tão gloriosa informática. Seus empregos ou negócios dependem disso.

Os banqueiros não vivem sem, os bancários têm medo, receio e interesse, pois muita coisa está em jogo, como ninguém quer perder, o que há de se fazer é adaptar. Por isso os bancários estão por dentro da informática, o que facilita em muito seu trabalho, mas não querendo estimular muito essa prática, pois está na mira e com o gatilho pronto para ser puxado sobre seu cargo.

Apertar parafusos não é serviço que precise de cérebro para acontecer. Se uma pessoa faz serviço de máquina, certamente    está prestes a ser convidada digo convidada a alguma outra atuação, de preferência, que se encaixe nos padrões de exigência das corporações atuantes, e para isso, busca-se cursos, revistas, alguma maneira de aprender a se dar com a condição adversa que surgiu.

Esse parágrafo tratou de como a pessoa se adapta, sem precisar haver um ludismo contemporâneo.

A atenção e o aprimoramento são armas fortes para grandes pessoas, seus tempos são curtos, escassos porém, bem aproveitados.

 

Essa redação apresenta marcas de coesão porque os elementos coesivos se fazem presentes, embora com timidez e sem exploração que permita o enriquecimento do texto. São esporádicos também, mas o que difere no item coesão essa redação da anterior é a tentativa de alinhavar as palavras em busca da construção da superfície textual. Esta redação tem uma valoração de 3 a 4 pontos.

 

3.3 Marcas coesivas razoáveis

 

Mundo atual

 

É verdade que, em tempos atuais os avanços tecnológicos e a abertura da economia no mercado de trabalho, a chamada globalização, tem crescido intensamente.

O computador já faz parte do cotidiano, seja em empresas, indústrias, casas e até na vida doméstica. É possível ter acesso a qualquer informação através da Internet que além disso oferece serviços como o fax, correspondência entre outros. Os bancos são automatizados, empresas automobilística modernizados e milhares de funcionáiros são eliminados.

Através da globalização, surgem empresas multinacionais, instalando-se em qualquer parte do mundo, seja em um país desenvolvido ou não, mas que possua uma infra-estrutura. Cresce também o campo de turismo e a procura de escolas de línguas. Tudo isso gera emprego, no entanto é insuficiente para o número de desempregados existente.

O mercado exige cada vez mais um profissional eficaz que domine sua área de atuação e modernize seus conhecimentos dia a dia, principalmente atravéz da informática que é necessário à toda profissão. É lamentável que os menos favorecidos não tenham acesso ao crescimento tecnológico.

 

Já essa redação não investe na coesão, mas procura apresentar e empregar os elementos conforme conhecimento baseado na gramática normativa. É a redação que preenche a “fórmula”. O emprego de cada elemento cumpre os seus objetivos, sem a exploração com fins claros de tornar a redação mais surpreendente. Assim, a leitura flui sem comprometimentos, de forma óbvia, previsível. Esta redação tem uma valoração de 5 a 6 pontos.

 

3.4 Marcas coesivas boas

 

Carência de Incentivo Governamental

 

A agricultura brasileira, mesmo depois de um grande salto tecnológico, continua, agora porém mais intensa, submissa ao poder da terceirização o que gera uma precária assistência do Estado neste setor de pequena concentração econômica, dando mais valor ao de assistência social. Contudo, deveria este analisar de forma concisa que a primeira é a base fundamental para a sobrevivência.

Em primeiro lugar deve-se ressaltar que o trabalhador rural, em meio a conturbadas crises econômicas no setor rudimentar primário, vê-se abandonado da proteção governamental, visto que esta não oferece créditos em prol de uma agricultura melhor, levando esse mísero trabalhador a buscar, como forma de saída do aprisionamento econômico, ajuda financeira de bancos a fim de obter incrementos agrícolas para uma safra objetivada de lucro.

Um segundo fator a ser analisado frente a esta questão é a conseqüência imediata fruto do insucesso na produção e comercialização dos produtos agrícolas,    levando o agricultor a se emaranhar num mar de dúvidas. Esse insucesso é gerado pela concorrência com produtos industrializados que são os preferidos dos consumidores do capitalismo selvagem e também pelo baixíssimo preço ofertado pelos atravessadores ao homem do campo pela compra da produção.

Devido a isso, pode-se concluir que para a agricultura obter uma infra-estrutura mais rígida faz-se necessário o crédito governamental a fim de que o agricultor não seja vítima da dívida e da submissão ao avanço da terceirização.

        

Aqui temos uma redação que já começa a investir nos elementos coesivos, embora ainda não os explore. Mas podemos perceber que o que o autor desse texto demonstra é a consciência no emprego dos elementos. Essa consciência se revela na variedade de elementos e na quebra do previsível, como são demonstrados nos destaques apresentados por nós nessa redação, recebendo, assim, uma valoração de 7 a 8 pontos.

 

3.5 Marcas coesivas ótimas

 

Criação de novas Profissões: Um desafio ao homem

 

Atualmente existe um estigma negativista na mentalidade das pessoas de que, em breve, talvez já na primeira década do Século XXI, o desemprego possa se tornar o maior problema da humanidade. Não cremos nisso.

É preciso lembrar que, diante de outras ameaças similares a essa, o ser humano, através da sua criatividade, conseguiu vencer os desafios. A História comprova isso, quando no século passado o economista inglês Malthus previu que a fome iria dizimar milhões de pessoas em pouco tempo. O homem, através da sua engenhosidade conseguiu inventar novas técnicas de produção,     transformação e distribuição de alimentos.

É certo que, devido a globalização da economia, a automação industrial e a informatização, aliada à recessão da economia, haverá redução de mão-de-obra em atividades como industrias, bancos, construção civil etc. Mas tem surgido novas atividades, tais como, comercio exterior, turismo, franquia e serviços tercerizados que absorverá trabalhadores das atividades em processo de redução.

Portanto, firmado na capacidade de readaptação em novas situações, inerente ao ser humano, concluimos que ele inventará novas ocupações úteis à humanidade, e que lhe fornecerá meios para a sua sobrevivência.

 

Podemos perceber que essa redação, além de apresentar elementos coesivos ditos previsíveis, revela consciência e exploração desses elementos, lançando-os adequadamente, criando expectativas bem atendidas na seqüência frasal e dos parágrafos. Investe nos elementos coesivos, já que extrapola o limite do rol de palavras relacionadas como aquelas que se prestam a “ligar” outras, na gramática normativa. Percebe-se que o autor domina e sabe como e porque utilizá-las dentro do contexto em que são produzidas estas redações, como podemos observar pelos elementos destacados, o que lhe atribui uma valoração de 9 a 10 pontos.

 

Conclusão

Considerando o contexto em que as redações aqui analisadas foram e são produzidas - a de concurso vestibular, acreditamos que o processo que vimos desenvolvendo e aperfeiçoando por meio da prática enriquecedora exercida com um número em torno de 10.000 redações por ano, até agora, tem permitido uma avaliação mais objetiva e mais justa. O item aqui discutido evidencia um aspecto formal que pode contribuir, e muito, para o encontro do conteúdo que se quer revelar. Observamos que a escala de valoração prioriza aquela redação produzida por um autor crítico, conhecedor da língua e da sua adequação às várias situações em que é requisitada.

 

 

BIBLIOGRAFIA

 

BEAUGRANDE, R. e DRESSLER, W. Introduction to text linguistics. Londres/New York: Longman, 1981.

CHAROLLES, M. “Introdução aos problemas da coerência dos textos (abordagem teórica e estudo das práticas pedagógicas)”. IN GALVES, C. et al. (org.). O texto: escrita e leitura. Tradução de Charlotte Galves. Campinas: Pontes, 39-85, 1988.

MATEUS, M.H. et alii. Gramática da língua portuguesa. Coimbra: Almedina, 1983.

VAL, M.G.C. Redação e textualidade. São Paulo: Martins Fontes, 1991.

ZANINI, M. e MENEGASSI, R.J. “Avaliação de redação: o vestibular da UEM.” Anais do IX Seminário do Centro de Estudos Lingüísticos e Literários do Paraná. (1995: Umuarama). Londrina: Universidade Estadual de Londrina, 1996a.


A expressividade dos sufixos aumentativos e diminutivos em Tutaméia, de J. G. Rosa

 

                                                Jeane Mari Sant’Ana SPERA[37]

 

Resumo: Com a abordagem de alguns dos neologismos formados com o auxílio de sufixos diminutivo e aumentativo, em Tutaméia, de J.G.Rosa, procuramos dar a conhecer aspectos decorrentes do uso expressivo desses sufixos. Extrapolando a simples expressão de tamanho, essas formações neológicas transformam-se em elementos integradores dos contos e servem ao propósito do Autor de estabelecer conexões semânticas com outros elementos formadores da teia narrativo-textual.

 

Afirma Vilanova (1977,p.66) que "o grau não se limita à sua significação dimensional e, com o seu uso apropriado, (..) a linguagem tem possibilidade de alcançar real expressividade."

No textos tutameianos, de fato, o uso do diminutivo e do aumentativo extrapola a expressão de dimensão de tamanho para revestir-se de outras nuances expressivas. Mary Daniel (op.cit. p.49) considera que "o traço mais notável do uso do diminutivo de Guimarães Rosa é sua marcada preferência pela forma apocopada -im, derivada de -inho, -a e -ino, -a." Essa forma apocopada aparece com maior intensidade em Grande Sertão: Veredas e em Corpo de Baile, diminuindo sensivelmente em Sagarana e Primeiras Estórias, conforme levantamento da autora.

Em Tutaméia (Rosa,1976), o sufixo -im aparece sob a forma variante -quim, contextualmente condicionada. Trata-se da formação polissêmica felizquim, que acumula traços do sufixo diminutivo com os do hipocorístico Quim, referente ao protagonista do conto Orientação:

"Quim, o novo casado, de mesuras sem cura, com esquisitâncias e coisinhiquezas, lunático-de-mel, ainda mais felizquim." (p.109)

 

O som im, que perpassa o conto, oferece ao leitor um "clima" chinês, evocado pelo protagonista que, em certo momento, é denominado "Quim chim", além de ser qualificado de "sínico" e "sutilzinho" (p.110). Nesse caso, o sufixo -im possibilita o cruzamento do nome da personagem com a idéia de pequenez física e gestual: "combinava virtudes com mínima mímica" (p.108) e, na festa de seu casamento com Rita-Rola, sua felicidade é traduzida pela intensificação de seus pequenos gestos, comparados aos "pimpolins" de gato:

"Ele, gravata no pescoço, aos pimpolins de gato, feliz como um assovio." (p.109)

 

Vemos em pimpolins uma formação onomatopaica que sugere os movimentos rápidos, repetidos e diminutos do gato (algo como "pim-pulinhos"), além de recuperar o som -im, responsável pelo estabelecimento do padrão fônico no texto.

A comparação que se pode fazer entre essa formação e aquelas citadas por Daniel: pouquim, de Grande Sertão:Veredas, e chinelins, de Corpo de Baile, aponta para uma maior funcionalidade do sufixo, o qual passa a incorporar e acumular valores textuais variados.

Outros sufixos empregados para a expressão do diminutivo, formando vocábulos neológicos, são: -(z)inho, -ote, -ulo, -ota e -anho.

A originalidade do uso desses sufixos prende-se, entre outros fatores, à sua anexação a bases que normalmente o rejeitam, como em "proprinhos" (p.110) e, em outros casos, ao fato de ligar-se a uma base que já contém um sufixo aumentativo, como em "homenzarrinho", do seguinte segmento:

"(...) até hoje por isso não pode deixar de querer ainda mais, com históricos carinhos, seu hoje mais que ex-amante, Joãoquerque, avergado homenzarrinho, que ora se gelava em azul angústia, (...).(p.49)

 

A justaposição dos dois sufixos normalmente antagônicos expressa, com apoio no diminutivo, o estado de pequenez física da personagem, que, no momento focalizado, se encolhe de medo, como bem traduz a afirmação um pouco anterior, dentro do conto: "Joãoquerque encostou o peito à barriga"(p.49). De outro lado, o aumentativo antecipa informações sobre a sua excelência moral, que se traduzirá por "coragem", manifestada concretamente apenas no final do conto Estória no.3, de onde o segmento acima foi retirado.

O sufixo -inho pode, ainda, anteceder outro sufixo, igualmente diminutivo, como ocorre em coisinhiquesas (p.109) (coisa + inha + ico + eza), em passagem há pouco citada, que retomamos:

Quim, o novo casado, de mesuras sem cura, com esquisitâncias e coisinhiquezas, lunático-de-mel, ainda mais felizquim."(p.109)

 

Trata-se, evidentemente, de um recurso que, além de sublinhar o traço de pequenez ou, mais apropriadamente, delicadeza, remete, com os sons i-in, ao tom chinês do conto, já referido neste trabalho.

Embora se trate de um nome próprio, consideramos implícito o valor de diminutivo de pronome na forma Euzinha, que corresponde ao nome da personagem do conto Tresaventura:

"Só a tratavam de Dja ou Iaí, menininha, de babar no travesseiro.(...). De ser, se inventava: -`Maria Euzinha...' - voz menor que uma trova, os cabelos cacho, cacho." (p.174)

 

A forma gráfica "Euzinha" instaura ambigüidade, já que a palavra assim formada pode derivar de Euza ou Elza. Mas o conto permite interpretar "Euzinha" também como o diminutivo do "eu" da menina, cuja visão de mundo infantil tematiza o conto. Observe-se que a menina é chamada pelos outros de Dja ou Iaí, mas ela mesma se autodenomina ("se inventava") Maria Euzinha.

A visão infantil da menina Euzinha estampa-se com perfeição no vocábulo neológico vividinho, que determina "vento" em: "Vinha um vento vividinho(...)."(p.175). Trata-se de um mecanismo que atenua a intensidade do adjetivo "vívido", pela anexação do sufixo diminutivo e pela conseqüente alteração da sílaba tônica, cuja força sonora fica enfraquecida com o deslocamento. A formação neológica reveste-se, assim, de afetividade e está perfeitamente de acordo com o tipo de relação estabelecido entre a personagem e a natureza que a rodeia.

Outros sufixos diminutivos são pouco empregados na formação de vocábulos neológicos, havendo apenas uma ocorrência com -ote: normalote (p.53), -ulo: tímidulo (p.139) e com -ota: ciciota (p.172).

Embora esporádicos, os neologismos formados com o auxílio de sufixos aumentativos são bastante expressivos e refletem, com muita clareza, a constante preocupação do Autor em integrá-los semanticamente aos outros elementos constitutivos do texto.

Consideremos duas formações curiosas em que uma determinada forma livre parece desprender-se de sua condição de unidade lexical autônoma, para assumir, como sufixo, a condição de forma presa que acrescenta à base a idéia de excesso:

"Entufava o aspecto, para tantas importâncias; feiancho, mais feio ficava." (p.89)

 

"Abriu aquela mala - em que retinha o que de `Dá-o-Galo' do Circo Carré: narizes de papelão postiços, (...), sapatanchas, careca-crescente, amplas bufonas coloridas."(p.117)

 

Ambos os neologismos grifados nos segmentos acima transcritos assemelham-se a uma palavra-montagem, com a aglutinação de uma base adjetival ou substantival ao adjetivo "ancho", que designa "largo, amplo". Sem prejuízo do valor resultante da referida fusão, é preciso, entretanto, considerar que o significado de amplitude já contido no próprio adjetivo formador (ancho) propicia que se considere a unidade também no seu trânsito para a condição de morfema aumentativo, o que nos situa concomitantemente diante de um caso de derivação sufixal.

A interpretação de "ancho" como elemento sufixal que se anexa à base "feio" - no caso de feiancho, do conto Mechéu - encontra dados contextuais confirmadores do valor semântico de sufixo aumentativo. Trata-se da proposição "entufava o aspecto" que, ao indicar aumento físico, aponta para o aumento da dimensão de feiúra, como fato conseqüente. Não se pode também desprezar o sentido da oração final do trecho, onde ocorre o neologismo, que sugere uma correlação do tipo: Se já era muito feio, mais feio (feiancho) ficava.

Igualmente aumentativo é o elemento formador de sapatanchas, do conto Palhaço da boca verde, incorporador da idéia de amplitude contida nos seus vizinhos textuais: "careca-crescente" e "amplas bufonas".

Se os neologismos feiancho e sapatanchas indicam a polivalência de ancho como adjetivo e como elemento sufixal, resultante da transformação da forma livre em forma presa, outro neologismo em Tutaméia dá conta de uma transformação em sentido oposto, pela ascensão de uma forma presa à condição de forma livre, nesta passagem do conto Como ataca a sucuri:

"Pajão cravando-lhe os olhos como dentes, e os três filhos, à malfa, com as foices, zarrões homens, capazes de saltarem com ele, ruindadeiros, de dar de garrucha ou faca."(p.33)

 

Da anteposição do elemento sufixal decorre a sua independência morfossintática com relação à base. Desse modo, o sufixo passa a comportar-se como um determinante adjetival que, antecedendo o núcleo sintagmático, coloca-se em posição de destaque. Resulta desse processo a idéia de que o significado da unidade em destaque predomina sobre o significado do que seria normalmente a base: o traço de humanidade contido em homens é quase anulado no confronto com a significação de zarrões, que indica a grande dimensão física das personagens.

À parte o caráter transformador e original desse recurso, deve-se considerar a sua propriedade textual. Tanto Pajão como seus filhos são constantemente indicados como destituídos de humanidade, ou melhor, como possuidores de traços animalescos. Vejam-se alguns exemplos, onde grifamos os elementos que sugerem o enfraquecimento do traço "humano", que se poderia conferir às personagens referidas:

À noitinha, um dos filhos de Pajão o veio buscar; taciturno, bronco, só matéria e eventual maldade." (p.31)

 

"Na casa, que fedia a couros podres, à boca da floresta, Pajão caranguejava." (p.31)

 

"Pajão fez pé atrás.(...).Ladino, avançou, quase quadrumanamente, (...)." (p.33)

 

O destaque para o elemento sufixal também se dá pela redundância, numa única unidade léxica, de sufixos com acepção aumentativa, conforme ocorre no seguinte segmento de Antiperipléia:

"Ralhavam que, passado já de idade de guiar cego, à mão cuspida, mesmo eu assim, calungado, corcundado, cabeçudão." (p.14)

 

Embora o sufixo -udo não expresse privativamente idéia de aumentativo, em "cabeçudo" tem-se a idéia de "portador de cabeça grande". Logo, em cabeçudão, há a idéia de grandezas superpostas a enfatizar a deformidade física da personagem. Observe-se que o vocábulo finaliza uma série de adjetivos referentes a anomalias físicas. Assim, não parece haver aqui a associação a um valor pejorativo que costuma ser veiculado em formações dessa natureza, mas apenas o registro da extensão da anomalia.

Em outra formação neológica, o sufixo aumentativo intensifica o valor de um sufixo diminutivo:

"Sozinhão ia beber, no brejo inferior, minuciosamente. Era enorme e nada." (p.62)

 

O neologismo destacado refere-se ao touro surgido misteriosamente diante dos três vaqueiros, personagens do conto Hiato, e expressa, através dos sufixos, as idéias de solidão e de grandeza.

A idéia de solidão, contida na base, é intensificada pelo sufixo diminutivo -inho. O sufixo aumentativo -ão constitui, assim, um misto de valor intensificador (do estado de solidão) e aumentativo (do tamanho do animal). As idéias de grandeza e solidão são retomadas, no final do mesmo segmento, pelo oxímoro: "Era enorme e nada."

Com a abordagem de alguns dos neologismos formados com o auxílio de sufixos diminutivo e aumentativo, em Tutaméia, de J.G.Rosa, procuramos dar a conhecer aspectos decorrentes do uso expressivo desses sufixos. Extrapolando a simples expressão de tamanho, essas formações neológicas transformam-se em elementos integradores dos contos e servem ao propósito do Autor de estabelecer conexões semânticas com outros elementos formadores da teia narrativo-textual.

 

 

BIBLIOGRAFIA

DANIEL, M.L. João Guimarães Rosa: travessia literária. Rio de Janeiro: José Olympio, 1968.

ROSA, J.G. Tutaméia (Terceiras estórias). 4.ed. Rio de Janeiro: José Olympio, 1976.

VILANOVA, J.B. Aspectos estilísticos da língua portuguesa. Recife: Casa da Medalha, 1977.

 

 


DEFINIÇÃO  DE  TERMOS  NO  UNIVERSO  ESCOLAR  -  UM  PASSO  PARA  A LEITURA  TÉCNICA

 

Antonieta LAFACE[38]

 

Resumo: Trata-se de um relato de pesquisa, centrada na definição de termos pertencentes à área de Ciências Políticas que, selecionados de leituras jornalísticas, foram dados por alunos do primeiro ano do curso de Letras de Assis. Com base nos pressupostos teóricos do léxico e da definição terminológica, foram construídas estratégias metodológicas de análise desses termos e das respectivas definições que, por registros de dicionário de língua de especialidade, ofereceram parâmetros para se obter caminhos de sistematização de proposta de ensino do vocabulário técnico-acadêmico.

 

O ensino compartimentalizado e até mesmo fragmentado do conteúdo disciplinar, principalmente no segundo grau, tem causado sérios problemas para a compreensão e produção de textos exigidos para estudo na universidade. O material didático, sendo considerado de fácil acesso pela linguagem que apresenta, parece ter função de apenas reproduzir conhecimento, sem haver o cuidado necessário em oferecer ao aluno condição básica de emprego nas diferentes situações discursivas. Os professores parecem apenas seguir as orientações didáticas investidas nesse material, deixando passar despercebida a necessidade de ajustes pedagógicos do que é apresentado nas programações. Ao que tudo parece indicar, essas orientações não dão conta do processo de deslocamento e transferência do saber técnico-científico às linguagens diversas e destas à técnico-pedagógica.

Com base nessa problemática, passamos, no início dos anos noventa, a investigar situações condizentes ao domínio do vocabulário técnico-acadêmico trabalhado no terceiro grau. Chegamos, preliminarmente, à conclusão de que muito mais do que a restrição vocabular de área de estudo, existe, por parte do aluno, o problema de adequação terminológica de contextos situacionais discursivos, diante das condições específicas de conhecimento. Elaboramos, com o diagnóstico apresentado, um conjunto de atividades práticas que, ordenadas por modelo instrumental de análise, foram desenvolvidas por alunos do primeiro ano de Letras da UNESP de Assis.

Selecionamos, para essas atividades, leituras jornalísticas da área de Ciências Políticas. Consideramos que, em início de curso universitário, todos os alunos, fossem de que área fossem, estariam num mesmo nível de conhecimento e que os termos de área de especialidade, divulgados pelos meios de comunicação, fossem de ciência e de uso cotidiano na comunidade. Consideramos ainda os interesses pessoais de cada um dos alunos envolvidos e a liberdade que tiveram em parafrasear fatos e acontecimentos noticiados, diariamente, pelos jornais e revistas, resultando em redações quinzenais. Com essas redações, pudemos traçar parâmetros de análise e de verificação dos resultados. Cada passo metodológico teve orientação didática, adequada ao tipo de conceito e de definição articulada, tematicamente, no interior das redações.

Assim, os critérios metodológicos de observação e análise dos termos utilizados nos trabalhos redacionais deram-nos a verificar como esses informantes apreenderam, como identificaram e como articularam o vocabulário terminológico, convergente para a área política. E ainda, como expandiram e condensaram conceitos, como relacionaram esses conceitos aos termos e até que ponto estariam conseguindo reconstituir a base informativa dos termos, em linguagem técnica. Centramos a orientação dada aos nossos informantes nos subsídios teóricos, extensivos a estudos do léxico, da linguagem e da organização de textos coerentes da língua.

Para tanto, procuramos sistematizar as atividades desenvolvidas pelos informantes, com base nos princípios parafrásticos da expansão e da condensação de informações terminológicas, a partir das leituras propostas. Orientamos essas atividades durante três grandes momentos de produção redacional, com duração de três meses cada um e, no período de um ano, o de 1993. Nossas pressuposições teóricas condensaram-se na estreita ligação que existe entre as definições lingüísticas e as remetências de termo a termo, entre as definições conceptuais e as remetências ao contexto sócio-cultural; caminho que se faz por transposições e transferências.

Verificamos, no primeiro momento de produção redacional, como nossos informantes identificaram e selecionaram termos e, ainda, como articularam esses termos nos textos por eles produzidos. No segundo momento, verificamos como posicionaram e articularam as definições dos termos selecionados. E, no terceiro momento, verificamos, não só como resgataram as definições dos termos em uso nas leituras, mas também como fizeram os ajustes temáticos desses termos, dados os contextos redacionais de suas produções.

O corpus de análise constituiu-se das redações apresentadas nesses momentos de orientação didático-pedagógica. Para essa análise, adotamos critérios da definição de termos dicionarizados, considerando o paradigma de informações e a disponibilidade de ajustes terminológicos nos universos social, cultural, histórico e acadêmico: base referencial e transferência de informações de um universo de discurso para outro.

Pudemos, então, contar com amostra representativa de dez redações para cada momento de produção parafrástica, num total de trinta, disponíveis para as investigações. Dos sessenta informantes que desenvolveram as atividades, selecionamos dez, aleatoriamente. Dos assuntos tratados e selecionados por eles, encontramos, nos trabalhos produzidos, aqueles relacionados aos contextos social, eleitoral, governamental e econômico, tendo como ponto de partida questões temáticas, vinculadas à saúde, educação, habitação e economia. Pelas ocorrências e freqüências dos termos encontrados nas redações produzidas, resultado das paráfrases jornalísticas, pudemos visualizar um vocabulário de base definicional, constituído por política, sociedade, governo, economia, democracia.

A título de exemplificação, tomamos dois dos termos, pertencentes a essa base vocabular, para demonstrarmos alguns dos resultados obtidos. Selecionamos sociedade e governo, considerando, para as análises, as ocorrências mais do que as freqüências, pois elas estariam indicando as inclinações conceptuais e definicionais, internalizadas pelos informantes.

Assim, conforme registro no dicionário de língua, “governo” define-se por: “1. ato ou efeito de governar; 2. administração, gestão; 3. domínio, controle; 4. sistema político pelo qual se rege um Estado; 5. modo de adminstrar um Estado; 6. orientação, informação...”. E “sociedade” define-se por: “1. grupo de indivíduos que vive por vontade própria sob as mesmas normas; 2. comunidade; 3. grupo de pessoas que se submete a um regulamento para exercer uma atividade comum ou defender interesses comuns”. [39]

No primeiro grupo de redações produzidas, pudemos encontrar definições para “governo”, centradas em “1. sistema político culpado pelos problemas sociais existentes e responsável pela solução dos mesmos; 2. sistema político cujas lideranças têm o dever de administrar os problemas sociais existentes...”. Para “sociedade”, encontramos definições do tipo: “1. pessoas que se submetem às regras do governo; 2. que trabalham para um governo responsável pelas soluções de problemas existentes...” [40].

No segundo grupo de redações, pudemos verificar definições para “governo” do tipo: “1. órgão administrativo que responde pelos problemas da sociedade; 2. que responde pelos negócios públicos do país; 3. que zela pela eficiência do ensino, da saúde pública, pela habitação...”. Para “sociedade”, encontramos: “1. grupo de pessoas regido pela administração dos órgãos públicos; 2. comunidade orientada para ter diante de si a solução dos seus problemas, com base nas regras administrativas do governo...” [41].

No terceiro grupo, verificamos definições para “governo” do tipo: “1. órgão administrativo que orienta os negócios públicos; 2. que representa o poder público; 3. ocupado pela legislação das questões sociais...”. Para “sociedade”, as definições apareceram da seguinte forma: “1. grupo de pessoas com representatividade no poder público; 2. que trabalham para conhecer seus problemas; 3. com interesses comuns, capazes de resolver seus próprios problemas” [42].

De acordo com as primeiras produções dos informantes, todos os problemas sociais estariam vinculados à responsabilidade do governo. A sociedade, nesse caso, estaria sendo vítima de um governo que deveria estar cuidando do bem estar do cidadão e este, passivamente, servindo-se do paternalismo de um regime governamental, como o que tem se apresentado no país. Isto é explicado pela conformação de um governo não representativo, mas marcado pelo autoritarismo e pelas conveniências de seus representantes nos órgãos públicos.

Observando-se o percurso das produções redacionais de nossos informantes, pudemos verificar que este é marcado por uma mobilização de definições que se aproxima da base informacional terminológica, em registro dicionarizado. Nos últimos trabalhos, percebemos que já existe uma reconstituição semântico-definicional dessas unidades terminológicas. Nessa reconstituição,“governo” passa à condição de orientador dos negócios públicos, representando o grupo social no que for preciso. Analogamente, “sociedade” torna-se responsável pela existência e solução de seus problemas - uma proximidade das bases definicionais e conceptuais desses termos.

Podemos colocar, ainda que de forma precoce, a validade dessa proposta de atividades pedagógicas, acreditando que possam constituir subsídios para a sistematização de uma pedagogia do léxico, tendo em vista um trabalho voltado para a aquisição, a ampliação e o domínio do vocabulário técnico-acadêmico, em área específica de conhecimento.

Esses resultados, até o momento obtidos, têm nos dado parâmetros de continuidade nas investigações. Eles nos orientaram para a elaboração de um projeto de pesquisa, em andamento desde de 1995. Esse projeto propõe-se a examinar o tratamento que vem sendo dado ao vocabulário de áreas disciplinares no segundo grau, de forma a ser, futuramente, confrontado com o terceiro grau.

Nesse projeto, selecionamos três grandes áreas disciplinares. A História, a Geografia e a Biologia (ecologia) já apresentam, pelas investigações conduzidas, levantamento terminológico pertinente à elaboração de um banco de dados, com o qual estaremos caminhando para a análise das definições terminológicas dessas áreas, encontradas no material didático do segundo grau e, analogamente, nos textos técnico-acadêmicos exigidos para estudo na universidade.

Nosso ponto de partida tem sido o cruzamento vocabular existente nessas áreas, ensinadas nas escolas secundárias. Estamos nos valendo de critérios extensivos à época, ao território e à natureza do meio ambiente, considerando vocabulário terminológico e centrado em sociedade, civilização, economia, governo, cultura, meio ambiente.

Consideramos como hipóteses de trabalho (1) a facilidade e o comodismo dado pelo livro didático, quando traz registros definicionais contidos em glossários; (2) a articulação das definições apresentadas pelo livro didático, por parte do professor; (3) a elaboração de apostilas, como sendo um meio de acomodar situações de ensino/aprendizagem, conforme a disposição do professor ou como complemento do livro didático.

 

 

BIBLIOGRAFIA

 

AUGER, P. Polymorphisme de la définition en terminologie, in Problèmes de la définition et de la terminologie, Actes du Colloque International de Terminologie. Quebec: Association Internationale de Terminologie, 1982.

FERREIRA, A.B.H. Dicionário da Língua Portuguesa, R.J.: Nova Fronteira, 1988.

LAFACE, A. Definicão de termos no universo acadêmico - um passo para a leitura técnica, São Paulo: Arte & Cultura, 1997.

PICOCHE, J. Précis de lexicologie française - l’étude et l’enseignement du vocabulaire. Paris: Nathan, 1992.

REY, A. La définition, in Problèmes de la définition et de la terminologie, Actes du Colloque de Terminologie. Quebec: Association Internationale de Terminologie, 1982.

SAGER, J. C. Définition, in Problèmes de la définition et de la terminologie, Actes du Colloque de Terminologie. Quebec: Association Internationale de Terminologie, 1982.

 

ANEXOS

 

Alguns dos enunciados extraídos do Grupo de Redações 1.

1. A adoção de uma política governamental deverá resolver o problema não só da moradia como também assegurar o direito de cidadania e evitar, com isso, a perda de identidade. A sociedade deve esperar uma solução vinda do governo.

2. O governo deverá resolver os problemas de moradia, saúde e educação, já que é culpado pelos problemas existentes.

3. A necessidade de um Projeto de Integração da cultura indígena na comunidade nacional depende do governo e deve ser de acordo com um programa de auxílio ao indígena.

 

Alguns dos enunciados extraídos do Grupo de Redações 2.

1. A sociedade competitiva deverá buscar formas para não humilhar as pessoas e nem colocar a necessidade de aquisição de bens de consumo, para buscar glória e fama. Cabe ao governo resolver essa situação.

2. O governo deverá buscar métodos mais adequados para combater doenças, como por exemplo a malária, e a sociedade ajudar na forma de resolver os problemas.

3. A sociedade deverá preocupar-se com o índice de analfabetos, considerando as crianças que jamais freqüentaram a escola e exigir do governo uma solução.

 

Alguns dos enunciados do Grupo de Redações 3.

1. A sociedade, embora não assegure leis de trabalho para a empregada doméstica, deverá conscientizar-se para ajudar a solucionar, junto aos sindicatos dos trabalhadores o problema.

2. A corrupção e o enriquecimento ilícito e a manutenção da miséria no país deverão ser observados pela sociedade e esta batalhar para a solução dos problemas. Sua representação no governo será de grande ajuda.

3. O governo e a sociedade, juntos, poderão evitar que interferências americanas venham a colocar a Amazônia em risco.


EMPRÉSTIMOS LINGÜÍSTICOS: FENÔMENO NEOLÓGICO

 

 

Maria do Rosário Gomes Lima da SILVA[43]

 

 

RESUMO: O presente trabalho integra uma pesquisa mais ampla em que investigamos os neologismos por empréstimo do inglês empregados nos jornais Folha de São Paulo e O Estado de São Paulo. Nessa análise pudemos perceber o caráter social do empréstimo, a falta de uma coerência normativa para usá-lo e, sobretudo, como a imprensa e os próprios usuários da língua funcionam como agentes modificadores da linguagem fazendo com que  vocábulos outrora desconhecidos incorporem-se ao vocabulário ativo do falante brasileiro.

 

Os estudos léxicos começaram nos primórdios com os estudos da bíblia, porém somente no começo do século XX, com o ensino mais sistematizado da língua estrangeira, principalmente do alemão e do inglês, é que começaram os estudos quantitativos mais pragmáticos.

O léxico é o único domínio da língua que não pára de se expandir. Vários lingüistas têm tentado fórmulas para dar conta do acervo lexical em diferentes línguas, todavia, por mais exaustivo que seja o trabalho, ele seria considerado incompleto muito em breve.

Segundo BIDERMAN (1978, p.139) “qualquer sistema léxico é a somatória de toda experiência acumulada de um sociedade e do acervo da sua cultura através das idades. Os membros dessa mesma sociedade funcionam como sujeitos-agentes no processo de perpetuação e reelaboração contínua do léxico de sua língua.”

São, na realidade, os usuários da língua  - os falantes - os verdadeiros responsáveis pela perpetuação e evolução contínua do léxico de sua língua. A língua é o patrimônio cultural de um povo, e é este mesmo povo que cria e conserva o vocabulário dessa língua.

Portanto, léxico é o resultado dialético de indivíduo e sociedade. Ao modificarem vocábulos e empregos no discurso, os usuários agem sobre o léxico, alterando as áreas de significação das palavras.

Não há como falar em expansão lexical sem que se pense em neologia, e quando se fala em neologismo os pontos de referência são sempre mudança, evolução, novidade, criação, inovação que, na verdade, são necessidades de qualquer sistema lexical de qualquer língua viva, por não se tratar de um sistema estático.

O fenômeno neológico, como qualquer mudança cultural, não causa transformações imediatas no sistema lexical da língua. As mudanças no léxico são conseqüências de mudanças do desempenho vocabular, ou seja, do uso da língua.

Os termos estrangeiros empregados em uma determinada língua constituem um neologismo por adoção, um empréstimo. O léxico português é, fundamentalmente, de origem latina; contudo, vários povos estiveram na Península Ibérica antes e depois dos romanos e deixaram marcas no vocabulário português. Tivemos, então, contribuições ibéricas, célticas, fenícias, gregas, hebraicas, germânicas, árabes etc., que BLOOMFIELD (1961) considera como empréstimos íntimos, decorrentes do contato íntimo, num mesmo território, de populações com língua distintas. Os empréstimos lingüísticos também podem ser provenientes de intercâmbio cultural. Há no português arcaico influências do provençal, do francês, do italiano etc.

As palavras inglesas foram introduzidas no português por influência da indústria, viação, náutica, bebidas, arte culinária, exercícios físicos, jogos, política etc. Algumas já têm forma própria (dólar, futebol, iate etc.), outras ainda conservam sua forma original (miss, polo, show, light etc.).

Houve, no entanto, na literatura, na gramática e na própria sociedade, reações dos “puristas” contra os empréstimos dessa língua moderna, apesar de eles aparecerem em número muito inferior aos galicismos. Podemos constatar algumas dessas reações negativas em manifestações de alguns leitores da Folha de São Paulo:

“Como um jornal que se diz a serviço do Brasil e que se auto-intitula como o melhor jornalismo do país pode desrespeitar seus leitores dessa forma? É simplesmente inaceitável tantas expressões em inglês em um jornal de língua portuguesa. Agora vocês tiveram até a ousadia de criar um caderno ridiculamente chamado Folhateen...” (Folha de São Paulo, 07/04/91, p.1-3).

Só falta o ‘ombudsman’ convidar os ‘teens’ para uma ‘talk of the town’ com os ‘top of mind’ para a mudança ou entrega da ‘St. Paul News Leaf’...” (Folha de São Paulo, 28/11/92, p. 1-3).

“Como se não bastasse o uso de certos estrangeirismos por vários meios de comunicação, parece-me lastimável que a Folha ainda faça uso de tais vocábulos. Dessa forma, o jornal não atua como meio cultural, e sim como esfacelador de nossa língua e órgão de subordinação cultural ao Primeiro mundo”... (Folha de São Paulo, 08/04/91, p. 7-3).

DUBOIS (1973) afirma que “a integração da palavra na língua que a toma em empréstimo se faz das mais diversas maneiras, de acordo com os termos e as circunstâncias. Assim, a mesma palavra estrangeira, tomada de empréstimo em épocas diferentes, passará a ter formas diferentes”

GUILBERT (1975) propõe uma classificação em que a unidade lexical externa à língua constitui um estrangeirismo ou um empréstimo. No primeiro caso a unidade lexical é sentida como sendo estrangeira, mantém sua grafia original e não é usada verdadeiramente com naturalidade. O empréstimo é uma fase posterior na qual a unidade lexical estrangeira está adaptada ou não mais sentida como externa e portanto integrada à língua que a acolheu. É esta adaptação à língua receptora que caracteriza o empréstimo e não a forma estrangeira em si. “O estrangeirismo que está se instalando é um verdadeiro neologismo e somente se tornará empréstimo quando não mais for sentido como estranho ao sistema da língua, mesmo que conserve a ortografia da língua de que procede.”(ALVES, 1988)

A fase neológica do termo estrangeiro situa-se entre o estrangeirismo e o empréstimo. Essa fase transitória é denominada peregrinismo e nela o vocábulo esta integrando-se à língua receptora através de adaptações de ordem fonológica, morfossintática ou semântica.

Não basta que o neologismo seja criado, é necessário que ele seja aceito pela comunidade lingüística e difundido. Os critérios de adaptação à língua receptora tornam a integração do neologismo mais fácil e o empréstimo assimilado de fato.

Ao registrarmos e analisarmos, no discurso jornalístico brasileiro, o emprego de neologismos por empréstimo da língua inglesa, percebemos que as palavras desta língua vêm tendo um uso cada vez mais freqüente na língua portuguesa -variante brasileira - em diferentes contextos lingüísticos. O poder da imprensa sobre a linguagem é extraordinário; portanto, ao usar uma palavra de origem estrangeira, em sua forma original ou adaptada aos padrões da língua receptora, a imprensa abre um caminho para adoção parcial ou total do termo em questão.

Sabemos, que além da imprensa, os grandes responsáveis pela mistura das palavras de origem inglesa no léxico da língua portuguesa são o imperialismo norte-americano e os meios de comunicação de modo geral. No entanto, a evolução lingüística é um fato. Tal evolução dá-se de diferentes formas e os neologismos por empréstimo dia a dia estão influenciando todo tipo de linguagem, seja ela publicitária, esportiva, financeira, gastronômica, enfim, qualquer setor da sociedade está sujeito a incorporar um neologismo por adoção sem, contudo, descaracterizar a língua receptora ou ferir o seu “prestígio”.

Os estrangeirismos empregados no corpus analisado marcam o reflexo da cultura de língua inglesa sobre a brasileira. Os xenófobos reagem contra o uso indiscriminado dos empréstimos ou dos estrangeirismos nos meios de comunicação. Vemos essa reação como uma discriminação ao novo, ao que vem de fora. Ora, toda mudança, no princípio, causa estranheza, mas posteriormente passa por um período de acomodação. Os contatos culturais são fatos reais que trazem sempre alguma contribuição lingüística. Isto acontece há séculos. Não podemos considerar abusivo o uso da língua inglesa  em meios de comunicação de língua portuguesa quando a comunidade lingüística aceita, usa e eventualmente adapta a unidade lexical importada aos padrões da língua materna. Os termos técnicos científicos são grande prova disto. Se importamos tecnologia, importamos também a terminologia. A tecnologia faz com que o mundo fique cada vez menor, isto é, as distâncias são mais facilmente ultrapassadas. Deste modo, todo tipo de influência  - artística, científica, gastronômica, lingüística etc.- é inevitável, e porque não dizer, incontrolável. O sujeito falante, como membro de uma comunidade, cria o neologismo com a intenção, reconhecida ou não, de facilitar a comunicação. Assim, a formação do neologismo não é somente um ato de fala, ela é também um fenômeno de língua.

Consideramos como elementos de estudo nesse corpus todas as unidades lexicais de origem inglesa em todas as suas fases - fase neológica, forma já adaptada aos padrões da língua portuguesa, tradução etc.- para observarmos a evolução e integração ao léxico português. Muitas vezes a integração é tamanha que nos esquecemos da origem estrangeira da palavra, como futebol por exemplo. Com o passar do tempo, talvez as palavras leasing ou joint-venture não nos surpreendam tanto e até nem lembremos mais que vieram do inglês.

De qualquer forma é importante deixar claro que é preciso haver maior rigor por parte da imprensa escrita quanto ao uso de palavras estrangeiras, o que não significa purismo, mas o pleno domínio dos recursos da língua que possibilite a seleção de unidades lexicais e construções condizentes com a finalidade do veículo - a comunicação para todos os níveis sócio-culturais.

O neologismo é um termo de transição. O dicionário constitui o critério final, segundo o qual a comunidade lingüística considera o neologismo integrado ao léxico da língua. A incorporação do vocábulo no dicionário é também sua conseqüente incorporação à língua receptora. Se o termo não for aceito pelos falantes da língua receptora, portanto, não for dicionarizado, cai em desuso. O dicionário utilizado nesse estudo, como corpus de exclusão para verificação do caráter neológico da unidade lexical foi o Novo Dicionário da Língua Portuguesa de Aurélio Buarque de Hollanda Ferreira (1986), popularmente conhecido e chamado simplesmente de “Novo Aurélio”.

Não há perda de nacionalidade da língua se houver critério na introdução da unidade estrangeira, e o dicionário não deve ter o papel de censor, mas de recenseador do vocabulário de uma comunidade lingüística.

Concluímos ser mais abrangente o uso do empréstimo em colunas sociais e seções esportivas que são menos compromissadas, e muito menos usual foi o seu uso nos editoriais que têm a finalidade de mostrar a linha ideológica do jornal e portanto manifestam maior preocupação formal com a linguagem.

“Se fosse possível praticar a objetividade e a neutralidade, a batalha pelas mentes e corações dos leitores ficaria circunscrita à página de editoriais, ou seja, à página que veicula a opinião dos proprietários de uma determinada publicação.” (Rossi, 1985, p.9)

A criação lexical é um ato de democracia lingüística e porque não dizer de cidadania, pois através da análise contrastiva o falante da língua receptora pode até aprender alguns conceitos ou vocabulário básicos da língua de origem e, embora pequeno e informal, não deixa de ser um aprendizado de uma língua estrangeira.

 

 

BIBLIOGRAFIA

 

ALVES, I. M. “Empréstimos lexicais na imprensa política brasileira”, em Alfa. São Paulo, 32, p.1-14,1988.

__________. Neologismo: Criação Lexical. São Paulo: Ática, 1990.

BARBOSA, M. A. Léxico, Produção e Criatividade: Processos de Neologismos. São Paulo, Global, 1981.

BARBOSA, M. Teoria Lexical. São Paulo: Ática, 1987.

BIDERMAN, M. T. Teoria Lingüística (Lingüística Quantitativa e Computacional). Rio de Janeiro: LTC., 1978.

BLOOMFIELD, L. Language. New York: Holt, Rinelart and Winston, 1961.

CARVALHO, N. Empréstimos Lingüísticos. São Paulo: Ática, 1989.

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DUBOIS, J. et alii. Dicionário de Lingüísticas. São Paulo: Cultrix, 1973.

FERREIRA, A. B. H. Novo Dicionário da Língua Portuguesa. Rio de Janeiro: Nova fronteira, 1986.

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__________, 28/11/92, coluna A Palavra do Leitor, p. 1-3.

__________, 08/04/91, caderno Folhateen, p. 7-3.

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GUILBERT, L. La créativité Lexicale. Paris: Larousse, 1975.

__________. “L’imprunt”. In: Grant Larousse de la Langue Française. Paris: Larousse, 1972.

LAGE, N. Estrutura da Notícia. 2ªed. São Paulo: Ática, 1987.

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ROSSI, C. O que é jornalismo? 5ª ed. São Paulo: Brasiliense, 1985.

SILVA, M. R. G. L. Empréstimos Lingüísticos do Inglês no Discurso Jornalístico Brasileiros. Dissertação de  Mestrado, Assis: UNESP, 1992.


 POLISSEMIA E PARASSINONÍMIA NOS TERMOS DA ECOLOGIA

 

Maria Aparecida BARBOSA[44]

 

Resumo: Esta pesquisa propôs-se a examinar alguns dos 4.600 termos que constituem a macroestrutura do Dicionário Bilíngüe Francês/Português dos Termos Preferenciais da Ecologia, em fase de elaboração em Projeto Conjunto desenvolvido pela Universidade Lumière Lyon 2 e a USP. Procedeu-se à análise das relações semântico-conceptuais, léxico-semânticas e semântico-sintáxicas dos termos, à análise sêmica e ao confronto de contextos. Observaram-se freqüentes casos de polissemia, polissememia e parassinonímia, na construção da teoria científica, configurando-se fenômenos de socioterminologia.

 

0. Introdução

 

As teorias terminológicas correntes sustentam, de modo geral, que as metalinguagens técnico-científicas e as terminologias que lhes correspondem caracterizam-se por uma busca de rigor, precisão e univocidade, segundo a qual a um determinado conceito corresponderia um único termo, tendente à monossemia. Esta pesquisa propô-se a examinar alguns dos 4.600 termos que constituem a macroestrutura do Dicionário Bilíngüe Francês/Português dos Termos Preferenciais da Ecologia, em fase de elaboração em Projeto Conjunto desenvolvido pela Universidade Lumière Lyon 2 e a USP (Projeto UC-16/96 do Acordo USP/COFECUB). Procedeu-se à análise das relações semântico-conceptuais, léxico-semânticas e semântico-sintáxicas dos termos, à análise sêmica e ao confronto de contextos. Verificaram-se freqüentes casos de polissemia, polissememia e parassinonímia, decorrentes das exigências de construção da teoria científica e relacionados ao complexo problema da articulação entre as exigências do desenvolvimento científico, tecnológico e econômico e a necessidade de preservação/recuperação do meio ambiente.

Os sistemas semióticos lingüísticos que são as línguas naturais e de cultura e os discursos que os manifestam constituem processos de produção de significação e informação, por meio dos quais preponderantemente se produzem, se reiteram e se transformam os sistemas de valores e as práticas sociais das comunidades humanas. Neles se articulam dialeticamente o sentimento da continuidade histórica e a diversidade cultural. Na língua,  nos discursos, léxico e vocabulários representam espaços privilegiados de produção, acumulação, transformação e diferenciação de 'saberes' e do 'saber-fazer'; as unidades léxicas indicam as fontes históricas ou míticas ligadas a cada grupo e organizam a trama da cultura compartilhada pelos sujeitos falantes-ouvintes; os espaços léxico-culturais que recortam o mundo servem aos sujeitos e a seus discursos (Galisson, 1991: 11).

Nessa perspectiva, foram examinadas certas relações que se estabelecem entre conjuntos noêmicos, lexes (Pottier, 1991: 60-76), conceptus  (Rastier,1991: 73-114) e Pais (1993: 599-614), e recortes culturais, em nível semântico-conceptual, e, ainda, entre os primeiros e as estruturas lingüísticas, léxico-semânticas que os sustentam e manifestam, ou seja, conceitos e termos correspondentes, em nível lingüístico, configuradores dos mecanismos de produção metalingüística/terminológica, de modo a formalizar-se uma rede léxico-semântica do microssistema terminológico em pauta.

 

1. Relações entre conceitos e denominações

 

Não existe uma relação bi-unívoca entre os elementos do metassistema conceptual e os elementos dos diferentes sistemas semióticos dele dependentes. De fato, a um conceito (ou noção, ou, ainda, no nível hiper-profundo, a um feixe noêmico) pode corresponder uma única denominação (expressão e conteúdo - semema - do signo), caso em que a relação é bi-unívoca; a um conceito podem corresponder duas ou mais denominações, numa relação de injeção; a dois ou mais conceitos pode corresponder uma denominação apenas, numa relação de sobrejeção; enfim, a um conceito pode não corresponder, em determinado estágio de língua, nenhuma denominação (designatio virtual ou latente). Esquematicamente, temos:

                               CONJUNTO                     CONJUNTO

                               CONCEPTUAL                LINGÜÍSTICO

 


            a)                           *                                      *                    um conceito,

                                                                                                        uma denominação

            b)                           *                                      *                       um conceito, duas

                                                                                  *                      ou mais denominações

            c)                           *                                                            dois ou mais

                                          *                                      *                    conceitos,

                                                                                                        uma denominação

            d)                           *                                      Ø                      um conceito,

                                                                                                          sem denominação

Gráfico 1

 

Por outro lado, considerando apenas os conjuntos lingüísticos de conteúdo e expressão, temos as relações:

                               CONJUNTO                     CONJUNTO

                               CONTEÚDO                    EXPRESSÃO

 


            a)                           *                                      *                    um conteúdo, uma

                                                                                                        expressão

 

            b)                           *                                      *                    um conteúdo,

                                                                                  *                    duas ou mais

                                                                                                        expressões

 

            c)                           *                                                            dois ou mais

                                          *                                      *                    conteúdos,

uma expressão

Gráfico 2                                                                                        

 

 

 

 

Uma análise noêmica, léxico-semântica e semântico-sintáxica de um microssistema da área de Ecologia e Meio Ambiente parece confirmar as ponderações precedentes (Barbosa, 94).

Assim, por exemplo, para o conjunto noêmico "terreno inundável de pequena profundidade", no português do Brasil, existem as estruturas e realizações lingüísticas: pântano, paul (considerados sinônimos numa perspectiva intra-universo de discurso); contempla, também, a designação de brejo, cujo conjunto espacial pode ser designado por banhado, várzea, vazante, constituindo o seu hiperônimo o termo brejo.

Contudo, há, ainda, outro conjunto noêmico nesse microssistema, "região peculiar do Mato Grosso (Brasil), que se estende pela Bolívia e pelo Paraguai, alternadamente inundada e seca", lingüisticamente manifestada como pantanal.

 

 

         Desse modo, temos, no português do Brasil, as relações noêmico-lexêmicas:

 

                    CONJUNTO NOÊMICO                  CONJUNTO LÉXICO-SEMÂNTICO

                                                                                       Português do Brasil

 


                                    1. m                                                                        1. pântano

                                                                                                                   2. paul

                                                                                                                   3. brejo

                                                                                                                   4. banhado

                                                                                                                   5. várzea

                                                                                                                   6. vazante

                                                                                                                   7. mangue

 

                                    2. m                                                                        1. Pantanal

 

Gráfico 3

 

Já no francês, as relações noêmico-lexêmicas, quanto a esse microssistema assim se apresentam:

                         CONJUNTO NOÊMICO                        CONJUNTO LÉXICO-SEMÂNTICO

                                                                                                    Francês

 

                                    1. m                                                                        1. marais

                                                                                                                   2. marécage

                                                                                                                   3. bourbier

                                                                                                                   4. terrains inondés

                                                                                                                   5. plaines marécageuses

 

                                    Ø. m                                                                       Ø

Gráfico 4

 

Noutra perspectiva, interlingüística, considerando-se o português, como língua de partida, e o francês, como língua de chegada, temos, para o primeiro conjunto noêmico, os termos aceitos como equivalentes lingüísticos marais, marécage, bourbier, terrains inondés, plaines marécageuses; para o segundo conjunto noêmico, os termos geralmente dados como equivalentes pelos dicionários português-francês são marécage e marais (Cf., por exemplo, Burtin-Vinholes, 1953). Entretanto, uma análise noêmica e sêmica mais acurada conduz a verificar que, no primeiro conjunto, os termos da língua francesa não correspondem exatamente ao conjunto noêmico 1 do metassistema conceptual do português do Brasil; e que, na verdade, não existe, no segundo caso, nenhum termo equivalente em francês, como realização lingüística aceitável do conjunto noêmico 2, tornando-se necessária uma nota explicativa de caráter enciclopédico.

De maneira aproximada, poder-se-iam aceitar as relações de ‘equivalência’:

 

     CONJUNTO LÉXICO-SEMÂNTICO                  CONJUNTO LÉXICO-SEMÂNTICO

                   Português do Brasil                                                      Francês

 

                        1. brejo                                 @                           1. bourbier

                        2. vazante                             @                           2. polder

                        3. pântano                            @                           3. marais

                        4. várzea                               @                           4. marécage

 

Gráfico 5

 

 

Além disso, o conjunto noêmico 1, no português do Brasil, e aquele que pode ser proposto como conjunto noêmico 1, em francês, parecem resultar de processos de conceptualização distintos, já que a primeira língua toma como ponto de partida o "terreno" e a segunda, a "lâmina de água". Comparando-se os conjuntos noêmicos, temos:

 


                   Universo cultural do                                Universo cultural do

                   português do Brasil                                  francês

 


                   Conjunto noêmico                                   Conjunto noêmico

 

                   "Terreno inundável de                             "Lâmina de água de pequena

                   pequena profundidade                             profundidade que recobre 

                   de fundo mais ou menos                          terreno parcialmente

                   lodoso"                                                   invadido pela vegetação"

Gráfico 6

                  (Cf. Glossário de Ecologia, 1988)            (Cf. Petit Robert, 1973)

 

 

Observa-se que os recortes culturais partem de perspectivas distintas: um, o brasileiro, "da terra para a água"; outro, o francês, "da água para a terra". Por essa razão, dentre outras, não há, no processo de conceptualização da língua francesa, um lugar semântico para pantanal. Esquematicamente, temos:

 

 

 

 

                   Conjunto noêmico no                            Conjunto noêmico em

                   português do Brasil                              francês

 

 


                               1. m                                                       1. m

 

 

                               2. m                                                          Ø

Gráfico 7

 

2. Ciências dos ecossistemas: conceitos e denominações

 

Como sabemos, os modelos científicos e tecnológicos aperfeiçoam-se com a própria mudança dos 'fatos' que constituem o seu objeto de estudo, com os avanços da investigação, de modo que evoluem, concomitantemente, os seus discursos lingüísticos, daí resultando a necessidade do rediscurso constante da ciência e da tecnologia, de sua definição e limites, do seu objeto, dos seus métodos e técnicas, da sua metalinguagem. É legítimo afirmar, pois, que a construção da ciência é indissociável da construção da sua metalinguagem. À proporção que se vai constituindo, consolida-se a ciência e a sua identidade epistemológica.

Tal como acontece com as demais ciências básicas e aplicadas (e/ou tecnologias), as disciplinas integrantes do conjunto das ciências e tecnologias que tratam dos ecossistemas mantêm um processo de cooperação recíproca e, ao mesmo tempo, especificidades epistemológicas e metodológicas. A forte relação de alimentação e realimentação entre elas existentes tem como condição de produtividade justamente a especificidade característica de cada uma, no tratamento das relações dos seres vivos entre si e com o meio ambiente, especificidade que lhes assegura autonomia de modelos e metamodelos, de metalinguagem, de métodos, técnicas e procedimentos, definindo-lhes simultaneamente os respectivos campos de atuação (Barbosa, 1989).

No estágio atual das ciências e tecnologias ambientais, verifica-se não só a busca de sua configuração conceptual e denominativa, como também um particular esforço de construção de metalinguagem específica.

Quanto à configuração conceptual e denominativa, destacamos os seguintes aspectos:

a) A existência de, no mínimo, dois conceitos para a mesma denominação: ecologia, como ciência; ecologia, enquanto objeto de estudo dessa ciência. No que diz respeito à ciência, parece ter sido de alguma forma preservado o sentido inicial do termo (do grego oikos = casa + logos = discurso, estudo), proposto em 1866 por um biólogo alemão.  Nesse sentido, concebe-se ecologia como ramos das ciências da vida, que estuda as condições de existência e as interações entre os seres vivos e o seu meio. Diferente é o segundo sentido, em que os traços conceptuais mais enfatizados são os "eufóricos" ou os que representam "áreas demarcadas para a preservação da vida" (Cf. parque ecológico, reserva ecológica,...), ou, ainda, os traços que apontam para "sistemas de relações e equilíbrio entre os elementos" (Cf. a Ecologia da Amazônia,...);

b) A existência de várias denominações para o primeiro conceito, denominações essas empregadas indevidamente como equivalentes. Assim é que, em alguns glossários, o termo Ecologia é remetido para Ciências Ambientais, ou para Meio Ambiente, ou para Mesologia;

c) A existência de várias denominações para o segundo conceito, denominações também consideradas indevidamente como equivalentes. É nesse contexto que se estabelece uma relação de sinonímia entre biogeocenose, ecossistema, meio ambiente, autorregulação, noossistema, etc.

Quanto a esses termos 'equivalentes', elencados nos itens b e c, cumpre ressaltar que podem ser claramente distintos, por meio de uma rigorosa análise sêmica que, no entanto, ultrapassa os limites deste trabalho;

d) A existência de vários hipônimos para o hiperônimo Ecologia, entendida como ciência ou como grande área dos estudos do meio. São eles: Ecologia Agrária, Ecologia Animal, Ecologia Comparada, Ecologia Cultural, Ecologia da Paisagem, Ecologia da Restauração, Ecologia das Populações, Ecologia do Comportamento, Ecologia Energética, Ecologia Evolutiva, Ecologia Genética, Ecologia Humana, Ecologia Química, Ecologia Urbana, Ecologia Vegetal, Ecofisiologia, Ecolocação, consideradas como domínios e subdomínios da Grande Área das relações entre os elementos do meio ambiente;

e) A existência de vários hipônimos para o hiperônimo Ecologia, agora entendida como conjunto de todos os subconjuntos de ecossistemas. Dentre eles, citamos ecobioma (mais ampla unidade ecológica (ECON), que compreende uma pluralidade de ecossistemas), ecossistema, ecossistema euhemeoróbio, ecossistema humano, ecossistema mesohemeoróbio, ecossistema oligohemeoróbio, ecótipo, ecótopo, ecoespécie, ecofeno, ecofenótipo, considerados como classes e subclasses de ecobioma.

A questão concernente à construção de uma metalinguagem específica, configura-se ainda mais delicada e complexa que aquela relativa à delimitação da área de atuação da Ecologia. Com efeito, parece bastante prematuro dizer que tal ou qual termo lhe seja característico, específico e exclusivo.

Analisando-se o universo terminológico de uma mesma ciência e/ou tecnologia, verifica-se que é constituído de subconjuntos terminológicos de natureza e funções bastante diversas. De fato, alguns desses subconjuntos contém unidades terminológicas criadas especificamente para determinada área, exclusivas e caracterizadoras dessa área; outros, unidades provenientes de outras áreas e mesmo da língua comum, que recebem, quando de sua transposição, acepções da área que passou a integrá-las em seu vocabulário, acepções diferentes das que possuíam na área de origem; outros, ainda, contém unidades com acepções parcialmente comuns às de outras áreas.

No caso da Ecologia, são raros, no estágio atual, os termos que lhe são exclusivos e caracterizadores do seu universo de discurso; praticamente a maioria dos termos é proveniente de áreas, domínios e subdomínos científicos afins. Entretanto, observando-se os glossários e vocabulários técnico-científicos já existentes, é possível elaborar uma taxionomia dos termos específicos: a) os sintagmas nominais, em que a base é um substantivo e o grupo adjetival é constituído do próprio termo ecológico: nicho ecológico, parque ecológico, reserva ecológica, etc.; b) substantivos ou sintagmas nominais, cujas bases substantivais e grupo adjetival indicam processos, referentes à relação/equilíbrio entre homem, natureza, meio ambiente: harmonização ecológica, translação ecológica, indicador ecológico, impacto ambiental, valência ecológica, movimento ecológico, etc.; c) substantivos ou sintagmas nominais, constituídos de base substantival + grupo adjetival, que reflitam enfaticamente a atuação do homem sobre o meio ambiente (processos): proteção da natureza, revolução verde, etc.; d) termos resultantes da legislação sobre as relações dos seres com o ambiente: Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente, Plano de ocupação do solo, etc.; e) termos que designam área, domínios e subdomínios da ciência: ecossistemologia, ecologia agrária, dentre muitos outros.

 

 

BIBLIOGRAFIA

 

AB'SABER, A.N. et alii. Glossário de Ecologia. São Paulo: Academia de Ciências do Estado de São Paulo, CNPq, FAPESP, Secretaria de Ciência e Tecnologia, 1987.

BARBOSA, M.A. "Aspectos da produção dos vocabulários técnico-científicos". In: Estudos lingüísticos. Anais de Seminários do GEL. São Paulo: GEL/USP, 1989, p. 105-112.

__________. "Da microestrutura de vocabulários técnico-científicos bilíngües: para um microssistema terminológico de ecologia e meio ambiente". In: IV Simposio Iberoamericano de Terminología RITERM "Terminología y Desarrollo" Buenos Aires: Unión Latina, Secretaría de Ciencia e Tecnología de la Nación, 1994, p. 141-146.

CABRÉ, M. T. La terminología. Teoria, metología, aplicaciones. Barcelona: Editorial Antártida/Empúries, 1993.

GALISSON, R. "Entrer en langue/culture par les mots. Esquisse d'un modèle d'organisation et de description des contenus lexico-culturels d'enseignement/apprentissage”. In: Colóquio de Lexicologia e Lexicografia. Actas . Lisboa: Universidade  Nova de Lisboa, 1991.

PAIS, C.T. Conditions sémantico-syntaxiques et  sémiotiques de la productivité systémique, lexicale et discursive. Thèse de Doctorat d'État ès-Lettres et Sciences Humaines. Paris: Université de Paris-Sorbonne, 1993.

POTTIER, B. Théorie et analyse en linguistique, 2a ed. Paris: Hachette, 1991.

__________. Sémantique générale. Paris: Hachette, 1992.

RASTIER, F. Sémantique et recherches cognitives. Paris: PUF, 1991.


A COMPETÊNCIA LEXICAL NA PRODUÇÃO DISCURSIVO-ARGUMENTATIVA DE ESTUDANTES DE 1º e 2º GRAUS, EM RONDONÓPOLIS.

 

Alice Maria Teixeira de SABOIA[45]

Deusa Fonseca Raposo de MEDEIROS[46]

Andiara de Fátima TIMM[47]

Carlos Ferreira GRACIANO JR.[48]

Regimar Dias FERREIRA[49]

 

Resumo: Trata-se de um trabalho produzido, a partir da análise do material lingüístico, colhido através de questões abertas, em um instrumento específico, aplicado a uma clientela de 1º e 2º graus, visando à detecção do vocabulário fundamental nas diversas disciplinas curriculares, utilizado no processo ensino-aprendizagem. A análise baseia-se em abordagem filosófica dos conteúdos argumentativos dos enunciados constitutivos do corpus coletado durante o desenvolvimento da referida pesquisa.

 

 

INTRODUÇÃO

O fazer pedagógico é, eminentemente, um fazer discursivo, pelo qual se dão a veiculação, tradição, apropriação e banalização do saber sistemático e historicamente constituído. Desse modo, é lícito afirmar que todo professor, qualquer que seja a sua área de formação e de atuação é, em princípio e por definição, um professor de linguagem, ou de metalinguagem.

A contraparte do fazer pedagógico é a aquisição do saber, por parte da clientela-alvo. Assim, tradicionalmente, no processo de avaliação, essa contraparte deve ser constatada no desempenho lingüístico dos sujeitos da aprendizagem, desempenho este revelador do seu domínio da linguagem e da metalinguagem, concernentes às várias áreas do saber e das quais o léxico é parte integrante, posto que recobre o conjunto das áreas conceituais[50], quer em termos das unidades da língua, pertencentes ao universo léxico estabelecido, quer em termos das lexias virtuais, todas atualizáveis na produção discursiva, de acordo com PAIS (1984:62).

Por outro lado, tendo em vista a perspectiva filosófica apresentada por PERELMAN (1996:112 e seguintes) ao tratar dos acordos de certos auditórios particulares, destaca-se aqui a alusão à linguagem técnica, própria de cada auditório, considerando-se a natureza de cada disciplina particular. Esse aspecto aproxima-se das idéias que sustentam as hipóteses da pesquisa em questão e cujas referências encontram-se no parágrafo anterior.

Além disso, assume-se aqui o que afirma KOCH (1984:21-22), ao tratar da estruturação discursiva, considerando que:

 “o discurso, para ser bem estruturado, deve conter, implícitos ou explícitos, todos os elementos necessários à sua compreensão, deve obedecer às condições de progresso e coerência, para, por si só, produzir comunicação: em outras palavras, deve constituir um texto”.

 

Ressalta, ainda, a autora a importância da rede de relações constitutivas de um texto, as quais revelam intenções, idéias e unidades lingüísticas, encadeadas nos seus respectivos enunciados.

Isto posto, a análise do material lingüístico, ao qual já se fez menção, assenta-se nos pressupostos inspirados na discussão acima, recortando-se, no entanto, as unidades lingüísticas, em suas especificidades, em face das matérias curriculares de 1º e 2º graus.

 

DESCRIÇÃO E DELIMITAÇÃO DA AMOSTRA

Constituíram os sujeitos desta pesquisa alunos de três escolas, codificadas como EPAC, EPUC e EPUP[51], perfazendo um  total de 320 sujeitos, sendo 123 do 2º grau e 197 do 1º grau, incluindo I a IV e V a VIII. Na distribuição, têm-se no 2º grau 29 sujeitos da EPAC, 38 da EPC e 36 da EPUP; no 1º grau, têm-se 48 sujeitos da EPAC, 58 da EPUC e 36 da EPUP.

O corpus é constituído de respostas às questões abertas, extraídas dos instrumentos aplicados, junto a essa mesma clientela e que dizem respeito a quais matérias os sujeitos preferem e à justificativa de suas preferências.

 

ANÁLISE E RESULTADOS.

O material colhido foi processado, através de um método de tratamento automático das línguas naturais (TALN), na versão  Méthode d’analyse lexical, textuelle et discursive, de autoria de CAMLONG (1996), em dois recortes: em primeiro lugar, o material foi escanerizado e tratado, para detecção das unidades lexicais, devidamente quantificadas: em seguida, o mesmo material foi processado, no nível textual, para verificação da rede de relações da qual fazem parte as unidades lexicais.

Desse modo, de acordo com o primeiro processamento, o material colhido constitui-se de 732 unidades lexicais, das quais 151 são hapax, e as restantes 581 distribuem-se em unidades de ocorrência verificada: freqüência mais alta (78) para o verbo de ligação, na forma conjugada, da 3ª pessoa do singular do presente do indicativo, é, (36) para o artigo a;   (26) para a preposição de; (21) para o advérbio mais; (20) para o artigo o; (18) para o substantivo matéria; (16) para os adjetivos interessante e legal; (14) para as formas verbais fala, gosto e tem; (13) para a conjunção e e o advérbio não; (10) para o substantivo facilidades. Na seqüência registram-se: duas unidades com freqüência 8, uma com freqüência 7, quatro com freqüência 6, cinco com freqüência cinco, oito com freqüência 4, vinte e uma com freqüência 3, trinta e seis com freqüência 2.

A avaliação desse material não revela nenhuma surpresa no que tange aos itens de freqüência mais alta e de distribuição regular, ou seja, as palavras gramaticais e o verbo de ligação, todos com ocorrência esperada.

Quanto à constituição desse material tem-se que a grande maioria é constituída de unidades do léxico comum. Raríssimas são as unidades classificáveis como sendo do léxico específico, em face das matérias preferidas pela clientela: Matemática para 1º e 2º graus,  da EPAC em primeiro lugar, Biologia em segundo lugar para o 2º grau e Geografia para o 1º grau da mesma escola; Biologia e Português são as matérias preferidas para o 2º grau e 1º grau, respectivamente, para a EPUC, secundada pela Matemática para os dois graus da mesma escola; Matemática é também a matéria de preferência, em primeiro lugar, do 1º e 2º graus da EPUP, secundada por Português.

Do universo lexical levantado, as unidades mais específicas são Genética, Fisiologia, Português, sociedade, corpo humano. Em momento algum, é possível detectar no discurso dos sujeitos alguma alusão a qualquer conceito específico, tendo em vista a justificativa que sustentaria a preferência desses sujeitos. Os pareceres ficaram na subjetividade, expressa esta através de frases do tipo; “é interessante’, “é legal” “é mais fácil”, “gosto”, “tem mais facilidade”, “é fácil de decorar”, “a professora é legal’ “é divertida” “prende a atenção”, “tem facilidade” “tiro boas notas”, todas variando entre as freqüências de 2 a 8.

Do ponto de vista dos acordos, o parecer dos sujeitos parece indicar que se estabelece um elo de comunicação, posto que os sujeitos exprimem-se positivamente, em torno da interação didático-pedagógica. O que não foi possível constatar é se essa interação efetivamente proporciona aprendizagem, ou, pelo menos, ampliação significativa dos vocabulários ativos dos sujeitos da aprendizagem.[52]

A pesquisa não estabeleceu nesta etapa qualquer instrumento específico, para verificar o vocabulário passivo desses sujeitos, o que não invalida o fato de que, considerando o universo de sujeitos, pode-se observar que seu vocabulário ativo, mesmo não se levando em conta a especificidade da questão, é muito limitado, além de estar restrito a frases que se enquadram no nível da linguagem cotidiana. Nem mesmo o fato de terem sido os instrumentos aplicados, de natureza formal, serviu para direcionar o nível de linguagem pretendido.

No nível da estrutura sintático-semântica, verificado no segundo processamento, considerando-se o universo de 155 enunciados, apenas 24 apresentam-se como o que tradicionalmente classifica-se como períodos compostos e, assim mesmo, do tipo E1 (oração predicativa construída como o verbo ser - forma conjugada é) + E2 (substantiva subjetiva, reduzida de infinitivo). Os demais enunciados, de natureza predicativa, são constituídos do que tradicionalmente classifica-se de períodos simples que, como já se verificou no nível lexical, também são destituídos de unidades específicas, em sua grande maioria.

 

CONCLUSÕES

Em face dos resultados obtidos, constata-se  dos dados que a clientela não parece associar o conhecimento específico à utilização de uma linguagem, ou de uma metalinguagem, a ele correspondente: ou seja, em geral, dissocia-se a teoria da prática, o que é predominante na clientela das três escolas, tanto que, mesmo admitindo preferências, em termos da matéria, em nenhum momento aparecem no corpus analisado detalhes que possam indicar domínio, ou conhecimento, de conteúdos específicos. A amostra reflete apenas generalidades, superficialidades, quando se registra algum uso de unidades menos comuns, o que raramente ocorre.

Por outro lado, a diferença de graus de ensino também não apresenta significância, da perspectiva do nível de linguagem utilizada pela clientela, em situação formal, ou do uso significativo de unidades lexicais específicas dos diferentes domínios do saber, constitutivos das matérias curriculares. Isso leva a crer que, de um para outro grau de ensino, a clientela não apresenta evolução significativa, mesmo levando-se em conta apenas a experiência vivenciada na escola, independentemente, dos conteúdos programáticos e curriculares específicos de cada grau.

As expressões lingüísticas utilizadas pelos sujeitos são de conteúdo tão generalizante, que se podem aplicar para justificar a preferência por qualquer outra coisa. Expressões como “é legal”, “é interessante”, poderiam ser respostas para  questões como: “Por que você gosta de desenhos animados?” ou “Por que você vai ao jardim zoológico?”.

Com isso, tem-se que os enunciados coletados carecem de força argumentativa, o que se detecta não só pela tipologia dos enunciados, em sua maioria estruturas simples e predicativas, desprovidas, portanto, de argumentação, dada esta tanto pela presença de articuladores, ou de operadores argumentativos, quanto pela utilização de unidades lingüísticas, carregadas de significados e potencialmente produtoras de significações, o que não se verifica nos enunciados examinados.

Um fator que pode ter viciado a amostra é a pouca, ou nenhuma motivação dos sujeitos, para respostas a questionários. Aliás, nesse particular, os professores sequer responderam à parte que lhes cabia, mesmo tratando-se apenas de um plano de aula, sobre o assunto de sua preferência, dentro da matéria que lecionavam, com destaques em torno dos aspectos que consideram importantes dentro da temática preferida.    

De qualquer modo, pela bibliografia indicada pela supervisão das escolas e que seria a utilizada pelos professores, buscou-se um vocabulário fundamental, a partir do que os dados referentes aos alunos foram avaliados.

O fato de os professores não terem dado retorno, em face do instrumento específico que lhes foi dirigido talvez explique, em parte, as respostas pouco específicas da outra fatia da clientela-alvo. Como se sabe, de alguma forma os alunos reproduzem o modelo disponível para eles. Logo, se os professores evitaram o fornecimento dos dados, buscados através de um instrumento específico, com muito mais razão, essa conduta teve todas as chances de ser reproduzida, no todo, ou em parte,  por seus alunos.

Por fim, vale destacar que a realidade constatada nesta pesquisa é coerente com as condições de desempenho lingüístico, encontradas entre os sujeitos que ingressam na universidade. Este fato é revelador, em face de verificações mais gerais, realizadas por órgãos oficiais, dando conta da situação do ensino-aprendizagem, a partir do desempenho lingüístico dos postulantes à universidade e, mesmo, de egressos de diversas universidades brasileiras[53].

 

 

 

BIBLIOGRAFIA

 

BARBOSA, M. A. Língua e discurso: contribuição aos estudos semântico-sintáxicos. 4ª ed.., São Paulo: Plêiade, 1996.

CAMLONG, A. Méthode d’analyse lexicale, textuelle et discursive.  Paris: Éditions Ophrys, 1996.

GALISSON, R. Dictionnaire de Didactique des Langues. Paris: Hachette, 1996.

__________. “Analise sémique, actualisation sémique e approche du sens en méthodologie”. In: Langue Française, 8, Paris: Larousse, 1970.

KOCH, I. Argumentação e Linguagem. São Paulo: Cortez Editora, 1984.

LYONS, J. Introdução à Lingüística Teórica. São Paulo: EDUSP/Cia Editora Nacional, 1989.

PERELMAN, C. & OLBRECHTS-TYTECA,  L. Tratado da argumentação: a nova retórica. São Paulo: Martins Fontes, 1996.

PAIS, C. T.  Ensaios semiótico-lingüísticos. 2ª ed. São Paulo: Global, 1984.

PHAL, H. Langue Française. Le Lexique, 2. Paris: Delta-Larousse, 1969.

SABOIA, A. M. T. et al. “Há mais uma pedra no meio do caminho do processo ensino-aprendizagem; a questão vocabular.” Texto apresentado durante o V Congresso da Associação Internacional dos Lusitanistas. Oxford, 1996.

TURAZZA, J. S. Léxico e criatividade.São Paulo: Plêiade, 1996.

 

 


 

TERMINOLOGIA DA PROTEÇÃO DO MEIO AMBIENTE NO BRASIL: NATUREZA LINGÜÍSTICA, FUNÇÕES E ESTATUTO SEMÂNTICO-SINTÁXICO

 

 

Lidia Almeida BARROS[54]

 

Resumo: O acelerado processo de destruição das riquezas naturais do Brasil é motivo de preocupação  nacional e internacional. Com o objetivo de preservar e de conservar o patrimônio natural, têm sido criadas por todo o país inúmeras unidades de conservação, isto é, áreas naturais sob regime especial de proteção. Cada unidade de conservação é enquadrada em uma categoria de manejo (parque, reserva biológica, etc.), de acordo com suas características particulares e com os objetivos específicos de conservação ou de preservação. Nossa pesquisa se situa no domínio geral da proteção do meio ambiente no Brasil, tendo a terminologia do Sistema Nacional de Unidades de Conservação-SNUC como objeto específico de análise. Neste trabalho, apresentamos alguns resultados do estudo terminológico das designações das categorias de manejo e das unidades de conservação do Brasil. Procuramos traçar um perfil lingüístico sintético dessa terminologia, identificando a natureza, as funções e o estatuto semântico-sintáxico das unidades terminólogicas que a compõem.

 

 

Nossa pesquisa sobre o vocabulário da proteção do meio ambiente no Brasil levou-nos a estudar a política de proteção ambiental do país e a constatar a existência de um grande número de categorias de manejo e de milhares de unidades de conservação espalhadas por todo o território nacional. O número considerável de áreas naturais protegidas é uma prova do desejo da sociedade brasileira de conservar e de preservar a qualidade de vida nos meios urbanos, rurais e naturais. No entanto, a variedade de categorias de manejo tem-se revelado motivo de preocupação para as autoridades que se ocupam da proteção do meio ambiente, pois essa diversidade provoca problemas de comunicação entre os organismos municipais, estaduais e federais, no Brasil, e entre os organismos nacionais e internacionais, mundialmente. A União Internacional para a Conservação da Natureza-UICN preocupa-se com essa questão e lembra a todos os países a necessidade de homogeneização da terminologia específica. O Brasil segue essa recomendação e, atualmente, o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis-IBAMA esforça-se por organizar um cadastro das unidades de conservação existentes no país, visando conhecer melhor a própria realidade nacional e, com os dados em mãos, poder atuar de maneira mais eficaz no que concerne à política de proteção do meio ambiente e à revisão da terminologia específica.

Os resultados de nossa pesquisa revelam que as autoridades brasileiras não conseguiram ainda homogeneizar os conceitos e designações das categorias de manejo e das unidades de conservação do país. Para que esse processo de revisão e de uniformização seja efetivamente coroado de sucesso é necessário, a nosso ver, proceder a um estudo aprofundado do conjunto terminológico da proteção do meio ambiente no Brasil sob vários pontos de vista. O presente trabalho tem por objetivo dar uma pequena contribuição ao processo geral em curso, levantando alguns elementos e abordando alguns aspectos lingüísticos quantitativos e qualitativos dessa questão.

O estudo que desenvolvemos sobre a terminologia do campo conceitual unidades de conservação do Brasil permitiu-nos recolher e identificar 37 designações de categorias de manejo e 928 denominações oficiais de unidades de conservação existentes no país. Este conjunto terminológico, juntamente com as variantes (ortográficas, sintáxicas, diacrônicas, diatópicas, diastráticas e diafásicas) dos termos que o constituem, recebeu um tratamento terminográfico e foi organizado na macroestrutura de nosso Vocabulário Enciclopédico das Unidades de Conservação do Brasil. A nomenclatura da referida obra totaliza 1463 entradas.

O indicativo de gramática de cada verbete do vocabulário, como em todas as obras terminográficas ou lexicográficas, informa sobre a classe lexical e a categoria gramatical dos termos descritos, assim como sobre o processo de criação das formas abreviadas de termos originalmente sintagmáticos. As informações veiculadas pelo indicativo de gramática permitem identificar a natureza e determinar o estatuto semântico-sintáxico das unidades terminológicas que compõem a macroestrutura da obra e, conseqüentemente, traçar um perfil linguístico desse subconjunto vocabular efetivamente atestado nos discursos que têm por tema as unidades de conservação do Brasil.

Nomes prÓprios e nomes comuns

Todos os nomes próprios recolhidos e que receberam um tratamento terminográfico são denominações de unidades de conservação. Os nomes comuns, por sua vez, englobam as 37 designações de categorias de manejo levantadas por nossa pesquisa e o próprio termo unidade de conservação. Um certo número de entradas de artigos remissivos - que servem à recuperação das informações e à orientação do percurso de leitura em nosso vocabulário -, tais como área natural protegida, conservação, bem tombado, tombamento, patrimônio espeleológico, safári, etc. são também nomes comuns. Pertencem ainda a essa categoria os termos manejo, categoria de manejo, plano de manejo e objetivo de manejo, incluídos na macroestrutura por questões de fechameto da cadeia interpretante, pois são fundamentais para a compreensão do funcionamento global do Sistema Nacional de Unidades de Conservação-SNUC.

Em termos quantitativos, constatamos que 1339 unidades terminológicas - ou seja, 97% do total dos 1463 termos estudados - são nomes próprios, enquanto que apenas 82 são nomes comuns. A alta incidência de nomes próprios na terminologia estudada pode ser explicada pelo recorte dado ao compo conceitual objeto de nossa pesquisa. Ou seja, a decisão prévia de recolher e analisar apenas designações de categorias de manejo e denominações de unidades de conseração condicionou o perfil da terminologia, no que concerne à sua natureza e proporção. Acreditamos que se outros tipos de termos tivessem sido levantados, o conjunto terminológico apresentaria configuração diferente e a presença de nomes próprios seria proporcionalmente menor.

Esta presença não deixaria, no entanto, de ser marcante e isto por duas razões: 1. é normal que a quantidade de categorias de manejo seja menor, pois estas são classes de equivalência nas quais pode enquadrar-se número ilimitado de indivíduos;[55] 2. os nomes próprios são uma constante atestada em discursos técnicos, científicos e especializados em geral.

Diversos são os autores que constatam a alta freqüência desse tipo de unidade terminológica em diferentes línguas de especialidade, muitos são os trabalhos científicos que discorrem sobre essa questão ou questões afins.[56] Também é imensa a polêmica sobre o reconhecimento, ou não, do estatuto de termo ao nome próprio. De todo modo, nossa pesquisa - que revela uma grande quantidade desse tipo de unidade lexical, mais especificamente de topônimos, nos discursos relativos às unidades de conservação do Brasil - confirma essa tendência geral e se sustenta nessa característica das línguas de especialidade.

Termos totalmente abreviados

Os resultados de nossas análises permitem-nos afirmar que, no campo conceitual unidades de conservação do Brasil, a criação neonímica por redução total dos termos sintagmáticos-fonte produz fundalmentalmente siglas e acrônimos. A presença das primeiras é, no entanto, muito mais marcante. Com efeito, de um total de 42 termos totalmente abreviados, 32 são siglas e apenas 6 são acrônimos. Um número reduzido de termos abreviados é formado por duplo processo de redução lexical. Assim, verificam-se termos formados por acrônimo + sigla (PARNAMAR-FN = Parque Nacional Marinho de Fernando de Noronha), sigla+acrônimo (PE UNICAMP = Parque Ecológico da Universidade Estadual de Campinas; ASPE do CEBIMAR = Área sob Proteção Especial Centro de Biologia Marinha da Universidade de São Paulo) ou ainda sigla+abreviatura (FNJb = Floresta Nacional de Jaíba). Nenhum outro processo de criação neonímica por redução total do termo sintagmático-fonte foi atestado no corpus da pesquisa, composto de  aproximadamente 500 documentos.

Esse tipo de unidade terminológica é o resultado da redução de nomes comuns ou de nomes próprios. No primeiro caso, designam categorias de manejo, como por exemplo APA: sigla (área de proteção ambiental); APE: sigla (área de proteção especial); ARIE: sigla (área de relevante interesse ecológico); ASPE: sigla (área sob proteção especial); APP: sigla (área de preservação permanente); EE: sigla (estação ecológica); PE: sigla (parque estadual); REBIO: acrôn. (reserva biológica), RB: sigla (reserva biológica)[57]. No segundo caso, constituem formas abreviadas de denominações de unidades de conservação, como por exemplo PED: sigla (Parque Estadual do Desengano); PEIG: sigla (Parque Estadual da Ilha Grande); PET: sigla (Parque Estadual da Serra da Tiririca); PETAR: sigla (Parque Estadual Turístico do Alto Ribeira); CBM: sigla (Complexo Botânico Monjolinho); HFC: sigla (Horto Florestal da Chacrinha); JBB: sigla (Jardim Botânico de Brasília); JBCS: sigla (Jardim Botânico de Caxias do Sul).

Os termos totalmente abreviados mantêm o mesmo estatuto semântico-sintáxico que as formas expandidas dos termos-fonte, ou seja, são nomes próprios ou nomes comuns e se comportam sintaxicamente como tais nos contextos.

Aspectos de sémÂntica gramatical dos nomes comuns

Do ponto de vista da semântica gramatical, mais especificamente no que concerne ao taxema gênero, 43 termos são formas femininas, enquanto que 39 são masculinas. Ou seja, de um total de 82 unidades terminológicas caracterizadas como nomes comuns, 52,44% são substantivos femininos e 47,56% são substantivos masculinos.

Se examinarmos exclusivamente as designações das 37 categorias de manejo, podemos constatar que 23 são formas femininas e 14 são masculinas. Cresce, assim, a desproporção, verificando-se 62% de substantivos femininos contra 38% de masculinos. No conjunto das formas femininas, o lexema reserva revela-se o mais produtivo, constituindo a base de formação de 9 termos sintagmáticos que designam categorias de manejo, seguido do lexema área, elemento-base de 7 designações. Entre as formas masculinas que designam categorias de manejo, 4 têm o lexema parque como suporte principal do sintagma terminológico e 3 têm em monumento sua base fundamental.

O lexema parque é, no entanto, o mais produtivo quando se trata de denominações de unidades de conservação pertencentes a uma mesma categoria de manejo. Com efeito, das 928 denominações oficiais dessas unidades, enquadradas em 37 categorias de manejo diferentes, 151 são parques. Estes são incontestavelmente a categoria de manejo que recobre o maior número de unidades de conservação do país, sendo seguidos das áreas de proteção ambiental, com 110 unidades de conservação. A análise do conjunto total das 928 unidades de conservação recenseadas permite, entretanto, observar que 632 são formadas a partir de uma base principal feminina e 296 de elemento-base masculino, respectivamente 68% e 32%. A terminologia estudada configura-se, portanto, do ponto de vista da semântica gramatical e do taxema gênero, como predominantemente feminina.

Conclusões

A partir do exposto, podemos chegar a algumas conclusões a respeito da natureza, das funções e do estatuto semântico-sintáxico do conjunto terminológico do campo conceitural unidades de conservação do Brasil, levantado por nossa pesquisa e tratado terminograficamente em nosso Vocabulário Enciclopédico das Unidades de Conservação do Brasil.

De acordo com os objetivos de nossa pesquisa, foram recolhidos e analisados apenas termos pertencentes à classe semântica das designações e à classe sintáxica dos substantivos. A nomenclatura de nosso vocabulário é, portanto, de natureza puramente nominal, constituindo-se fundamentalmente de designações de categorias de manejo e de denominações de unidades de conservação existentes no Brasil. A terminologia do campo conceitual estudado é composta de nomes comuns, de nomes próprios e de formas totalmente abreviadas de termos sintagmáticos. Os primeiros subsumem duas categorias complementares e assumem duas funções[58]: são ao mesmo tempo termos e nomes comuns. Os segundos constituem, sem sombra de dúvida, a maioria absoluta das unidades lingüísticas que compõem a terminologia estudada. Estas conservam um triplo estatuto: são ao mesmo tempo termos, nomes próprios e topônimos.

As informações fornecidas pelo indicativo de gramática dos verbetes de nosso vocabulário permitem também observar os principais processos de formação de termos totalmente abreviados. No caso do conjunto terminológico estudado, verificou-se que a geração de neônimos por redução total do sintagma terminológico-fonte conduz à formação de siglas e, em segundo lugar, de acrônimos.

No campo conceitual objeto de nossas análises, a produtividade lexical encontra em bases lexêmicas do gênero feminino elementos importantes para a criação neonímica de sintagmas terminológicos. A terminologia das áreas naturais protegidas do Brasil é, portanto, predominantemente feminina.

BIBLIOGRAFIA

BARBOSA, M. A., Língua e discurso: contribuição aos estudos semântico-sintáxicos, 2a ed. rev., São Paulo: Global, 1981.

BARROS, L. A., Etude terminologique et traitement terminographique du vocabulaire des espaces protégés du Brésil (Tese de Doutorado). Lyon: Universidade Lumière, 1997.

CABRE, M. T. La terminología: teoria, metodología, aplicacio­nes, Barcelona: Editorial Antártida/Empúries, 1993.

GUILBERT, L., La créativité lexicale, Paris: Larousse, 1975. (Coll. Langue et Langage)

CALVET, L.-J., Les sigles, Paris: PUF, 1980. (Coll. Que sais-je?)

HJELMSLEV, L., Prolégomènes à une théorie du langage, Paris: éditions de minuit, 1968.

KOCOUREK, R., La langue française de la technique et de la science: vers une linguistique d'une langue savante, Wiesbaden: Brandstette, 1991.


A SEMIÓTICA E O SINCRETISMO RELIGIOSO NO BRASIL

 

 

Silvio de SANTANA Junior[59]

 

Resumo: O sincretismo religioso no Brasil se serve de várias linguagens que se manifestam concomitantemente (canto, música, gesto, gritos, cores, objetos).

Dessa complexidade, comentaremoscuriosidades lingüísticas que definem o ritual e suas variantes que nos propiciaram a construção de um rito de referência.

A abordagem do fato histórico, recorrendo às modalidades veridictórias da  SEMIÓTICA de A. J. Greimas (Escola de Paris), permite demonstrar que transformações de práticas sociais resultaram na oficialização da UMBANDA como religião brasileira.

 

 

Através da teoria semiótica da Escola de Paris de A. J. Greimas, analisamos uma sessão de Umbanda, a giria dos pretos velhos, em nossa tese de doutorado. Nesta abordagem, apresentaremos apenas rudimentos de análise.

Até o século XIX, os cultos católico e afros permaneciam justapostos; os negros em nada mudaram suas crenças, e mantinham igual respeito pelos santos católicos e pelos orixás, porém as práticas rituais sofreram complexas interpenetrações, originando o sincretismo religioso no Brasil.

Na década de 1910-1920, surgiu a revolta dos ogãs, influenciada pelas idéias republicanas e tendências nacionalistas, que consistia em distanciar-se da rigidez tradicional africana concernente aos fundamentos e às práticas rituais conservados pelo misticismo baiano. Somente a partir deste período, embora favorecessem o Kardecismo, houve fusão entre os cultos, predominando os bantos, cuja ordem crescente Arthur Ramos definiu de modo sui generis: gege-nagô-muçulmi-banto-caboclo-espírita-católico.

Em 1934, finalmente, com a liberdade de culto, assegurada por lei, oficializa-se a Umbanda, a única religião genuinamente brasileira, nascida de um processo de aculturação que identifica a comunidade brasileira.

Esse culto ritmado e ritualizado se caracteriza pelas danças, pelos toques de atabaques e pelos pontos cantados executados pelos ogãs, onde antepassados divinizados, reconhecidos pelo dualismo Santo-Orixá, se manifestam por intermédio do transe mediúnico, sob forma de consultas para aconselhar o público que procura o ritual de Umbanda.

As sessões de Umbanda, chamadas “gira”, são cerimônias rituais visando geralmente à cura física ou espiritual das pessoas, por intermédio das entidades espirituais superiores que “baixam” nos médiuns, dirigidos por um chefe que pode ser um Pai-de-Santo ou uma Mãe-de- Santo.

O estado inicial trata das relações entre: a Mãe-de-Santo, que é um médium detentor de uma “marca”[60] (“aquilo que parece”) e também detentora da competência cognitiva no ritual; os Filhos-de-Santo (médium e não médium); o público (que crê, que não crê, que duvida) e os espíritos (Orixás ou Santos).

As pessoas procuram a Umbanda por causa do sofrimento, de um mal-estar qualquer ou motivadas pela curiosidade.

No primeiro caso, o do sofrimento, podemos reconhecer um programa de busca, cujo objeto é: mensagem-vigor-bem[61] e cujo valor é o bem-estar.

Podemos representar esse estado inicial da seguinte maneira:

S È O

Neste enunciado, “S” representa os atores do discurso em disjunção de “O” representando o objeto bem-estar.

O sofrimento pode caracterizar-se por problemas de ordem física, moral ou sócio-econômica, um estado onde as pessoas se sentem abandonadas, privadas de proteção. Elas são portanto levadas a organizar um programa de busca a fim de encontrar alguém para ajudá-las a conseguir o objeto desejado. Elas chegam, enfim, no centro de Umbanda e confiam sua pena à Mãe-de-Santo. Isto pressupõe que essas pessoas não vão lá por acaso, elas ouviram dizer que em tal lugar certas práticas rituais podem resolver seus problemas.

Um programa viável, sempre no domínio do pressuposto, seria que o sofrimento, objeto ao qual os sujeitos que procuram o ritual estão em conjunção, será igualmente o sujeito manipulador (moralidade factitiva) do dever-fazer (dever-procurar o bem-estar), e coloca o público que se dirige ao centro de umbanda em conjunção com o objeto modal dever-fazer: Om (dever-procurar o bem-estar).

Além do fazer-dever há também um programa pressuposto que poderia ser representado tendo como sujeito manipular do querer-fazer (fazer-querer-conhecer), a curiosidade motivada pelos comentários e rumores, positivos, que fazem a respeito do centro de umbanda.

No primeiro caso, a manipulação é representada pela modalidade pelo dever-fazer, ocasionada pela intimidação (ameaça de não conseguir o bem-estar). O sofrimento se apóia neste caso na modalidade do poder (dimensão pragmática). Trata-se de uma proposição: “não poder não conseguir o bem-estar”.

No segundo caso, os rumores incitam as pessoas curiosas a querer conhecer a Umbanda pela tentação. A curiosidade representa uma falta de saber (ele está curioso para conhecer a sua sorte). A modalidade é o querer-saber (querer-conhecer).

A curiosidade é “uma tendência que leva a aprender, a conhecer coisas novas; contrário da indiferença”[62].

Podemos interpretar também os rumores como uma sanção das performances e da competência do centro de Umbanda e por conseguinte da Mãe-de-Santo.

A presença do público pode ser considerada como uma provocação à Mãe-de-Santo. É importante lembrar que a Mãe-de-Santo, recebendo um espírito qualquer ou sendo por ele tomada, seria suscetível de transmitir o objeto mensagem-vigor-bem (objeto cognitivo), por meio do transe ao destinatário - neste caso o público que busca na Umbanda a cura, uma ajuda ou a caridade.

Para as pessoas que a acompanham, a Mãe-de-Santo é detentora de um saber e de um poder para lhes fazer conseguir o bem-estar. Ela tem também a responsabilidade de fazer crer que o que ela apresenta é verdadeiro, para manter seu poder e, conseqüentemente, seu prestígio. Neste momento, a Mãe-de-Santo é sujeito do dever-fazer-crer, manipulada pela sua própria crença, sua fé, tendo Deus como destinador não figurativizado e ausente da narrativa. É “a existência de um outro sujeito anterior (pertencendo a um universo transcendente e destinador) que se manifestará somente pelo resultado de seu fazer (aparecendo no universo imanente e destinatário)”[63].

A crença ou a fé em Deus é o resultado de um fazer manipulador que obriga a Mãe-de-Santo a desenvolver seu fazer, isto é a realizar a sessão de Umbanda. Trata-se uma intimidação propositiva (nível pragmático) onde o dever-fazer é intrínseco; a Mãe-de-Santo deve transmitir o objeto mensagem-vigor-bem aos fiéis (filhos-de-santo e público) através da comunicação participativa, cujo valor é o bem-estar.

No segundo caso, um outro destinador não figurativizado e ausente da narrativa é, no nível do implícito, a altivez da Mãe-de-Santo que a seduz de tal maneira que lhe faça querer a conservação de seu prestígio desenvolvendo sua ação representada aqui pelas modalidades do querer-fazer-crer.

A Mãe-de-Santo deve possuir o saber sobre o ritual no ritual e o poder mediúnico religioso, o qual a autoriza a exercer suas funções ritualísticas.

A Mãe-de-Santo como sujeito (S1) se encontra em conjunção com objeto cognitivo: o saber, (Oc). Este objeto deve ser atribuído aos fiéis. Trata-se da comunicação participativa onde a Mãe-de-Santo faz com que os filhos-de-santo e o público consigam a obtenção ainda que parcial deste objeto cognitivo.

“Mesmo transferindo um valor, o sujeito, no entanto, não se priva do mesmo”[64] (comunicação participativa).

A Mãe-de-Santo organiza este programa de uso onde ela deve colocar o saber em conjunção com as pessoas para lhes fazer crer como sendo verdade tudo aquilo que ela diz e faz e desta forma conserva seu prestígio.

É preciso esclarecer que no final existem simultaneamente duas conjunções: a Mãe-de-Santo em conjunção com a conservação de seu prestígio e o público em conjunção com o objeto de valor, o bem-estar.

F(S1) ==> [(S1 È Op) ® (S1 Ç Op)]

S1 = Mãe-de-Santo

Op = Prestígio

F(S1) ==> [(Sx È Ov) ® (Sx Ç Ov)]

Sx = Público

Ov = Bem-estar

F = Fazer

==> = Operação

È = Disjunção

Ç = Conjunção

® = Transformação

Concluindo, podemos dizer que o ritual constitui um conjunto significante, objeto semiótico analisável cuja enunciação enquanto instância de mediação que produz o discurso, atualiza suas virtualidades semióticas, verificável pelo percurso gerativo do sentido que implica na passagem da imanência à manifestação, antes da textualização verbal e não verbal em que ocorre a semiose.

 

BIBLIOGRAFIA

COURTÉS, J. Introduction à la Sémiotique Narrative et Discursive. Paris: Hachette, 1976, p. 127.

DICIONÁRIO Micro-Robert. Paris: SNL, 1971, p. 257.

GREIMAS, A. J. e  Courtés, J. Dictionnaire raisonné de la Théorie du Langage. Paris: Hachette Université, 1979, p. 222.

GREIMAS, A. J. Maupassant. Paris: Editions du Seuil, 1976, p. 129.


PROPAGANDA: Narrativa Semivirtual

 

 

Edna Aparecida Cavalcante CRUZ[65]

 

Resumo: Os textos de propaganda de revista sincretizam imagem e escrita, na construção de simulacros de verdade onde o enunciatário torna-se um actante sujeito em busca de um objeto valor. Esses simulacros podem se apresentar em forma de narrativas simples, constituídas de um programa narrativo de base com papéis actanciais de sujeito e objeto-valor com os quais esses sujeitos entram em junção. Pretendemos verificar no texto de propaganda da HONDA, publicado na Revista Veja, de 5 de fev/97, como o sentido é distribuído nesse tipo de texto, para fazer crer. Para isso, passamos à análise dos níveis narrativo e discursivo do texto.

 

 

1. O Programa Narrativo De Base Do Nível Narrativo.

O sintagma elementar da narrativa de superfície é denominado programa narrativo. Esse programa contém um enunciado de fazer que rege um enunciado de estado.(Cf. A.J.Greimas & J. Courtés (1979: 352). No texto analisado, o PN de base pode ser representado da seguinte forma:

PN = F [ S1 ®(S2 Ç O)]

O PN apresenta um sujeito (S2) à procura de emoções e um sujeito (S1) capaz de possibilitar a conjunção de (S2) com “toda a emoção do mundo” que constitui o objeto-valor. O papel temático desse PN é a saudade.

A narrativa mínima representada nesse PN constitui uma transformação situada entre dois estados sucessivos e diferentes, composta dos seguintes elementos que se pressupõem de forma unilateral:

manipulação  ¬  sanção

 

¯            ação   ®

 

competência     performance

A manipulação é o único elemento desenvolvido do PN. Os demais continuam virtuais, isto é, possíveis de se realizar. Esse PN aparece como uma transferência de objeto, identificado, nessa propaganda, como a oferta de “toda emoção do mundo” feita por S1, sujeito destinador (sujeito do poder-fazer) a um sujeito (S2), destinatário, (sujeito do querer-sentir).

 

2. As Figuras Do Nível Discursivo

Em nível discursivo, temos um ator figurativizado por XLR-HONDA que desenvolve o papel temático “toda emoção do mundo” e o papel actancial objeto-valor. O semema “toda emoção do mundo” é de natureza englobante, isto é, refere-se às emoções eufóricas e disfóricas,  atualizando os seguintes classemas:

 

Euforia

- _______________________________________________ +

perigo

 

sucesso

felicidade

medo

 

coragem

liberdade

 

 

independência econômica

tristeza

saudade

aquisição

durabilidade

dor

 

conforto

bem estar

revolta

 

alegria

desejo     vida

perda

 

prazer

satisfação

+ _______________________________________________  -

Disforia

 

O objeto-valor figurativizado pela XLR-HONDA é modal, isto é, constitui o elemento que vai dar condições de S2 sentir “toda emoção do mundo”, até a saudade. Para isso, ela é durável, econômica, eficiente, tem qualidade, oferece liberdade, felicidade, bem-estar, prazer, alegria, satisfação, emoção, progresso, aventura. A saudade é construída no texto pela tela com imagens que provocam uma debreagem temporal, afastando o narrado para um momento anterior à enunciação, evocando, assim, a lembrança que se configura como um farol com lâmpada halógena que projeta, na tela, a imagem da barraca e do campo. Já a foto da XLR atualiza, no discurso, os classemas referentes à moto, enquanto objeto-valor material, um bem que pode ser adquirido no mercado, consumível. Assim, a XLR HONDA torna -se um objeto mítico. Possui tanto traços semânticos que referencializam o real, como traços que referencializam o ideal, o imaginário. Essa atribuição de valores mágicos a objetos do mundo real gera o mito.

O ator VOCÊ está vestindo os papéis actancial de S2, sujeito do querer ter, querer ser e querer sentir e temático “toda emoção do mundo”. O discurso configura, na escrita impressa em cor branca, a figura desse ator desenhada, como alguém ambicioso, emotivo, aventureiro, saudosista, ou seja, um herói romântico que vive no presente, pensando no futuro. Esse herói não se satisfaz com suas condições de vida atuais, por isso está sempre em busca de condições melhores. Os sememas “ vai ter”, “morrer de saudade”, ao construir a possibilidade de ter e sentir, gera o ator VOCÊ como aquele que não tem e não pode sentir no momento atual, no agora.

A tela com imagem figurativiza a lembraça do tempo em que só tinha uma barraca. Esse tempo é modalizado por valores eufóricos que remetem o ator VOCÊ a um tempo lá, de liberdade, aventura que caracteriza um passado feliz onde o ator só tinha uma moto XLR Honda e uma barraca. A espacialidade preenchida pela figura “do tempo que só tinha uma barraca “ é construída de tal forma, que revela uma desproporção enorme entre céu e terra, figurativizando, assim, a saudade como lembrança eufórica da liberdade, expressa pelo classema céu que engloba os semas infinito, imaterialidade, luz, espiritualidade, e pelo classema terra que atualiza a aventura de viajar, dormir em barraca, no campo, enfim, os prazeres que a matéria pode oferecer. A lembrança “do tempo da barraca” também é de natureza mítica, pois engloba, na mesma figura, semas que fazem remissão ao mundo material e a semas representativos do mundo espiritual.

O logotipo HONDA é a figura que atualiza, nesse discurso saudosista, os elementos deixados no passado, evocados com euforia. Esses elementos são liberdade, emoção, totalidade, materialidade. Assim, a HONDA oferece toda liberdade, toda emoção possível proporcionada pela matéria.

A manipulação nesse percurso narrativo é feita pela sedução que, utilizando-se do elemento mítico, conduz pelo encantamento, pela magia, o ator VOCÊ a querer sentir “toda emoção do mundo”, querer ser livre, aventureiro e a querer ter uma moto XLR HONDA.

O ator HONDA não coloca no mercado uma máquina para ser adquirida por um valor determinado. Ao contrário, ele oferece um objeto mágico, capaz de fazer sentir “toda a emoção do mundo”, procurando fazer crer verdadeiro esse objeto, pela tematização da saudade, pela figurativização da moto, como algo durável na memória e no tempo, pela oposição preto/azul.

Esse estágio do percurso narrativo pressupõe os estágios seguintes que se realizariam, se o ator VOCÊ acreditasse verdadeiro esse dizer sobre e adquirisse uma XLR HONDA, realizando, assim, a ação que é constituída de uma competência e uma performance, sancionando positivamente o sujeito manipulador, ou se deixasse de comprar. Nesse caso, a sanção seria negativa. Os outros estágios: venda e lucro - ação e sanção- no entanto, só podem ocorrer no futuro, não no momento anterior ou posterior à enunciação.

 

 

BIBLIOGRAFIA

COURTÉS, J. Sémantique de l’énoncé: applications pratiques. Paris: HACHETTE, 1989.

GREIMAS, A.J. & COURTÉS, J. Dicionário De Semiótica. São Paulo: Cultrix, 1979.

REVISTA Veja. São Paulo: Editora Abril, 5 de fev., 1997, p. 14-15.

 

 

 


 O DISCURSO DA GLOBALIZAÇÃO, A IDENTIDADE E A TOLERÂNCIA CULTURAIS

 

Cidmar Teodoro PAIS[66]

 

RESUMO: Esta pesquisa propôs-se a examinar o discurso de sustentação da identidade cultural e o discurso da (in)tolerância cultural, perante o processo de globalização em curso no mundo contemporâneo. Foram utilizados modelos da sociossemiótica e da semiótica das culturas na análise de textos jornalísticos da imprensa brasileira e européia. Estudaram-se microssistemas de valores sustentados, em semântica profunda, para descrever conflitos, tensões, processos de co-optação, inserção, exclusão, marginalização, nas relações entre indivíduos, entre indivíduos, Estado e comunidade, como também entre culturas, sociedades e nações, no contexto internacional.

0.1. Introdução

O estudo dos discursos de sustentação de identidade cultural e dos discursos da (in)tolerância cultural, face ao processo de ‘globalização’ em curso no mundo contemporâneo, assume particular relevância no âmbito das pesquisas semióticas. Utilizamos, neste trabalho, modelos da sociossemiótica e da semiótica das culturas, para analisar textos jornalísticos da imprensa brasileira e européia. Buscamos descrever, sobretudo, a axiologia, ou seja, os microssistemas de valores sustentados, ao nível da semântica profunda e elaborar, assim, uma formalização dos conflitos, das tensões entre as forças em jogo, dos processos de co-optação, inserção, exclusão, marginalização, seja nas relações que se estabelecem entre indivíduos, seja entre indivíduos, Estado e comunidade, no âmbito de uma sociedade, seja, ainda, entre culturas, sociedades e nações, no contexto internacional, de modo a obter uma melhor compreensão das ideologias de confronto e de cooperação.

 

1. Aspectos do processo sociocultural brasileiro

Em trabalhos anteriores (Pais, 1993a, 1993b e 1995), já nos dedicáramos ao exame de certas características da axiologia da cultura e dos modos de ordenamento social do nosso país, do ângulo da sociossemiótica e da semiótica das culturas. De fato, verificamos que há certas relações que permanecem constantes, ao longo do nosso processo histórico, nos períodos colonial, imperial e republicano.

Assim, por exemplo, como caracterizadora da cultura e do ordenamento social brasileiros, sustenta-se uma tensão dialética entre duas forças contrárias, o privilégio e a restrição. Consideremos, pois, esses metatermos, no plano das modalidades semióticas. O metatermo privilégio define-se pela combinatória de modalidades complexas [querer-fazer, crer-poder-fazer, crer-saber-fazer, crer-dever-fazer]. O metatermo restrição define-se, por sua vez, pelas modalidades [querer-não-fazer, crer-não-poder-fazer, crer-não-saber-fazer, crer-não-dever-fazer]. O termo contraditório de privilégio é não-privilégio, caracterizado pelas modalidades [não-querer-fazer, não-crer-poder-fazer, não-crer-saber-fazer, não-crer-dever-fazer]. O termo contraditório de restrição é não-restrição, correspondente às modalidades [não-querer-não-fazer, não-crer-não-poder-fazer, não-crer-não-saber-fazer, não-crer-não-dever-fazer] Como se vê, trata-se de valores ligados a uma vontade política e a um sistema de crenças, concernente, ainda, a uma vontade, uma determinada competência e uma ética.

Nessas condições, a tensão dialética privilégio x restrição configura o epicentro do processo e o equilíbrio dinâmico do conflito. Expressa-se pelo metatermo esperteza, correspondente à combinatória das modalidades envolvidas: [(querer-fazer, crer-poder-fazer, crer-saber-fazer, crer-dever-fazer) x (não-querer-fazer, não-crer-poder-fazer, não-crer-saber-fazer, não-crer-dever-fazer.)] Os indivíduos e os segmentos sociais que se sustentam nessa posição podem ser considerados plenamente inseridos no processo, de maneira compatível com a identidade cultural, tal como construída no imaginário coletivo.

A dêixis positiva (no plano lógico) resulta da combinação privilégio x não-restrição, expressa-se pelo metatermo arrogância, caracterizado pela combinatória modal correspondente - [(querer-fazer, crer-poder-fazer, crer-saber-fazer, crer-dever-fazer) x (não-querer-não-fazer, não-crer-não-poder-fazer, não-crer-não-saber-fazer, não-crer-não-dever-fazer)] - designa a vontade política e o sistema de crenças de uma ‘elite’, com traços semânticos constantes em todos os períodos da história brasileira. Trata-se, aqui, da ideologia do dominante, sustentada para seu uso próprio.

A dêixis negativa decorre da combinação restrição x não-privilégio, lexicalizada pelo metatermo submissão, definido pela combinatória modal [(querer-não-fazer, crer-não-poder-fazer, crer-não-saber-fazer, crer-não dever-fazer) x (não-querer-fazer, não-crer-poder-fazer, não-crer-saber-fazer, não-crer-dever-fazer)], que designa, a seu turno, a ideologia imposta às classes e segmentos desfavorecidos pelo dominante e, desde sempre, introjetada pelo dominado, de forma a inibir qualquer aspiração ou tentativa de mudança.

O termo neutro resulta da combinação não-restrição x não-privilégio, caracteriza-se pela combinatória modal [(não-querer-fazer, não-crer-poder-fazer, não-crer-saber-fazer, não-crer-dever-fazer) x [não-querer-não-fazer, não-crer-não-poder-fazer, não-crer-não-saber-fazer, não-crer-não-dever-fazer)], define a situação dos excluídos, no sentido de encontrar-se ‘fora do sistema’ e por este tolerados, desde que não interfiram na vida política, econômica e social (Cf. Figura 1).

                                                                                         t.d.   

 ESPERTEZA

         percurso da                                                                                         

        inserção       

Privilégio                                                    Restrição

querer-fazer                                                  querer-não-fazer

crer-poder-fazer                                           crer-não-poder-fazer

crer-saber-fazer                                           crer-não-saber-fazer

crer-dever-fazer                                           crer-não-dever-fazer

                                                                                         

ARROGÂNCIA                                                                                                                           SUBMISSÃO

 


Não-Restrição                                            Não-Privilégio

não-querer-não-fazer                                  não-querer-fazer

não-crer-não-poder-fazer                           não-crer-poder-fazer

não-crer-não-saber-fazer                           não-crer-saber-fazer

não-crer-não-dever-fazer                           não-crer-dever-fazer

 


percurso da

                                                                                                                                                   alienação

   CETICISMO

Figura 1 - Privilégio e restrição                           Æ                                            

 

 

Verifica-se, além disso, a co-existência de dois percursos, de um lado, o percurso da inserção, através do qual a ‘elite’ dominante simula adesão a um ordenamento social construído no modo do parecer, em que haveria equilíbrio e justiça nas relações entre direitos e deveres (Pais, 1993a, 1993b, 1995), processo de manipulação que permite a seus membros identificar-se com os valores da cultura e da sociedade e ser considerados como ‘legítimos representantes’ da mesma. De outro lado, o percurso da alienação, através do qual, uma parcela dos segmentos e classes desfavorecidas é paulatinamente excluída e marginalizada, passando a um estado concomitantemente de desânimo, desencanto, impotência, exclusão e ceticismo.</p>

 

 

2. Da (in)tolerância cultural

Processo multimilenar, a migração de indivíduos, de grupos e, até mesmo, de nações sempre decorreu, basicamente, do esforço incessante do homem, em busca da sobrevivência, primeiramente, como impulso natural, e, também, de melhores condições de vida. A fuga de situações políticas insuportáveis, a procura de qualificação profissional ou o seu aperfeiçoamento, a inserção no mercado de trabalho e/ou no sistema produtivo constituem, dentre outros, fatores de incentivo ao deslocamento, do lugar de origem, das pessoas, em correntes que parecem intensificar-se nos dias atuais.

Dessa maneira, passam a conviver grupos humanos de culturas diferentes, ou seja, que sustentam, mesmo quando disso não têm consciência, sistemas de valores e ‘visões de mundo’ distintas e, em muitos aspectos, conflitantes, tanto no plano da ética, dos usos e costumes, quanto no da vontade política .e das aspirações. O confronto surge inevitável. Aumentam os índices de rejeição ao migrante - nacional ou internacional, que parecer ‘ameaçar’ a segurança, o emprego e o bem estar dos habitantes locais. O preconceito reina soberano e desencadeia mecanismos de ‘proteção’.

Por outro lado, indivíduos e comunidades apreciam comprar e consumir coisas produzidas pelo ‘outro’, coisas ‘exóticas’ ou ‘requintadas’, com as quais podem mais bem afirmar seu status social, ou, ainda, coisas ‘mais baratas’. Os produtos importados, alimentos, bebidas, roupas, automóveis, máquinas, etc., nesta perspectiva, são sempre ‘melhores’ que os locais, muitas vezes, custam menos e conferem ‘existência social’.

Além disso, o discurso em defesa da solidariedade humana perde progressivamente sua força argumentativa, baseada em princípios morais, cedendo seu lugar à procura de proveito e vantagens, limitada, é claro, pelos mecanismos de defesa do ‘outro’.

Estabelece-se, pois, uma tensão dialética entre duas tendências contrárias, o desejo de consumo, definido pelas combinatória modal [querer-ser e querer-fazer], - e a necessidade convívio com o diferente, caracterizado pelas modalidades [dever-ser e dever-fazer], entre o prazer e o dever. O termo contraditório de convívio é autonomia, definido, por sua vez, pela combinatória modal [não-dever-não-ser e não-dever-não-fazer]; o contraditório de consumo é contenção, a que correspondem as modalidades [não-querer-ser e não-querer-fazer].

Nessas condições, o epicentro da tensão, o lugar do conflito e do equilíbrio dinâmico, pode ser manifestado pelo metatermo adaptabilidade, um equivalente da esperteza, qualificada como [(querer-ser e querer-fazer) x (dever-ser e dever-fazer)]. A dêixis positiva (no plano lógico) resulta da combinação entre autonomia e consumo e poder ser manifestada pelo metatermo esplêndido insolamento, um [(querer-ser e querer fazer) x (não-dever-não-ser e não-dever-não-fazer)], de certa maneira equivalente a arrogância; a dêixis negativa decorre da combinação de convívio e contenção, explicitada pelo metatermo enquadramento, um [(dever-ser e dever-fazer) x (não-querer-ser e não-querer-fazer)], de certa forma equivalente a submissão. Da combinação de autonomia e contenção advém o termo neutro, um [(não-dever-não-ser e não-dever-não-fazer) x (não-querer-ser e não-querer-fazer)], que estabelece a situação de exclusão.

Como se vê, as relações vigentes, no processo sociocultural interior à cultura e ao ordenamento social de determinada comunidade, como que se reproduzem nas relações entre culturas e sociedades, em função das relações de poder e de dominação (Cf. Figura 2).

 


t.d.

             ADAPTABILIDADE (ESPERTEZA)

 

 

 


consumo                                           convívio

                        querer-ser                                         dever-ser

                        querer-fazer                                      dever-fazer

 


ESPLÊNDIDO                                                                                    ENQUADRAMENTO

ISOLAMENTO                                                                                    (SUBMISSÃO)

(ARROGÂNCIA)

                                                                                                                         

                        autonomia                                                           contenção

                        não-dever-não-ser                          não-querer-ser            

                        não-dever-não-fazer                       não-querer-fazer

 

 


   EXCLUSÃO

Æ

                    Figura 2 - Da (in)tolerância

 

 

3. Do confronto internacional

As chamadas novas relações entre sociedades, estados e nações, que estariam a estabelecer-se no processo dito da ‘globalização’ na verdade sempre existiram, ao longo do processo histórico, e apenas estão a acentuar-se ou, talvez, explicitar-se mais claramente, na atualidade.

É costume distinguir-se os países desenvolvidos daqueles que se chamam ‘em vias de desenvolvimento’ ou são claramente subdesenvolvidos e ‘atrasados’. Parece-nos legítimo, pois, considerar uma tensão dialética entre duas forças contrárias, ou seja, crescimento x atrofia. O termo crescimento define-se pela modalidade complexa [poder-fazer-poder-ser] e o termo atrofia, pela modalidade complexa [poder-fazer-não-poder-ser]; O termo contraditório de crescimento é retardo, correspondente à modalidade complexa [não-poder-fazer-poder-ser] o termo contraditório de atrofia é desimpedimento, definido, a seu turno, pela modalidade complexa [não-poder-fazer-não-poder-ser].

Nessas condições, a dêixis positiva pode ser caracterizada pela combinação  crescimento x desimpedimento, correspondente ao conceito relevante de desenvolvimento sustentável. Neste, existe a preservação dos recursos não-renováveis e a garantia de melhores padrões de qualidade de vida, valorizando-se, proporcionalmente, o trabalho dos habitantes locais.

A dêixis negativa resulta da combinação atrofia x retardo, expressa pelo metatermo economia predatória. Verifica-se dilapidação dos recursos não-renováveis, destruição do meio ambiente, padrões inferiores de qualidade de vida e desvalorização do trabalho local.

O termo neutro, exclusão, caracteriza o estágio de países e sociedades que se situam à margem do processo dito de ‘globalização’, na medida em que sequer se classificam dentre aqueles que haveria interesse em explorar (Cf. Figura 3).

 


t.d.

                           CONFRONTO INTERNACIONAL

 

 

 

            crescimento                                                         atrofia

            poder-fazer-poder-ser                                        poder-fazer-não-poder-ser

 

 

 


DESENVOLVIMENTO                                                                                          ECONOMIA

SUSTENTÁVEL                                                                                                     PREDATÓRIA

 


                                                                                                                                         

            desimpedimento                                                 retardo     

                                       não-poder-fazer-não-poder-ser                        não-poder-fazer-poder-ser            

 

 


EXCLUSÃO

ESTAGNAÇÃO

Æ

Figura 3 - Confronto internacional

 

 

 

3. Conclusão

Observa-se uma patente contradição entre o sistema de valores sustentado pelo processo sociocultural brasileiro, em suas relações internas, e as aspirações e reivindicações manifestadas pela sociedade e pelo Estado, no sentido do estabelecimento de maior justiça e eqüidade, nas relações internacionais.

A nosso ver, uma das condições sine qua non do sucesso de uma política, que reorganize as relações internacionais em termos de igualdade, cooperação e respeito mútuo, reside na construção, internamente, de uma sociedade mais livre, justa e democrática.

Com efeito, é doloroso verificar que determinados valores, invocados, em épocas anteriores, como, por exemplo, aqueles relativos à justiça social, à solidariedade social, aos direitos humanos, para fundamentar axiologicamente as utopias, perdem paulatinamente sua força argumentativa.

Paradoxalmente, observa-se, ao mesmo tempo, que esses valores assumem, progressivamente, maior importância, na definição da eficácia do discurso de nações e sociedades, nos embates da ‘globalização’.

 

BIBLIOGRAFIA

 

GREIMAS, A. J., LANDOWSKI, E. et al.  Análise do discurso em ciências sociais. São Paulo: Global, 1986.

PAIS, C.T. “Sociossemiótica e semiótica das culturas”. In: Anais do IV Encontro Nacional da ANPOLL Recife: ANPOLL, 1989, 795-800.

__________. “Sociossemiótica, semiótica das culturas e processo histórico: liberdade, civilização e desenvolvimento”. In: Anais do VI Encontro Nacional da ANPOLL. Porto Alegre: ANPOLL, 1991.

__________. “Pour une approche socio-sémiotique du processus culturel: lexique et metatermes”. In: PAIS, C. T. Conditions sémantico-syntaxiques et sémiotiques de la productivité systémique, lexicale et discursive. Thèse de Doctorat d’État ès-Lettres et Sciences Humaines. Paris: Université de Paris-Sorbonne/Lille, Atélier National de Reproduction des Thèses, 1993, 603-640.

__________. “Investigações em sociossemiótica e semiótica das culturas”. In: Anais do VII Encontro Nacional da ANPOLL.Goiânia: ANPOLL, 1993b, 797-806.

__________. “Análise sociossemiótica de alguns conceitos e valores do processo sociocultural brasileiro contemporâneo”. In: Estudos Lingüísticos XXIV. Anais de Seminários do GEL. São Paulo: GEL, 1995, 234-243.

 

 


 OS MANUSCRITOS E AS EDIÇÕES ANTIGAS E MODERNAS DO POEMA DA VIRGEM DE JOSÉ DE ANCHIETA

 

João Roberto Inácio RIBEIRO[67]

 

Resumo: Pretende-se, num primeiro momento, fazer uma apresentação dos manuscritos bem como das edições antigas e modernas da obra De Beata Virgine Dei Matre Maria (Poema da Bem-aventurada Virgem Mãe de Deus, Maria) do padre José de Anchieta, à luz da edótica e, a seguir, tecer alguns comentários sobre o número de versos e sobre a divisão estrutural do Poema.

 

Muito se tem escrito sobre o padre José de Anchieta que ficou conhecido como o “Apóstolo do Brasil”, epíteto que aparece em quase todas as suas biografias, devido ao seu incansável trabalho de catequese e evangelização de índios brasileiros. As suas obras são freqüentemente citadas como as primeiras manifestações literárias no Brasil. Como bem lembrou o Professor Ênio Aloísio Fonda em seu artigo “Padre José de Anchieta, poeta novi-latino” (Revista de Letras, v.14, p.133-52, 1972), caber-lhe-ia, com justiça, a primazia cronológica, em poesia, dentro da Literatura Brasileira, pois antes de Bento Teixeira (Prosopopéia, 1601) já saíra publicado em Coimbra, no ano de 1563, o seu poema épico latino De gestis Mendi de Saa (Sobre os feitos de Mem de Sá), em versos hexâmetros. Até 1926 esta edição fora, contudo, desconhecida, quando Antônio Joaquim Anselmo editou, em Lisboa, sua Bibliografia de obras impressas em Portugal no século XVI, onde há, entre as páginas 25 e 26, uma referência sobre a edição desse poema latino de Anchieta.

Além desse poema épico, Anchieta se distingue como poeta novilatino em sua vasta obra lírica, um poema-meditação dirigido a Maria, o De Beata Virgine Dei Matre Maria, em versos elegíacos, com o qual inaugura, segundo José Aderaldo Castello, uma verdadeira tradição de poesia religiosa no Brasil que se prolonga pelo século XVII e sobretudo pelo XVIII durante o movimento academicista. Há, ainda, uma terceira obra sua em latim, De Eucharistia et aliis (Poemas Eucarísticos e outros), impressa pela primeira vez somente no ano de 1975, em São Paulo, pelas Edições Loyola.

Manuscritos e edições do De Beata Virgine Dei Matre Maria

Os manuscritos

Antes de ser impresso, pela primeira vez em 1663, o De Beata foi conhecido e divulgado através de cópias manuscritas das quais duas, pelo menos, existem ainda hoje: o Manuscrito de Algorta (MA) e o Manuscrito de Santiago do Chile (MST). O primeiro foi encontrado na cidade de Algorta (daí o seu nome), perto de Bilbao, na Espanha, para onde foi enviado pelo Provincial do Brasil a descendentes de Anchieta. Nele estão contidas, além de algumas composições menores, as três grandes obras poéticas latinas de Anchieta.

O Manuscrito de Santiago foi assim chamado pelo Padre Armando Cardoso, pois foi encontrado no Colégio dos Jesuítas da cidade de Santiago do Chile. Além de apresentar algumas variantes em relação ao MA, o MST restitui ao Poema De Beata 04 (quatro) dísticos ou 08 (oito) versos que, segundo o Padre Armando Cardoso, o copista do MA teria saltado por distração. Por outro lado, traz algumas imperfeições, sendo a mais grave a omissão de 05 (cinco) dísticos, certamente autênticos, por falha também do seu copista.

As edições antigas

Edição de 1663 - A primeira edição do De Beata foi feita em Lisboa, em apêndice à obra Chronica da Companhia de Jesus no Estado do Brasil do Padre Simão de Vasconcelos. Encontra-se entre as páginas 481 a 527 desse volume, sob o título “Versos do Padre Joseph de Anchieta em louvor da Virgem”.

Edição de 1672 - Esta edição aparece também em apêndice a outra obra do Padre Simão de Vasconcelos, Vida do Venerável Padre Ioseph de Anchieta..., também impressa em Lisboa.

Edição de 1865 - A edição de 1865 foi igualmente impressa em Lisboa, incluída na 2ª edição da Crônica da Companhia de Jesus... do Padre Simão de Vasconcelos.

Edição de 1887 - Ao contrário das anteriores, é uma edição do poema em separado, em 176 páginas, impressa em Santa Cruz do Tenerife, Ilhas Canárias, com o título Poema Marianum, auctore Venerabili Patre Iosepho de Anchieta, Lacunensi, Sacerdote Professo Societatis Iesu.

 

As edições modernas

Edição de 1940 - Esta edição traz estampada na página de rosto o título P. José de Anchieta, S.J. / Poema da Bemaventurada Virgem Mãe de Deus / MARIA / Texto latino - Versão - Introdução - Notas. Foi publicada pelo Arquivo Nacional, v.37, com direção e nota liminar (p.V-X) do Dr. E. Vilhena de Moraes e introdução (p.XIII-XLVI) do Padre Armando Cardoso.

Esta edição apresenta diferenças marcantes em relação às edições antigas:

a) todo o extenso volume que forma a obra, com 46 páginas introdutórias, em algarismos romanos, mais 442 páginas em arábicos, é dedicado, exclusivamente, ao Poema De Beata Virgine Dei Matre Maria;

b) além do texto latino, traz a primeira tradução portuguesa de todo o poema, em versos livres, feita pelo Padre Armando Cardoso;

c) a tradução portuguesa divide os 5786 versos do poema em cinco Cantos e acrescenta, através de subtítulos, subdivisões a cada uma das trinta partes indicativas da divisão estrutural e de conteúdo do Poema já presentes no texto latino;

d) a Introdução histórica e literária do Poema, em 34 das páginas introdutórias, bem como as várias anotações ao texto da tradução, em rodapé, elaboradas pelo Padre Armando Cardoso, são um complemento valioso para a leitura da obra.

O próprio Padre Armando Cardoso aponta, posteriormentde, na edição de 1988, algumas falhas cometidas nesta edição do Arquivo Nacional, como erros de imprensa e de revisão, ou mesmo de interpretação. O principal foi o de ter afirmado, na página XLIV de sua Introdução, ser o Manuscrito de Algorta autógrafo de Anchieta: “Foi o manuscrito autógrafo de Algorta, do qual possuímos cópias fotográficas, que nos serviu para a presente edição”. Já na edição de 1988, na página 65 de sua Introdução Histórico-Literária, corrige a informação: “O MA é muito antigo e foi copiado diretamente do autógrafo, ao que parece, pois conserva traços e particularidades próprias do original... O MA é transcrição de vários copistas;”.

Edições da tradução - Três edições populares da tradução portuguesa, sem o texto latino, foram publicadas: uma no Magno Florilégio Mariano de Mons. Luiz Gonzaga de Moura, em Campinas, 1943-4 e duas nas Edições Paulinas sob o título Poema da Virgem, em São Paulo, respectivamente em 1954 e 1960.

Edição de 1988 - Foi publicada em São Paulo, em dois volumes, pelas Edições Loyola em convênio com o Instituto Nacional do Livro e o Ministério da Educação e Cultura com o título Poema da Bem-aventurada Virgem Maria, Mãe de Deus. Compõe o 4° Volume das Obras Completas do Padre José de Anchieta. Esta edição, como a de 1940, traz a Nota Liminar do Dr. E. Vilhena de Moraes (p. 5 a 8); uma Introdução Histórico-Literária (p. 13-89) do Padre Armando Cardoso, mais completa e precisa que a da edição anterior; o texto latino, agora revisto e fixado através do cotejo dos textos do MA, do MST e das edições de 1663, 1672, 1865, e 1940; nova tradução portuguesa, desta vez justalinear, em versos alexandrinos e apresentando rima em cada dístico; anotações ao texto, refundidas e aumentadas, não mais em rodapé, mas pospostas ao texto do Poema, em cada volume.

 

Número de versos e divisão estrutural do Poema

Esta última edição, a de 1988, traz o texto latino do Poema da Bem-Aventurada Virgem Maria, Mãe de Deus fixado com 5.794 versos ou 2.897 dísticos, portanto com 8 versos a mais que na edição de 1940. Esta, por não cotejar o Manuscrito de Santiago, omite os 4 dísticos que o copista do MA teria saltado por distração. No texto da edição de 1988, que numera os versos em múltiplos de 5, esses 8 versos são todos indicados, repetindo-se a numeração do dístico anterior acrescida da letra a: 1183a e 1184a; 2013a e 2014a; 5500a e 5501a; 5671a e 5672a.

Simão de Vasconcelos já aludia a uma divisão do De Beata Virgine em livros, cantos, capítulos (embora não a assinale) para uma maior compreensão estética do Poema. O Padre Armando Cardoso, por sua vez, explicita essa divisão. Na edição de 1940 divide o texto latino em cinco partes ou Cantos, resumindo, num pequeno título, o tema de cada parte. Na edição de 1988 também apresenta essas cinco divisões a que nomeia Livros, cada uma subdividida em duas ou três partes a que chama de Cantos (ao todo doze), subdivididos em trechos menores, como, segundo ele, as composições de Ovídio. Deu o nome de Livros às cinco partes maiores da divisão, como na obra Tristia (Cantos Tristes), cada uma delas comportando subdivisões que corresponderiam às Elegias da obra ovidiana.

Eis as divisões de cada edição:

 

Edição de 1940

CANTO I   - INFÂNCIA DE MARIA [v.1 - 988]

CANTO II  - ENCARNAÇÃO DO VERBO [v. 989 - 2444]

CANTO III - NATIVIDADE DE JESUS [v. 2445 - 3288]

CANTO IV  - INFÂNCIA DE JESUS [v 3289 - 4366]

CANTO V   - PAIXÃO E GLÓRIA [ v. 4367 - 5786]

 

Edição de 1988

LIVRO I   - INFÂNCIA DE MARIA (v. 1 - 988)

CANTO 1°: NATAL DE MARIA (v. 1 - 554)

CANTO 2°: VIDA NO TEMPLO (v. 555 - 988)

LIVRO II  - ENCARNAÇÃO DO VERBO EM MARIA (v. 989 - 2066)

CANTO 3°: ANUNCIAÇÃO (v. 989 - 1548)

CANTO 4°: ENCARNAÇÃO VIRGINAL (v. 1549 - 2066)

LIVRO III - MANIFESTAÇÃO DE CRISTO POR MARIA (v. 2067 - 3288)

CANTO 5°: VISITAÇÃO (v. 2067 - 2444)

CANTO 6°: NATAL DE JESUS (v. 2445 - 3042)

CANTO 7°: PRIMEIROS DIAS (v. 3043 - 3288)

LIVRO IV  - INFÂNCIA DE JESUS COM MARIA (v. 3289 - 4366)

CANTO 8°: FUGA PARA O EGITO (v. 3289 - 3830)

CANTO 9°: VOLTA DO EGITO (v. 3831 - 4366)

LIVRO V   - PAIXÃO E GLÓRIA DE JESUS E MARIA (v. 4367 - 5744)

CANTO 10°: PAIXÃO E COMPAIXÃO (v. 4367 - 4714)

CANTO 11°: GLÓRIA DE JESUS (v. 4715 - 5118)

CANTO 12°: GLÓRIA DE MARIA (v. 5119 - 5744)

 

Na divisão apresentada pela edição de 1988, nota-se que lhe falta a indicação de 42 versos fixados no texto latino. São, com certeza, os 42 versos das PETITIONES PIAE AD VIRGINEM MARIAM PER ORDINEM ALPHABETI (piedosas petições à Virgem Maria pela ordem do alfabeto), versos 5735 a 5776, incluídos no Poema antes dos seus 10 versos finais que correspondem à DEDICATIO OPERIS (dedicatória da obra), versos 5777 a 5786.

 

BIBLIOGRAFIA

ANCHIETA, José de. O poema da Virgem. Trad. portuguesa em ritmos de Armando Cardoso, S.J. Rio de Janeiro: Edições Paulinas [1954].

ANCHIETA, José de. Poema da Bemaventurada Virgem Mãe de Deus - Maria. Texto latino - Versão - Introdução - Notas. Rio de Janeiro: Arquivo Nacional, 1940, 2 v.

ANCHIETA, José de. Poema da Bem-Aventurada Virgem Maria, Mãe de Deus. Obras Completas - 4° volume. São Paulo: Loyola/INL/MEC, 1988, Tomos 1 e 2.

ANCHIETA, José de. Poema Eucarísticos e outros (De Eucharistia et aliis poemata varia). São Paulo: Loyola, 1975.

CASTELLO, José Aderaldo. A literatura brasileira: manifestações literárias da era colonial (1500-1808/1836). 3.ed., 2.impr. São Paulo: Cultrix, 1969.


Qual a diferença entre censura e rascunho na poesia setecentista do brasil?

 

Carlos Eduardo Mendes de MORAES[68]

 

Resumo: A necessidade de compreensão dos conteúdos dos manuscritos exigiu que  empreendêssemos uma análise, no plano material, de alguns textos produzidos para as academias literárias do Brasil nos Setecentos. O resultado dessa análise levou-nos a abrir discussão sobre os valores atribuídos às rasuras ali encontradas, uma vez que nem sempre constituíam uma simples alteração do autor no conteúdo  do seu texto, no sentido que comumente chamamos rascunho, mas que, muitas vezes, tinham relação direta com a concepção de literatura para a academia, o que fatalmente criava uma modalidade de censura, pois tais intervenções eram feitas por terceiros.

           

Entre os conceitos de rascunho e censura, habitualmente, opõe-se uma distância bastante acentuada de interpretação. Um exame mais detido de comparação dos dois significados, porém, leva-nos a perceber uma certa interdependência dos termos. Numa situação mais específica, a prática da interpretação das rasuras encontradas nos poemas da Academia Brasílica dos Esquecidos estabeleceu uma relação de proximidade tal entre os dois significados, que se tornou necessária a descrição dessas rasuras para que as pudéssemos definir.

Os poemas que compuseram as 18 sessões da ABE, pela sua natureza de poesia de circunstância, apresentados, além de tudo, no palácio do Vice-Rei designado para o comando da Colônia do Brasil, são o objeto da análise realizada e, pelas condições de produção, tornam-se responsáveis diretos por essa discussão.

Se por rascunho podemos entender,

Minuta; esboço ou conjunto de anotações que servem de base para dar feição definitiva a qualquer texto  (FERREIRA,  p. 1429);

e por  censura, o  

Ato de censurar; cargo ou dignidade de censor; exame crítico de obras literárias ou artísticas, crítica; exame de qualquer texto de caráter artístico ou informativo, feito pelo censor, a fim de autorizar sua publicação ou divulgação; p. ext.  corporação incumbida do exame de obras submetidas à censura; condenação, reprovação crítica; repreensão; condenação eclesiástica de certas obras  (idem, p. 387);

 

entre elas podemos apreender uma distância de interpretação no tocante, simplesmente, à questão do estado do texto; pois que rascunho é uma preparação, parte do processo de composição, imanente à concepção do texto e, portanto, possui um sentido bastante pessoal e caro ao autor; ao passo que a censura segundo a definição se exerce sobre um resultado, isto é, um texto prestes a ser publicado, e, portanto, além do domínio do processo de concepção do texto.

Em outras palavras, são etapas sucessivas. Essa sucessão, habitualmente, respeita os critérios de individualidade do autor, e no entanto se confunde no material dos Esquecidos: o texto apresentado, antes da observação ou da sugestão, recebe uma emenda ou rasura, desautorizando a autoria e criando uma modalidade de intervenção que  torna o trabalho do censor em trabalho de co-autor.

Poderíamos, todavia, ver a questão da co-autoria como um trabalho que implica, primeiramente, co-participação na composição e, por outro lado, na divulgação dos nomes na hora da apresentação. Não ocorre assim com os Esquecidos. Se por um lado o autor permite deixar o seu texto ser “violado” pela censura, admitindo resignadamente que as rasuras e/ou emendas realizadas sejam incorporadas a ele, por outro lado, os “louros” do público são a ele, autor, direcionados e o pacto existente entre censor e autor torna-se um pacto entre autor e co-autor em que, pelo preço da resignação do autor ao modelo vigente, anula-se a figura do censor/co-autor.

E a obra se apresenta, ao público cortês, previsivelmente composta em conformidade com o modelo. Vejamos:

 

No poema de Luís Canelo de Noronha - Ao Mestre Luís de Siqueira da Gama, 

quadra 1, verso 1,

Gama aquelle a quem o Orbe e lama aclama

e no terceto 2, verso 1,

Por q se he ache [ela que intimo] cada qual Sumo portento,

 

O problema destas rasuras está no chamado decoro. O termo lama não parece figurar no catálogo dos termos aceitáveis entre os cultores da poesia de salão. Além do problema acima, este verso resultou mais fluente após a intervenção de José da Cunha Cardoso. O desenvolvimento que se dá entre Vasco da Gama e Luís de Siqueira da Gama implica, além disso, um fecho para o soneto em que a comparação necessita de um resultado: seja ele igual, melhor ou pior (considerando-se a poética seguida pelos Esquecidos, de igual para melhor). Assim, o início do terceto, proposto da forma anterior, isto é, personalizada na expressão íntimo portento, abre-se a essa possibilidade, todavia, com a retomada de ambos os Gamas: Porque se é cada qual...

 

Acadêmico Nubiloso (Caetano de  Brito e Figueiredo) - Ao Presidente José da Cunha Cardoso, na quadra 3, verso 4,

intenta eternizar os Elementos Luzimentos [69]

 

Ainda mais interessante é este caso. Em nome da forma final, observa-se que a intervenção de José da Cunha Cardoso em um poema dedicado a ele mesmo tem a preocupação com a coerência semântica do desenvolvimento dos versos. Apesar da relação tênue com a presença dos Elementos (água, terra, fogo, ar), a progressão do quarteto, sem dúvida fica mais coesa com a forma Luzimentos, pois ao lado das expressões LUZ, SOL e ORIENTE, está mais diretamente ligada ao desenvolvimento da idéia.

Sob a modalidade do rascunho, quase nada se encontra nesse conjunto de poemas, muito provavelmente porque os textos estivessem já apresentados na condição de prontos para a publicação, enquanto os textos do secretário, ainda em uma última instância, estivessem passando pelo processo de lapidação do autor/censor.

Nesse processo, vemos que as intervenções realizadas pelo secretário nos textos de sua autoria evidenciam a existência de um mentor, que nas composições de outrem exerce o papel de censor/co-autor/conivente, enquanto que nas suas composições exerce o papel de autor desvendando o processo de composição e, no conjunto, o papel de grande conhecedor do modelo. Por exemplo:

 

José da Cunha Cardoso - foi o segundo assunto a Excelentíssima Senhora Marquesa de Gouveia Dona Inácia Rosa, que deixando o mundo se recolheu em um convento, na quadra 2, verso 3,

 Mas agora sobir gosay a á magestade,

 

A intervenção torna o verso mais laudatório: gozar é desfrutar, portanto, uma situação menos louvável que subir,  ascender. Como o poema é um elogio fúnebre, cabe melhor a segunda forma.

 

José da Cunha Cardoso - foi o segundo assunto uma dama tomando o fresco no jardim quando viu o pôr do sol começou a chorar, na estrofe 4, verso 2,

Que he digno [p q dizer] sepulcro hÜ occeano,

 

A alteração proposta para este verso resulta na construção de uma imagem, tirando-o  do simples caráter explicativo. A morte do Sol merece um sepulcro da grandeza do Oceano, o que, aos olhos do observador, de fato, ocorre.

As rasuras efetuadas pelo secretário/censor, na sua maioria, pretendem conferir aos poemas maior rigor à forma final. Percebe-se, por exemplo, um grande número de alterações que visam tornar o verso mais fluente, ora por contas das inversões, ora por conta das inserções, substituições e/ou exclusões. Ainda dentro  do mesmo aspecto, percebe-se, a preocupação com a cesura do verso, cuja inversão de palavras (o fato de algumas vezes invertê-las para tornar um verso autenticamente alexandrino, p. ex.) possuem um sentido interno à estruturação do poema. Outra possibilidade de ocorrência de uma rasura relaciona-se com o uso do vocabulário adequado. Cunha Cardoso preocupa-se com a existência do pronome de tratamento adequado, com o uso de termos pertinentes - não rejeitados pelo decoro - de forma a tornar os poemas dos Esquecidos verdadeiros modelos da poética  de Aristóteles.

Ocorre também a emissão de juízo de valor dos poemas, por duas vezes: uma, pela existência de um poema acima da média, em que se encontra a observação he bonito, q Deus gde. outra, porém, por estar abaixo da média, com pesados versos truncados, extremamente laudatórios e fora dos padrões de contagem métrica, em que marginalmente o censor observa  não he capás. Tudo isso em nome de um público, antes de tudo, ouvinte.

Ao lado destes fatos, temos a atuação dos pesquisadores d’O movimento academicista no Brasil, que resolvem questões duvidosas ora assimilando-as, ora desprezando-as, auxiliando, assim, na tarefa de comentar as rasuras efetuadas nos manuscritos da ABE,.

Assim, o rascunho e a censura, expressos como constante atuação de José da Cunha Cardoso não constituem demérito no conjunto dos poemas. Primeiro, pelo fato de sua autoridade diante da hierarquia da corte permitir que ele fizesse bom uso dela em prol de um exercício de representação condigno das sessões de poesia do Paço Régio. Segundo, pelo fato de que, revestido dessa autoridade, o secretário estava coberto de outra modalidade de autoridade - o conhecimento do intuito da ABE, o conhecimento do público da ABE e o conhecimento e domínio da poética que orientava a agremiação.

Cabe, pois, observar que ao lermos os Esquecidos imaginando-os em plena preparação para a representação diante do público da corte[70], podemos vir a compreender que o trabalho de José da Cunha Cardoso não implica demérito, nem tampouco intromissão. Implica, antes, a execução do papel semelhante ao do diretor de teatro que repassa a cena antes do espetáculo, ou ainda ao papel do revisor, que dá o molde final à impressão e isso não fere, do ponto de vista de cada um dos acadêmicos (que recebem tais observações enquanto críticas construtivas),  os critérios de autoria das composições, posto que a forma final, uma vez “apresentada” ao público ouvinte, não questionava - por não ser questionável no contexto cortesão - cada uma das rasuras ocorridas, pelo fato de a forma final estar preservada. No texto, rascunho e censura são, pois,  componentes da obra para o público ouvinte, e dependendo da condição do autor, não se separam na sua compreensão: ao invés de constituírem as etapas de lapidação individual e posterior apreciação crítica, constituem, antes, as etapas de construção pura e simples, desconsiderando os critérios de individualidade do autor, tais como os conhecemos atualmente.

 

BIBLIOGRAFIA

 

CASTELLO, J. A. O movimento academicista no Brasil. 1647-1820/22. São Paulo: Secretaria de Estado da Cultura, Esportes e Turismo/ Conselho Estadual da Cultura, 1969-74. 3 vol. 14 tomos.

 

FERREIRA, A. B. H. Dicionário da língua portuguesa. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1980.


 CHARGE, CARTUM E CARICATURA COMO SUBSÍDIOS PARA A PRODUÇÃO DE TEXTOS DISSERTATIVOS

 

 

Edson Carlos ROMUALDO[71]

 

Resumo:  Esta comunicação tem por objetivo mostrar que a charge, o cartum e a caricatura podem ser usados como subsídios para a produção de textos dissertativos, combatendo duas "pragas" do ensino de português: os textos chatos e as redações tortura. Trata também de alguns cuidados que os professores devem tomar ao utilizar esses textos.

 

Ao tratar das "sete pragas do ensino de português", FARACO (1984) aponta duas que serão vistas mais de perto nesta comunicação: a segunda, "textos chatos", e a terceira, "redações tortura". De modo geral, essas duas pragas podem ser descritas como o uso de textos "intragáveis" com os quais os alunos têm contato na escola, e o problema encontrado por eles para fazer uma redação sem ter idéias.

Para combater essas pragas, alguns professores têm buscado oferecer aos alunos textos mais atrativos, para,  entre outros propósitos, auxiliá-los na tarefa de escrever.

O objetivo desta comunicação é mostrar alguns pontos positivos do uso da charge, do cartum e da caricatura no combate às duas pragas acima mencionadas. Procuramos também ressaltar alguns cuidados que o professor teve ter ao usar esses textos "defensivos".

Embora a charge, o cartum e a caricatura tenham características comuns - os três tipos de textos são visuais, humorísticos e opinativos - há diferenças entre eles que implicarão no uso e nos cuidados.

Compreendemos, neste trabalho, a charge como o texto visual humorístico que critica uma personagem, fato ou acontecimento político específico. Focaliza uma realidade específica, prendendo-se mais ao momento; tem, portanto, uma limitação temporal. Como cartum, entendemos todo desenho humorístico no qual o autor realiza a crítica social, a crítica de costumes. Focaliza uma realidade genérica e, por isso, desconhece os limites de tempo que a crítica a personagens, fatos e acontecimentos políticos impõe. A caricatura é compreendida como o desenho que exagera propositadamente as características marcantes de um indivíduo.

Visto que "fazer uma dissertação consiste em defender uma idéia" (GRANATIC, 1991), uma prática dos professores de redação tem sido oportunizar aos alunos o confronto com textos diversos que tratem do mesmo tema, mas que apresentem posicionamentos diferentes. Isto possibilita aos futuros dissertadores o contato com opiniões distintas, dando-lhes uma idéia geral sobre o assunto e fornecendo-lhes subsídios para formularem o posicionamento próprio que será defendido em seu texto. Geralmente usam-se textos jornalísticos, como notícias, artigos assinados, editoriais etc. Esses textos, no entanto, embora combatam a terceira praga, nem sempre combatem a segunda.

Na nossa opinião, a charge, o cartum e a caricatura podem agir contra as duas. Uma das vantagens desses  textos em relação aos demais é o fato de eles serem textos visuais. Enquanto imagens, são de rápida leitura, transmitindo múltiplas informações de forma condensada. Colocam, portanto, o aluno imediatamente diante de um posicionamento crítico, opinativo.

Além da rapidez de leitura, esses textos diferenciam-se dos demais gêneros opinativos por fazerem sua crítica usando constantemente o humor. Para Ziraldo Alves Pinto (1970: 31), o humor "é uma forma criativa de analisar criticamente, descobrir e revelar o homem e a vida". O uso de textos humorísticos na sala de aula é defendido por SPERA (1996: 49), que nos mostra como os textos humorísticos verbais levam o aluno a refletir sobre o mundo ou sobre a língua, e "são extremamente agradáveis de ler e, por isso mesmo, capazes de despertar no jovem leitor o prazer do texto".   

Não estamos propondo aqui que se deixem de lado os outros textos. Queremos apenas chamar a atenção para esses textos humorísticos visuais que não são usados com freqüência na sala de aula. O professor pode usar a charge, o cartum e a caricatura até mesmo para introduzir os outros textos que queira trabalhar. Como a compreensão do teor crítico e humorístico das charges e de alguns cartuns e caricaturas está associada a conhecimentos do contexto político-social, uma estratégia pedagógica seria a de o professor apresentar inicialmente uma charge ou cartum e ir desvendando, com o auxílio dos outros textos, o posicionamento do chargista e aquilo que leva ao riso. A charge e os outros textos entrarão na formação do repertório do aluno, ajudando-o a dissertar sobre o tema proposto. O uso de vários textos, a partir dos não verbais, pode se tornar uma estratégia do professor para incentivar o trabalho, a discussão oral como pré-requisito para a escrita.

Mas o professor que se propõe trabalhar com esses textos deve tomar alguns cuidados, para que eles não se tornem apenas uma atividade lúdica. Se for trabalhar com a charge, deve escolher uma atual, uma vez que este tipo de texto prende-se a um fato recente. O uso de charges antigas pode levar ao fracasso da estratégia, pois os alunos, devido às transformações do contexto político, não compreenderão o teor crítico e humorístico do texto. Com a caricatura, o mesmo acontece. É preciso trabalhar com caricaturas de personagens que pertençam ao repertório do aluno. Somente assim ele será capaz de compreender informações subjacentes que a deformação caricatural oferece. Com o cartum, já se tem a possibilidade de um afastamento maior em relação à atualidade. O cartum não precisa ser recente, pois, por não estar preso a um acontecimento específico, mas tratar de uma realidade genérica, não se desgasta tão rapidamente quanto as charges e caricaturas.

O professor também deve auxiliar os alunos na leitura do elemento não verbal. Atentar para as linhas, traços e pontos que compõem as figuras. Como esses textos são desenhados à mão, os desenhistas transmitirão suas intenções pelo trabalho com os elementos gráficos. A deformação caricatural, por exemplo, é elaborada pelo desenhista através do uso hiperbólico das linhas. O exagero com que o caricaturado é transformado não visa apenas a torná-lo ridículo, mas também a sublinhar os traços mais marcantes de sua personalidade, podendo tanto valorizar seus aspectos positivos, como ridicularizar os negativos. É papel do professor levar os alunos a entenderem que a caricatura nos faz ver além do simples referente, pois, pela deformação, traz informações subjacentes que nos levam a um julgamento de valor.

Outro ponto que deve ser notado pelo professor que deseja trabalhar esses tipos de texto com os alunos é a relação entre os elementos verbal e não verbal. Embora algumas charges e cartuns sejam constituídos apenas pelo código visual, esta não é uma característica constante desses textos. Eles podem apresentar também justaposição dos códigos verbal e visual, que se auxiliam, se completam ou até mesmo se contrapõem na busca da produção do sentido pretendido. O professor pode não só, como já dissemos anteriormente, auxiliar os alunos na leitura do elemento não verbal, mas também mostrar, se eles não conseguirem notar por si mesmos, se os códigos verbal e pictural convergem ou divergem. Alguns posicionamentos críticos de charges e cartuns são passados justamente pelo fato de no plano verbal ser colocada uma fala que não combina com o que é apresentado no plano visual. Também é papel do professor apontar como o elemento verbal aparece nos textos: a) dentro dos balões, para representar as falas das personagens, logo um discurso direto; b) nas legendas, para marcar o tempo cronológico das ações ou dos quadros, situar o leitor em um momento específico de um acontecimento ao qual aquela charge se refere, ou ainda para dar informações acessórias, de ordem diversa, que são utilizadas para a compreensão do teor crítico e humorístico; ou c) na representação dos ruídos (onomatopéias), que conferem a esses textos o caráter de mensagens audiovisuais, porque permitem uma comunicação mais densa, mais direta.  

O trabalho com a charge, o cartum e a caricatura traz, devido à própria natureza desses textos, a necessidade de se trabalhar a intertextualidade. O fenômeno intertextual é bastante rico nesses textos. Eis aqui mais uma tarefa para o professor: ressaltar as retomadas que esses textos fazem e como elas acontecem, isto é, se seguem a mesma orientação argumentativa do intertexto, ou se divergem da orientação primeira. Os chargistas e cartunistas fazem freqüentemente uso de outros textos - parodiando-os ou parafraseando-os - para passar sua crítica. Assim, podemos encontrar relações intertextuais com matérias de jornais, ou da mídia em geral, que focalizam um determinado assunto que é tratado nos cartuns e nas charges; com a simbologia criada em torno de certas datas especiais (como, por exemplo, o dia das mães, o dia dos namorados); com contos de fadas, cinema, teatro, música, fotografias conhecidas, provérbios, além de outras, que não poderíamos delimitar aqui, devido à sua amplitude. Essa riqueza de relações intertextuais da charge vem reforçar nossa idéia de que ela pode ser colocada como um texto primeiro que "puxará" os outros textos que o professor queira trabalhar.  

As categorias carnavalescas apontadas por BAKHTIN (1981) também estão presentes nas charges e contribuem para a formação do teor crítico desse texto. Embora possamos encontrar as outras categorias tratadas pelo autor russo - livre contato familiar entre os homens, a excentricidade, as mésalliances e a profanação - a mais constante e comum é a categoria do destronamento. Como o próprio nome diz, há um destronamento das personagens políticas. A seriedade idealizada e a autoridade conferida e essas personagens é quebrada na charge. Pela paródia das ações políticas, pela caricatura, pelo ridículo e pelo próprio riso, a charge destrona os poderosos e apresenta outras perspectivas para a leitura de suas ações, revelando aquilo que estava oculto. Sua argumentação crítica é passada, portanto, de forma indireta, através do humor.

Esta comunicação buscou apenas mostrar um dos trabalhos que o professor de língua portuguesa pode realizar com esses três tipos de textos que não são muito explorados na sala de aula. Em nenhum momento tivemos a pretensão de abarcar todas as possibilidades. Ressaltamos, porém, alguns cuidados que devemos ter ao trabalhar com esses textos, para que eles não sejam apresentados apenas como uma atividade lúdica, pois isso empobrecê-los-ia demais. Eles devem ser vistos como textos opinativos e críticos. É óbvio, no entanto, que por se tratar de textos humorísticos e visuais, são mais atrativos para nossos jovens alunos.

 

 

BIBLIOGRAFIA

 

BAKHTIN, M. Problemas da poética de DOSTOIÉVSKI. Trad. Paulo Bezerra. Rio de Janeiro: Forense-Universitária, 1981.

FARACO, C.A. As sete pragas do ensino de português. In: GERALDI, W. O texto na sala de aula. Leitura e produção. Cascavel: ASSOESTE, 1984.

GRANATIC, B. Técnicas básicas de redação. 6 ed. São Paulo: Scipione, 1991.

SPERA, J.M.S. O texto humorístico na sala de aula. (mimeo). 1996.

ROMUALDO, E.C. Intertextualidade e polifonia na charge jornalística. Um estudo de charges da Folha de S. Paulo. Dissertação (Mestrado em Letras). Assis: Faculdade de Ciências e Letras - Universidade Estadual Paulista, 1995.

 


O ENSINO DE REDAÇÃO NO CURSO DE COMUNICAÇÃO SOCIAL- HABILITAÇÃO EM PUBLICIDADE E PROPAGANDA

 

 

Lucilene dos Santos GONZALES[72]

 

Resumo: O presente trabalho relata uma metodologia de ensino de  Redação, no Curso de Comunicação Social - Publicidade e Propaganda. Numa perspectiva construtivista, em que o aluno é estimulado à descoberta, à pesquisa,  ao estímulo do raciocínio e da criatividade, busca-se sempre o ato de redigir partindo primeiramente de um trabalho de análise para, em seguida, se realizar a produção de frases, períodos, parágrafos e textos. A motivação para o ensino de Língua Portuguesa nesse curso consiste em estudar os  conceitos lingüísticos, relevantes para o curso, em textos publicitários.  Têm servido de suporte teórico, para a análise e a produção textual,  teorias lingüísticas como a semiótica greimasiana, a sociolingüística, a lingüística textual, a gramática, os  manuais de redação...    

 

 

Esta experiência de ensino de Redação no Curso de Comunicação Social com Habilitação em Publicidade e Propaganda tem sido desenvolvida no Instituto de Ensino Municipal de Ensino Superior de Assis, mantido pela FEMA - Fundação Educacional do Município de Assis. Esse curso foi implantado em agosto de l996. A disciplina ministrada denomina-se Redação e Expressão Oral, com uma carga horária semanal de 4 horas-aula, no primeiro ano, e 2 horas-aula no segundo ano. Trata-se, portanto, de uma disciplina extremamente importante para a formação profissional dos alunos, pois a linguagem verbal será uma das suas principais matérias-primas.

Nossa  vivência no ensino superior[73] tem nos mostrado que os alunos do 1º ano de faculdade - não só deste Instituto, mas também de outros-,  geralmente recém saídos do colegial, têm problemas quanto à   redação e à   interpretação de  textos.

Cientes, então, do perfil do aluno com que iríamos  iniciar  o processo de  ensino-aprendizagem  da língua portuguesa - mais especificamente do ensino de redação-,  refletimos sobre a seguinte questão, antes de definir o conteúdo programático do curso:  para que ensinar língua portuguesa no Curso de Comunicação Social - Publicidade e Propaganda?  Norteados por essa questão, procuramos montar o programa objetivando  desenvolver nos alunos a capacidade de interpretrar textos e redigi-los com eficiência, criatividade e correção gramatical, adequando-os às mais diferentes situações  de sua profissão- comunicador social.

Para alcançar essa meta, passamos a mais duas questões relacionadas às já feitas anteriormente:  o que e como  ensinar língua portuguesa nesse curso? Quanto à primeira pergunta - o que ensinar - decidimos que teria de fazer parte do conteúdo programático desse curso:

1) as técnicas de redação[74], cujo método consiste em partir de estruturas mais simples do texto - frase,   período,  parágrafo  e   texto -  até chegar a ele como um todo;

2) Paralelamente a essas técnicas, tem sido feito um trabalho de correção gramatical dos textos, o qual busca a adequação desses às normas dos meios de comunicação de massa[75];

3) Além das técnicas de redação e da correção gramatical, nos subsidiamos de várias  teorias lingüísticas  como a semiótica de Greimas, a sociolingüística, a lingüística textual... as quais consideramos de fundamental importância para a composição do programa do curso, por conterem importantes conceitos que se fazem presentes na construção das mensagens  publicitárias. Fazem parte do programa conteúdos como, por exemplo: a polissemia, a denotação/conotação (figuras de linguagem), as funções da linguagem, a intertextualidade, a distinção entre norma popular e norma culta, a relação significante/significado, a recriação de clichês...

A segunda pergunta - como ensinar - tem tido resposta no trabalho que se fundamenta no binômio  análise/produção, desenvolvido em sala de aula. Nessa metodologia de ensino, existem duas fases: na primeira, o aluno pesquisa  os conteúdos estudados na aula  em textos prontos, reais, realizando dessa forma uma análise do texto; na segunda fase, com base no material pesquisado e já tendo reconhecido o conceito teórico estudado, o aluno passa a   produzir  o conteúdo estudado, que pode ser frases, períodos, parágrafos, textos.

Optamos por esse método de ensino por acreditarmos que a análise  resultante da pesquisa leva a um maior entendimento do conceito em questão e, conseqüentemente, melhora significativamente a produção textual. Também temos observado que o binômio análise/produção  desenvolve o raciocínio, a criatividade, a originalidade, tão essenciais aos  publicitários na composição das propagandas e publicidades.

Nessa metodologia de ensino de língua portuguesa ainda houve a preocupação com a motivação dos alunos quanto a essa disciplina. Embora  ela seja de fundamental importância para a boa formação do profissional,  a maioria dos alunos costuma questionar a utilização dos conceitos constantes do programa do curso na sua atividade profissional. Para despertar o interesse desses futuros publicitários  e certificá-los do uso real que irão fazer dos conceitos estudados,  tanto para o exercício de interpretação quanto para o de produção textual, decidimos buscar os conteúdos estudados em textos publicitários, ou seja, em textos específicos da área. Temos trabalhado, portanto, com textos de publicidade e propaganda, em usos efetivos da língua, ou seja, em textos reais, acabados. Esses textos, que são utilizados para o trabalho de interpretação ou análise, servem de suporte à produção textual.

A análise desses textos  não tem limitado a criatividade dos alunos na produção, mas nela tem surtido efeitos surpreendentes. Temos percebido, na primeira turma e, agora, na segunda também, que os alunos demonstram a assimilação do conteúdo estudado nas pesquisas que realizam em textos publicitários e na  produção escrita,  que tem resultado em  textos eficazes e originais. A análise, portanto,  tem desenvolvido  o raciocínio e a percepção sobre o conceito estudado num texto real. Disso  tem decorrido uma  produção escrita mais bem elaborada.

A avaliação  nesse curso também tem fugido à regra geral. Esta não tem sido encarada como um fator de medida dos conhecimentos dos alunos, num dado momento, marcado pelo professor.  Adotamos como primeiro recurso de avaliação a própria reação dos colegas, enquanto consumidores, quanto à recepção da mensagem. Na fase da análise, os textos analisados e pesquisados fora da sala de aula são trazidos e expostos com a sua devida interpretação teórica e prática. Esse exercício já leva toda a classe a pensar sobre o conceito teórico em questão, pois, tanto na pesquisa quanto na  exposição, os alunos checam a aplicação da teoria à realidade do texto. Na fase da produção, as mensagens escritas ora são colocadas na lousa, ora são lidas pelos alunos aos colegas. A  clareza da mensagem, a coerência das idéias, a criatividade são alguns dos critérios que estão em jogo na avaliação da produção do texto do aluno, a qual é feita pelo colega de classe que está recebendo aquela mensagem. Esse tipo de avaliação tem sido muita produtiva, porque são os próprios  alunos que apontam os defeitos e qualidades dos  seus textos  e dos colegas.

Temos abolido as provas - no seu sentido mais tradicional - para avaliar o rendimento dos alunos nesse curso de Comunicação Social.  Sugerimos como forma de avaliação a confecção de uma pasta para a disciplina de Redação e Expressão Oral. Nessa pasta, os alunos arquivam  seus trabalhos de análise e produção textual. Por exemplo: numa pesquisa a respeito de Frases Nominais, constará nessa pasta: a) um texto publicitário pesquisado pelo aluno em revistas, jornais, cartazes...composto por  frase  nominal ou frases nominais, com a sua respectiva análise, por escrito; b) em seguida, um outro texto publicitário - distribuído pelo professor - que serve de base para a produção escrita, no caso,  frases nominais produzidas pelo próprio aluno para o produto nele propagado. Essa pasta é elaborada em casa conforme a criatividade de cada aluno, ou seja, é uma atividade feita paralelamente às atividades desenvolvidas em sala de aula. Nessa pasta  estão contidos, portanto, exercícios de análise e produção  de todos os conteúdos estudados em sala de aula. Ao final do bimestre, recolhemos essa pasta e avaliamos, a partir da sua composição, o entendimento do aluno a respeito dos assuntos estudados. Convém ressaltar que nessa avaliação é feita uma correção gramatical dos textos - acentuação, crase, concordância nominal e verbal, regência, verbos....-, os quais deverão ser refeitos pelos alunos, se apresentarem problemas, e recorrigidos numa avaliação  posterior.   

A seguir daremos um exemplo da nossa metodologia, explicando os passos de uma aula sobre Frase, oração, período.

 

 

Aula sobre: Frase, oração, período.

 

1. Nessa aula,  expomos  conceitos teóricos sobre frase, oração e período[76]. Para exemplificar esses três conceitos, utilizamos três textos publicitários que utilizam frases de “sentido completo”, frases nominais e frases de situação, sendo esses dois últimos tipos  os mais empregados na mensagem publicitária;

2. Definimos, a partir dos textos em exame, frase nominal, frase de situação e frase de “sentido completo”; 

3. Propomos um exercício de classificação de tipos de frases - nominais, de situação e de “sentido completo”- em outros três textos publicitários. Nessa classificação, os alunos constatam estatisticamente que as frases mais utilizadas na propaganda e publicidade são as nominais e as de situação. Nesse exercício,  questionamos o aluno sobre o porquê do grande emprego desses tipos de frase em textos publicitários;

4. Após esse exercício realizado em sala de aula, solicitamos uma pesquisa extra-classe. Os alunos devem trazer textos publicitários, embalagens de produtos...que contenham frases nominais. Essa pesquisa é relatada oralmente à classe, mostrando a devida interpretação do texto. O texto recolhido e sua respectiva análise ficam arquivados numa pasta, confeccionada pelo aluno, em casa.

5. Em seguida a esse exercício de análise, entregamos um texto publicitário- retirado de uma revista ou jornal -  aos alunos e pedimos que eles produzam frases nominais para o produto propagado. Esse texto publicitário e as frases nominais produzidas pelo alunos também compõem a pasta já citada acima.

 

 

BIBLIOGRAFIA

 

FIORIN, José Luiz, SAVIOLI, Francisco Platão. Para entender o texto: leitura e redação. São Paulo: Ática, 1990.

GARCIA, O. M. Comunicação em prosa moderna. 13 ed. Rio de   Janeiro:   Fundação Getúlio Vargas, 1986.

PEREIRA,  Rony Farto. Contribuição para o estudo de problemas de redação.Tese de Doutoramento. Assis: Faculdade de Ciências e Letras de Assis - Universidade Estadual Paulista, 1990.

PROPOSTA curricular para o ensino de língua portuguesa: 1º grau. 4 ed. São Paulo: SE/CENP, 1992.

PROPOSTA curricular para o ensino de língua portuguesa: 2º grau. 4 ed. São Paulo: SE/CENP, 1992.

SUBSÍDIOS à proposta curricular  de língua portuguesa para o 1º e 2º graus; coletânea de textos. São Paulo: SE/CENP, 1988.

LÍNGUA PORTUGUESA: o currículo e a comprrensão da realidade. São Paulo: SE/CENP, 1991(Projeto Ipê).

 

 


A VARIÁVEL ESCOLARIDADE INFLUI NO TIPO DE MARCAÇÃO DE PLURAL REALIZADA NO SINTAGMA NOMINAL?

 

Gisele Domingos do MAR[77]

 

Resumo: É crença geral que, com o aumento de escolaridade, os alunos tendem a realizar, com maior freqüência, a marcação de plural preconizada pela norma padrão. Em nossa pesquisa, constatamos que esta variável não é fator fundamental para a produção da marca de plural em textos orais. Dois outros fatores parecem ter maior influência: o nível sócio-econômico e a posição dos constituintes no sintagma nominal.

 

 

0 - INTRODUÇÃO

A Sociolingüística, ciência que estuda a relação entre língua e sociedade, tem por objetivo estudar, sem preconceito, a covariação entre um fator lingüístico determinado e um extra-lingüístico.

A finalidade de nossa pesquisa foi verificar se, de fato, com o aumento de escolaridade, o estudante passa a realizar a marca <S> de plural em todos os constituintes do sintagma nominal[78] como preconiza a gramática normativa.

O resultado da pesquisa que ora apresentamos demonstra que dois outros fatores também foram significativos: o nível sócio-econômico (fator extra-lingüístico) e a posição da marca de plural no SN (fator lingüístico).

    

1. METODOLOGIA EMPREGADA

No Português falado a variável lingüística “marcação de plural no SN” pode ocorrer de duas diferentes maneiras. A primeira, única aceita pela gramática normativa, é a presença da variante [S] em todos os constituintes do SN. Outra, a presença de [S] apenas na primeira posição do SN, com conseqüente apagamento da marca de plural nas demais posições. Vejamos as possibilidades de ocorrências nos seguintes exemplos:

 

        DETERMINANTE        +                NOME                  +        MODIFICADOR

a S

criança S

pequena  S

a S

criança S

pequena Ø

a S

criança Ø

pequena Ø

 

O estudo do tipo de marcação de plural no SN foi realizado com base numa análise contrastiva entre as séries finais do primeiro e segundo graus, dos períodos diurno e noturno. Utilizamos, para tanto, como “corpus” de nosso estudo, gravações de relatos pessoais de alunos de oitava série e de terceiro colegial de uma escola pública central da cidade de Assis. Optamos por trabalhar com quatro células correspondentes a cada uma das séries analisadas em cada período. Tivemos cinco informantes para cada célula, num total de vinte informantes que foram escolhidos aleatoriamente, a fim de que o resultado fosse fiel à realidade escolar e não refletisse apenas o desempenho daqueles considerados bons alunos pelo professor de Português.

 

2. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

A Sociolingüística procura explicar a covariação sistemática entre os fenômenos lingüísticos e os sociais, para observar a existência ou não de relação causal entre eles.

Tal preocupação é justificada porque, por meio da língua, podemos informar, mesmo que inconscientemente, nossa idade, grau de escolaridade, profissão, nível social, etc.

Não é, entretanto, objetivo desta ciência a justificativa científica de quaisquer preconceitos. Não se deve esperar, portanto, a prescrição da norma “certa”, mas apenas a análise do valor social adquirido pelas variantes em determinada comunidade. Este valor pode ser medido, porém, pelo fato de elas serem ensinadas na escola, local, por excelência, de divulgação do ideal lingüístico de um Estado. Nosso trabalho procurou analisar em que medida este ideal é atingido ao final do ensino médio.

Camacho (1984) apresenta um estudo sobre as premissas para uma abordagem social da linguagem; importante para entender como a relação língua e sociedade afeta o processo educativo. Podemos dividir as premissas em:

a - “Todas as línguas fornecem a seus usuários meios adequados para a conceitualização e a expressão de proposições lógicas;

b - Todas as línguas e dialetos são devidamente adequados a todos os membros do grupo social a que servem de comunicação;

c - A língua tem uma natureza altamente estruturada e sistemática;

d - O grau de desenvolvimento da capacidade lingüística é o mesmo para todas as crianças não mentalmente retardadas, independentemente do tipo de agrupamento social a que pertencem.”

A aceitação destas premissas por parte do professor de Português, e dos educadores em geral, tem como conseqüência uma atitude de respeito e compreensão pelo valor comunicativo de todas as variantes lingüísticas. Nesta perspectiva, é possível levar o educando ao domínio da variante culta entendida, sob este ponto de vista, não como a variante que o aluno deve adotar como certa, mas como uma variedade que se deve usar em determinados contextos.

A partir desta noção de Sociolingüística, a escola passará a trabalhar com noções de “adequado” e “inadequado” e não mais de “certo” e “errado”, pois “saber mudar de um dialeto para outro segundo a ocasião o exija, essa é a meta do educando. O papel do educador é o de tomar consciência das regras tácitas do jogo e transmiti-las ao educando.” (Lemle, 1978, p.62).

Podemos afirmar, por fim, que há hábitos comuns a todas as classes sociais. O uso do termo variante culta deixa implícito que existe um padrão comum. No caso do objeto de nossa pesquisa, isto fica claro: há em Português uma oposição singular / plural presente em todas as variantes. O que muda, porém, é a maneira de marcar esta oposição, ou seja, mais redundante na variante culta; menos na popular. É função da escola mostrar que, em ambos os casos, embora o valor lingüístico seja o mesmo, cada forma deve ser usada em contexto específico.

 

3. A ANÁLISE DO CORPUS

Como nosso objetivo foi observar em que medida o aumento de escolaridade pode afetar a produção da marca do plural, fizemos a análise por período - noturno e diurno - e, em seguida, uma oposição entre as séries finais do 1º e 2º graus - oitava série e terceiro  colegial -. Vejamos a tabela abaixo, montada a partir da tabulação dos dados levantados por nós.

 

REALIZAÇÃO ABSOLUTA E RELATIVA DA MARCA Ø

 

NOTURNO

DIURNO

OITAVA

3º COLEGIAL

OITAVA

3º COLEGIAL

PRODUÇÃO

APAGAMENTO

PRODUÇÃO

APAGAMENTO

PRODUÇÃO

APAGAMENTO

PRODUÇÃO

APAGAMENTO

11

08

34

18

21

11

18

06

 

73%

 

53%

 

52%

 

33%

 

Foi possível verificar, em relação ao período diurno, que o aumento de escolaridade corresponde a uma diminuição do grau de pagamento da marca de plural no SN. De fato, vimos a produção da marca de plural subir de 48% na oitava série para 67% no terceiro colegial, aumento, portanto, de 40%.

A diminuição do apagamento também ocorrerá entre os alunos do período noturno: 73% das ocorrências produzidas pela oitava série apresentam apagamento da marca <S>. Há um aumento de marcação de plural no 3º colegial que passa a realizar <S> em 47% das produções, aumento de 74%, portanto.

A oposição entre os números produzidos nas duas oitavas séries e entre os produzidos no 3º colegial faz com que observemos uma diferença muito grande na qualidade de produção da norma culta. O aluno da oitava série do período diurno, por exemplo, realiza 52% de apagamento, ao passo que o aluno da mesma série do período noturno produz 73% da mesma ocorrência. Por outras palavras, o aluno do noturno comete 40% a mais de erros em relação ao uso da linguagem padrão. Não há, entretanto, diferença de currículo que possa justificar tal diferença de performance, após o mesmo tempo de escolarização. Devemos, pois, buscar a razão destes desempenhos distintos em outro componente: o nível sócio-econômico, refletido de forma mais clara na renda familiar.

 

 

 

PRODUÇÃO DE MARCA

 

 

ABAIXO DE 10 SAL. MÍNIMOS

DE 10 SAL. MÍNIMOS EM DIANTE

 

76%

34%

83%

33%

77%

30%

 

Note-se que tanto no desempenho total do grupo, quanto no desempenho por série, a presença da marca [Ø] é muito superior no primeiro grupo, abaixo de dez salários-mínimos.

Podemos supor com Camacho (1984) que tal fato se dê como uma forma de resistência inconsciente à imposição de uma norma que é de outro grupo social, já que o aumento de escolaridade não parece capaz de fazer o aluno com renda inferior a dez salários-mínimos utilizar sempre a forma de prestígio, ou seja, a marca <S> característica de plural. Outro fator explicativo pode estar na falta de perspectiva de ascensão social que a escola oferece.

Ao analisarmos a influência que a posição dos constituintes no SN pode exercer em relação ao tipo de marcação de plural, verificamos os três ambientes em que podem ocorrer a marcação de plural presentes nas entrevistas:

a - Determinante + nome

b - Determinante + nome + modificador

c - Pré-determinante + pós determinantes + nome

Em todos os casos, apenas a primeira posição apresenta a marca de plural, devido ao fato de esta ser a única posição que tanto a gramática popular quanto a normativa consideram relevante. Vejamos como exemplo o quadro abaixo:

 

 

PRODUÇÃO DE MARCA Ø

 

DETERMINANTE + NOME

ABAIXO 10 SAL. MÍNIMOS

DE 10 SAL. MÍNIMOS EM DIANTE

 

75%

36%

 

As formas com apagamento nas três posições são, como foi observado no decorrer da análise do “corpus”, mais freqüentes nas classes de baixa renda, estabelecendo, portanto, uma ligação entre um fator lingüístico e um extra-lingüístico. A língua servindo como retrato da estratificação social existente na sociedade e na escola: miniatura da sociedade que se quer reproduzir.

 

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Observou-se em nossa pesquisa que os dois fatores mais importantes para a realização do apagamento da marca de plural foram a posição no SN e o nível sócio-econômico dos falantes.

A posição no SN foi relevante para a produção de apagamento nos dois grupos de renda analisados.  A comparação, entretanto, entre elementos com o mesmo nível de escolaridade e renda familiar diferente mostra que aqueles de menor salário produzem percentualmente mais apagamentos.

É função da escola eliminar esta diferença lingüística por meio da aplicação de exercícios gramaticais significativos, nos quais as variantes lingüísticas estejam em contraste. Desta forma, o aluno aprenderá, em uso real, a gramática que rege cada tipo de texto e situação.

 

BIBLIOGRAFIA

CAMACHO, R. Conflito entre norma e divindade dialetal no ensino da língua portuguesa. Tese de Doutorado. Araraquara: UNESP, 1984.

__________. O sistema escolar e o ensino  da  língua  portuguesa. Alfa, São Paulo, 1985, v. 29, p. 1-7.

GNERRE, M. Linguagem, poder e  discriminação. In: Linguagem, escrita  e poder. São Paulo: Martins Fontes, 1985, p. 3-24.

LEMLE, M. Heterogeneidade dialetal: um apelo à pesquisa. Tempo Brasileiro, Rio de Janeiro, 1978, v. 53-54, p. 60-94.

TARALLO, F. A pesquisa Sociolingüística. São Paulo: Ática, 1985.


AUTO-CORREÇÕES ou AUTO-REPETIÇÕES?

 

Claudia Mendes CAMPOS[79]

 

Resumo: O presente trabalho visa a discutir a diferenciação entre auto-correções e auto-repetições e a mostrar que, do ponto de vista conceitual, estes são dois fenômenos distintos.  Ambos são constituídos pela repetição do enunciado anterior com algum tipo de modificação. O que os diferencia entre si é que o  fenômeno lingüístico das auto-correções implica, na sua conceituação, a noção de formação da consciência metalingüística. O uso da linguagem é tomado como representativo do conhecimento sobre ela e as auto-correções são consideradas como produto de controle e consciência. Já as auto-repetições estão inseridas dentro de uma concepção de linguagem que não implica sua transparência.  Deste ponto de vista, o sujeito da linguagem não tem papel monitorador, não controla a linguagem nem tem consciência sobre ela.

 

Introdução                

As auto-correções na fala de crianças são um fenômeno lingüístico que tem sido estudado por diversos autores na área de aquisição da linguagem. Auto-repetições, no entanto, são um fenômeno menos discutido na literatura. O que os diferencia entre si é basicamente a questão de que aquelas, ao contrário destas, implicam, segundo os autores que se dedicam a este tema, a noção de formação de consciência metalingüística. Com a finalidade de diferenciar esses dois fenômenos lingüísticos e optar por um deles - as auto-repetições -, será desenvolvido um contraponto entre eles, na tentativa de defini-los e compará-los. A nossa opção apóia-se no fato de que nosso objeto de estudo é a fala inicial e, na medida em que duvidamos da presença de consciência metalingüística pelo menos nessa fase inicial da aquisição da linguagem, seria incoerente trabalharmos com fenômenos cujas definições impliquem tal noção.

Para atestar a escolha realizada, analisamos - em outro trabalho[80] - o comportamento da entonação nas auto-repetições de uma criança em fala inicial. Pudemos comprovar que há sempre alguma mudança em pelo menos um dos parâmetros prosódicos componentes da estrutura da entonação. No entanto, tais mudanças não se mostraram aleatórias - a fala inicial não é rigidamente indeterminada, parece haver uma espécie de regulamentação em tal indeterminação, pelo menos no que diz respeito à entonação, conforme a análise dos dados deixou ver. Tal análise levou à confirmação, no escopo daquele trabalho, das hipóteses da não-reprodutividade e da não-aleatoriedade das auto-repetições na fala inicial.

 

1. A consciência metalingüística nas “auto-correções”

O fenômeno das auto-correções na fala de crianças tem sido objeto de interesse de diversos autores na Área de Aquisição da Linguagem (Clark,1978; Yavas, 1988; Hakes, 1982; Käsermann & Foppa,1981; Karmiloff-Smith,1986; entre outros). Cada um desses autores entende diferentemente o fenômeno em questão. Para Clark e Käsermann & Foppa, o uso da linguagem se constrói conjuntamente com o seu conhecimento: as auto-correções representam o uso da linguagem, na medida em que ocorrem para possibilitar a comunicação; e também refletem o conhecimento sobre a linguagem, na medida em que, segundo eles, é o controle sobre ela, a consciência de alguns dos seus aspectos, que possibilita a ocorrência de auto-correções.

Outros autores se preocuparam menos com a questão da comunicação, colocando em jogo a questão da consciência metalingüística. Yavas (1988),  por exemplo, entende auto-correção enquanto modificação do enunciado anterior, assim como os outros autores citados; no entanto, ela não atribui a tal fenômeno nem uma função puramente comunicativa nem um estatuto de “verdadeira” atividade metalingüística, fruto de controle e consciência sobre a linguagem. Ela estabelece uma linha de continuidade cujos pólos seriam: o  processamento lingüístico  responsável  pelas  atividades  metalingüísticas (controlado e deliberado);  e  o  processamento  lingüístico responsável pela comunicação -  produção  e  compreensão - (automático e não-deliberado). As auto-correções  espontâneas estariam situadas em um ponto intermediário entre estes dois extremos: elas envolveriam “um certo grau  de  controle  e deliberação”, mas não seriam nem atividade metalingüística nem apenas comunicação.

Através  da  análise  de  auto-correções  e  de  enunciados metalingüísticos provenientes de um experimento com crianças de 4 a 12 anos, Karmiloff-Smith  (1986) estuda o mapeamento entre marcas lingüísticas e contexto extra-lingüístico. Da comparação entre os resultados obtidos  para  as  auto-correções  e  para  os  enunciados metalingüísticos, ela conclui que as auto-correções representam um momento anterior ao acesso à consciência lingüística. Ela chega inclusive a dizer que nem mesmo o conhecimento metalingüístico da criança corresponde ao acesso à consciência - ele apenas reflete uma mudança representacional interna, de forma coerente com o modelo explicativo do processo de aquisição da linguagem que a autora apresenta em seu texto.

 

2. Epilinguagem

As auto-correções têm sido também relacionadas  com processos epilingüísticos. A consciência metalingüística  não desempenha qualquer papel no interior deles; pelo contrário, eles são definidos em contraposição às atividades metalingüísticas.

Coudry (1988), baseando-se no conceito proposto por Culioli, porém analisando dados da fala de sujeitos afásicos, entende que a metalinguagem é tomar a linguagem como objeto de reflexão, através de um distanciamento entre sujeito e linguagem; já a epilinguagem diz respeito ao “uso efetivo” da linguagem, ela é a atividade do sujeito sobre a linguagem, de dentro dela.

Os  processos  epilingüísticos  podem  também  ser interpretados como monitoramento da fala por parte do sujeito, em uma abordagem da teoria de aprendizagem, defendida por Levelt (1983). Monitoramento, segundo o autor, significa ter acesso a propriedades estruturais da própria fala. Em outras palavras, monitorar quer dizer comparar o enunciado dito com a intenção inicial e com os critérios ou padrões de produção - monitorar é ter controle sobre a própria fala. Esse controle, no entanto, não se dá sobre a atividade de produção da fala. Para Levelt, o falante analisa o seu output da mesma forma que o faz com o output de um outro falante - ele não tem acesso aos componentes de produção da sua fala, ele ouve a si mesmo como ouve o outro; é a partir da percepção que ele pode detectar problemas na sua fala.

 

3. Auto-repetições   

Nenhuma das definições de auto-correção  entre  as encontradas mostrou-se satisfatória para o entendimento desse fenômeno do ponto de vista adotado nesta pesquisa. Atribuir uma “intenção comunicativa” ao falante na produção das auto-correções, além de atribuir relevância à sua consciência metalingüística, significa considerar que a criança tem um domínio e controle sobre a linguagem que não têm como serem garantidos nem confirmados. Significa também considerar que o uso e o conhecimento da linguagem se constroem ao mesmo tempo na criança, ou seja, as auto-correções corresponderiam ao uso da linguagem (isto é,  elas  ocorreriam  para  possibilitar  a comunicação) e também ao seu conhecimento (isto é, seriam fruto da consciência metalingüística da criança, da sua percepção da necessidade de  modificar  o  enunciado).

Tratando-se de consciência metalingüística, a questão é igualmente complicada e delicada, pois não há evidência nos dados da existência de um sujeito uno e consciente, possuidor de controle sobre a linguagem e capaz de optar por modificar formas de dizer, corrigindo-as. Tampouco há evidências de transparência na linguagem do outro, fenômeno que seria constitutivo da construção da consciência.

Trabalhar com a noção de epilinguagem também não é um procedimento satisfatório, do ponto de vista por nós defendido, pois a sua definição implica trabalhar com níveis de consciência na medida em que ela depende da definição  da  noção  de metalinguagem. Assim, se descartamos conceitualmente a noção de consciência metalingüística, descartamos igualmente a noção de atividade  epilingüística  e,  com  ela,  as  auto-correções consideradas como parte de tais atividades. O  controle  do conhecimento lingüístico que as linhas adeptas da epilinguagem atribuem ao falante - sobretudo àquele ainda em processo de aquisição da linguagem - impede de trabalhar com as auto-correções entendidas como parte das atividades epilingüísticas.

O nosso objeto de estudo constitui um fenômeno diferente daquele discutido até aqui e seria melhor nomeado de auto-repetição.

Dentre  os  autores  que  estudam  as  chamadas auto-correções, apenas Levelt (op.cit.) apresenta uma distinção entre as auto-correções e as repetições. Porém, todos eles definem as auto-correções através da presença de modificação dentro delas; em contraposição, as repetições seriam aquelas onde não há modificação.

Levelt (op.cit.) chama de “covert repair” aquilo que seriam as repetições. Ele divide o  processamento  das auto-correções em três partes: a) o enunciado original, que vai até o momento em que há interrupção do fluxo de fala causada pela detecção de erro (que é possível devido ao monitoramento); b) a fase de edição, que corresponde ao período de hesitação; e c) a correção propriamente dita que se inicia logo após a hesitação e vai até a próxima fronteira de sentença. O autor ressalta que usa o termo “repair” (correção) apesar dele induzir ao pensamento de que há sempre um erro para ser corrigido, o que não ocorre de fato. Há casos em que não há nada errado, há outros em que a própria “correção” não está correta. Há ainda casos em que, segundo Levelt, não há qualquer alteração com relação ao enunciado original, podendo ou não haver a fase de hesitação, mas havendo repetição de uma de suas partes - é o que ele chama de “covert repair” e que corresponderia às repetições. Ele aponta a presença de “covert repairs” entre os seus dados, embora afirme que usualmente há alteração do enunciado original.

Repetição não é um fenômeno entendido aqui de forma semelhante à exposta acima. No contexto deste trabalho, ela não é definida em contraposição às auto-correções de forma que se pudesse dizer que há modificação nas auto-correções e não há nas repetições. Essa diferenciação é estabelecida aqui através da terminologia auto-repetição vs. reprodução. Reprodução designa um fenômeno no qual o enunciado posterior reproduz exatamente a forma lingüística do enunciado anterior; auto-repetição refere-se ao fenômeno no qual a criança repete o seu enunciado anterior fazendo sempre algum tipo de modificação, por mais sutil que ela seja. A distinção entre auto-repetição e reprodução é necessária apenas por motivos metodológicos, para diferenciar entre dois fenômenos procurados e observados no corpus da pesquisa, pois “reprodução” indica um fenômeno que não foi encontrado no corpus analisado. Em alguns dos dados parece inquestionável que se trata de reprodução, no entanto, uma análise mais detalhada e aprofundada mostrou que havia sempre algum tipo de modificação. O estudo desenvolvido forneceu fortes argumentos para a hipótese de que não há repetição sem modificação do enunciado anterior, ou seja, não há reprodução. O fenômeno que pôde ser observado no corpus foi  o da auto-repetição - não o da auto-correção nem o da reprodução.

Embora não tenhamos  encontrado  nenhuma  definição satisfatória para as chamadas auto-correções, é importante lembrar que “auto-repetição” não é apenas uma nova nomenclatura por nós considerada mais adequada para referir a um fenômeno que outros chamaram de “auto-correção”, e assim tentar defini-lo. Trata-se basicamente de dois fenômenos diferentes entre si que possuem, portanto, nomenclaturas diferentes. A opção pelas auto-repetições em detrimento das auto-correções deve-se ao fato de que aquelas implicam uma neutralidade em relação ao sujeito consciente e monitorador da linguagem. Uma vez que dentro da conceituação de auto-repetições a linguagem não é transparente, concluímos que o seu sujeito não tem papel monitorador, isto é, ele não tem controle nem consciência sobre a linguagem.      

 

BIBLIOGRAFIA

CLARK, E. Awareness of language: some  evidence from what children say and do. In: Sinclair, A.; R.J.Jarvella & W.J.M.Levelt  (orgs.) The  Children's  Conception  of  Language. Berlim: Springer-Verlag, 1978.

COUDRY, M.I. Diário de Narciso.  São  Paulo: Ed. Martins Fontes, 1988.

DE LEMOS, C. T. G. Interactional  processes and child's construction of the language. In: Deutsch, W. (org.) The Child's Construction of the Language. Londres:  Academic  Press, 1981.

HAKES. The development of metalinguistic abilities: what develops? In: KUCZAJ II, S.A. (ed.) Language Aquisition: language,  cognition  and  culture. Hillsdale: N.J.: Erlbaum, 1982.

KARMILOFF-SMITH, A. From metaprocesses to conscious access: Evidence from children's  metalinguistic and repair data.  Cognition, volume 23, 1986.

KÄSERMANN & FOPPA. Some determinants of self-correction: an interactional study of swiss-german. In: Deutsch, W. (ed.) The  Child Construction  of  Language. London: Academic Press, 1981.

LEVELT, W. J. M. Monitoring  and  self-repair in speech. Cognition, volume 14, 1983.

SCARPA, E. M. Sobre o sujeito fluente. O Seminário de Aquisição da Linguagem. Campinas:  Projeto de Aquisição da Linguagem do IEL, 1993.

YAVAS. Habilidades metalingüísticas na criança: uma visão geral. Cadernos de Estudos Lingüísticos, volume 14, 1988.


UMA EXPERIÊNCIA NO ENSINO DA PESQUISA LINGÜÍSTICA PARA ALUNOS DO CURSO DE GRADUAÇÃO EM LETRAS DO CEUD/UFMS

 

 

Maria José de Toledo GOMES[81]

 

Resumo:  Este trabalho faz o relato de um procedimento de ensino voltado para a iniciação à pesquisa em Sociolingüística e Dialetologia, levado a efeito como parte das atividades desenvolvidas nas disciplinas de Filologia Românica - no período de 1991 a 1996 - e Lingüística I, durante os anos letivos de 1995 e 1996. Trata também da transposição dessa experiência de ensino para o projeto de pesquisa Aspectos Lingüísticos do Português de Fronteira na Região de Dourados(MS), que está sendo desenvolvido pelo Departamento de Comunicação e Expressão do CEUD/UFMS e que tem por objetivos centrais a avaliação desse procedimento de ensino  e a análise lingüística dos níveis fonético-fonológico e léxico-semântico do corpus obtido que, no final do ano letivo de 1995, era constituído por 80 entrevistas gravadas e cerca de 450 páginas de transcrição das fitas.

 

           

Ao longo de nossa experiência docente nas disciplinas de Lingüística e de Língua Portuguesa no CEUD/UFMS, fomos percebendo que, quando realizávamos uma atividade de ensino que envolvesse a gravação de dados lingüísticos para análise, os nossos alunos costumavam apresentar uma postura mais reflexiva[82] e, portanto, mais apropriada aos estudos da linguagem.

Embora essa constatação tenha ocorrido de maneira completamente empírica, levou-nos a imaginar o que poderia render, em termos de ensino/aprendizagem, um procedimento dessa natureza realizado de uma forma mais sistematizada.

Evidentemente, a gênese desse procedimento de ensino está na pesquisa que realizamos para Dissertação de Mestrado[83]. O que pretendíamos, ao transpor essa atividade para a sala de aula, era compartilhar com os alunos parte das experiências e das descobertas que estávamos fazendo na pesquisa lingüística.

Assim é que, ao assumir, em 1991, a disciplina de Filologia Românica, completamente nova e eminentemente diacrônica no contexto de um Curso de Letras voltado quase que totalmente para um enfoque sincrônico e para a linguagem usada nos dias de hoje, imaginamos a possibilidade de constatar, com os alunos, que alguns dos mesmos processos de mudança lingüística, observados na evolução do latim clássico para o vulgar e deste para o português[84], continuam a ocorrer atualmente, em nossa região, no uso coloquial que fazemos da linguagem.

A experiência com essa turma aconteceu sem que o DCO/CEUD tivesse condições materiais para tal, uma vez que não dispúnhamos nem de gravadores adequados nem de fitas cassetes comuns para a execução das entrevistas, que acabaram sendo realizadas com os gravadores e as fitas - às vezes, já usadas - que os alunos puderam conseguir. Com a turma de 1992, a falta de material continuou a ser um problema, que só foi adequadamente resolvido com a aquisição de 10 gravadores, que chegaram ao Departamento, parte em maio, parte em setembro de 1993.

Considerando que o nosso objetivo básico era o de ensinar e de “ensaiar” um método de pesquisa em sociolingüística e dialetologia e que, para a realização desse trabalho, o tempo era verdadeiramente exíguo - uma vez que essa tarefa era uma espécie de “apêndice” do plano de ensino e, uma vez inscrita no contexto das atividades de ensino, estava sujeita aos prazos estabelecidos pelo Calendário Escolar da UFMS -, decidimos por enfatizar as etapas de coleta, sistematização e apresentação dos resultados.

Em conseqüência dessa decisão, a necessária etapa de fundamentação teórica ficou bastante prejudicada e aconteceu principalmente através de explicações minuciosas sobre a forma final e o processo de elaboração do roteiro de entrevistas[85]. Assim, os alunos foram devidamente informados sobre: o porquê de cada uma das perguntas, as razões pelas quais as mesmas foram colocadas na ordem em que se encontravam, os objetivos gerais da entrevistas e os objetivos de cada uma de suas partes e, ainda, sobre os possíveis rumos que esse trabalho poderia tomar.  Os alunos foram orientados, sobretudo, com relação à atitude a tomar diante dos informantes antes, durante  e depois da realização das entrevistas, tanto do ponto de vista metodológico, quanto do ponto de vista da ética do pesquisador.

Após a etapa de gravação das entrevistas, os alunos eram devidamente orientados e supervisionados no processo de transcrição canônica das fitas que, em parte se realizava em aula para que pudéssemos identificar as dificuldades encontradas. Entretanto, a maior parte desse trabalho era executada em casa, por falta de condições ambientais na sala de aula.

Uma vez vencida a etapa de transcrição de fitas, os alunos eram orientados no sentido de elaborar um glossário, onde deveriam constar apenas os substantivos, adjetivos e verbos, que tivessem sido usados somente pelos informantes ao longo das entrevistas. Cada verbete deveria apresentar as informações de entrada de item lexical segundo os padrões do Novo Aurélio[86], constando apenas as acepções de sentido atualizadas pelos informantes, seguidas por duas ou três citações de trechos da entrevista, em que o termo em questão tivesse sido usado e em que se pudesse identificar o sentido com que foi atualizado.

Embora reclamassem do cansaço, da falta de tempo até para poder dormir, do serviço maçante de transcrever fitas, vários alunos se dispuseram a colaborar conosco em pesquisas dessa natureza, porque, apesar de todas as dificuldades encontradas, gostaram efetivamente de fazer esse tipo de trabalho. Aparentemente os fatores que mais contribuíram para despertar o interesse dos alunos foram: o contato pessoal com os informantes, as informações que esses lhes passavam sobre costumes antigos que, muitas vezes, lhes eram completamente desconhecidos, o efeito de “estranhamento” que sofriam ao transcreverem não apenas a linguagem dos informantes, mas, sobretudo, a deles próprios.

Diante do sucesso inicial, solicitamos ao Departamento a aquisição de gravadores e fitas cassete para que pudéssemos aprimorar o trabalho com as turmas subseqüentes, conforme salientamos acima. Com isso, as condições materiais para o desenvolvimento dessa atividade melhoraram sensivelmente, tanto do ponto de vista da qualidade das gravações, quanto da agilização da etapa de entrevistas.

No ano letivo de l995, dois fatos novos aconteceram. Em vista da necessidade de dar alguma forma de organização ao material, que foi sendo reunido no período de l99l a l994, solicitamos ao Departamento a abertura de uma vaga de Monitoria Voluntária[87]. Com o auxílio da aluna que preencheu essa vaga, foi possível ter uma idéia mais aproximada do volume e da caracterização geral do estágio em que se encontrava o corpus até então conseguido, como principalmente melhorar a qualidade da orientação dada aos alunos que deveriam executar essa atividade em l995.

O outro fato significativo consistiu em que, no processo de atribuição de aulas para esse ano letivo, assumimos a disciplina de Lingüística I, de cujo programa constava uma pequena unidade de Introdução à Sociolingüística. Essa disciplina é oferecida no primeiro ano de Letras e, dessa turma, alguns alunos demonstravam um contínuo e intenso interesse por conhecer o que era e como se fazia pesquisa científica e, obviamente, por obter uma bolsa de Iniciação Científica.

Como esse tipo de trabalho já nos tinha motivado a estimular a elaboração do projeto de pesquisa que deve resultar no Atlas Lingüístico de Mato Grosso do Sul[88], apresentamos o mesmo a esses alunos,  em  um trabalho conjunto com a professora responsável pela disciplina de Introdução à Metodologia Científica, que em muito contribuiu para estimular a curiosidade científica que esses alunos manifestavam, conforme mencionamos acima. A partir daí, o interesse em participar de uma atividade científica e de pleitear uma bolsa de estudos, que já era muito grande, aumentou ainda mais. Como forma de, de um lado, satisfazer, pelo menos em parte, a curiosidade científica desses alunos e, de  outro, fazer uma espécie de pré-treinamento de inquiridores para o projeto do Atlas Lingüístico de MS, decidimos levar a efeito também com essa turma a experiência realizada nas aulas de Filologia. Nesse sentido, os resultados imediatos foram animadores.

Conquanto todo esse processo tenha nos fornecido várias evidências positivas quanto à validade da experiência didática que vinha sendo realizada, também ficava clara a necessidade de uma avaliação mais acurada de tudo o que vinha sendo feito. Para isso e com o intuito de não apenas dar existência formal a esse trabalho, mas sobretudo para criar dentro da nossa Instituição uma oportunidade para refletir sobre o mesmo de forma realmente sistemática, decidimos elaborar um novo projeto de pesquisa[89], que, ao mesmo tempo, desse conta da avaliação desse procedimento de ensino e, permitisse, pelo menos, uma inspeção inicial do material lingüístico que já tinha sido coletado.

No início do ano letivo de 1996, com a primeira versão já aprovada pelo Departamento, apresentamos o projeto à professora Aparecida Negri Isquerdo, que retornava ao DCO/CEUD de seu afastamento para Doutorado, verificando o seu interesse em participar desta nova etapa. Juntas decidimos desenvolver o trabalho, ampliar a participação dos alunos através do Programa de Iniciação Científica da UFMS/CNPq e solicitar assessoria científica ao Dr. Devino João Zambonim da UNESP/CAr, no sentido de atingir os objetivos propostos acima da forma mais rigorosa e apurada que nos fosse possível.

Considerando que, até 1995, cerca de 58% e de 38% de nossos informantes se situavam nas faixas etárias acima de 56 anos e entre 36 e 55 anos, respectivamente, uma das principais recomendações do professor Zambonim foi a de que realizássemos uma última etapa de coleta de dados, buscando informantes cuja idade fosse inferior a 35 anos.

Esses dados - 20 entrevistas com informantes do sexo masculino e 24, com informantes do sexo feminino - já foram efetivamente coletados e encontram-se em fase de inclusão na base geral de dados do projeto que, devidamente organizada até o ano letivo de 1995, estava composta por 80 entrevistas com 34 informantes do sexo masculino e 46, do sexo feminino.

No que concerne à participação dos bolsistas, os 4 Planos de Trabalho estão sendo normalmente desenvolvidos, devendo ser concluídos dentro do prazo estabelecido pelo CNPq (julho/97) e seus resultados parciais, obtidos até o presente momento, serão apresentados no XLV Seminário do Gel, no dia 22-05-97, como parte da sessão de comunicação coordenada Do ensino da pesquisa à formação de pesquisadores: primeiros resultados desse processo.

        

 

BIBLIOGRAFIA

CAMARA JR., J.M. História da lingüística. Petrópolis:Vozes, 1979.

__________. História e estrutura da língua portuguesa. Rio de Janeiro:Acadêmica, 1985.

__________. Princípios de lingüística geral. 4ª ed, Rio de Janeiro:Acadêmica,1973.

COUTINHO, I. L. Pontos de gramática histórica. 2ª ed., Rio de Janeiro:Ao Livro Técnico, 1984.

FERREIRA, A.B. de H. Novo dicionário da língua portuguesa. 1ª ed., Rio de Janeiro: Nova         Fronteira.

VÁZQUEZ, A. S. Filosofia da praxis. Rio de Janeiro:Paz e Terra, 1990.

WEINBERG, M. B. F. de. Dinámica social de um cámbio linguístico: la reestruturación de las palatales en el español bonaerense. México, D.F., Universidad Nacional Autónoma de México.

 



[1]  UNESP - FCL Assis - Professora.

[2]  As passagens extraídas de corpus do Projeto NURC, citadas neste estudo, encontram-se em CASTILHO e PRETI (orgs.)  (1986 e 1987)

[3] Concebemos a unidade tópica como a porção textual que recobre um determinado conteúdo, visto como um conjunto de referentes concernentes entre si e em relevância num dado ponto da mensagem. (Para maiores detalhes sobre suas propriedades definidoras e delimitadoras, remetemos a JUBRAN, URBANO et alii, 1992).

[4]  Tratamento mais detalhado é desenvolvido em RISSO (1993 e 1996).

[5] UNESP - FCL Assis - Professor.

[6] Op.cit., pag. 61.

[7] FRYE, Northrop.Anatomia da Crítica. Trad. Péricles Eugênio da Silva Ramos. São Paulo: Cultrix, 1973.

[8] Idem, p.360.

[9] UNESP - FCL Assis - Professora.

[10] Para a transcrição dos vocábulos japoneses ao alfabeto romano utilizou-se o Sistema Hepburn.

[11] DUBOIS, J. et alii. Dicionário de Lingüística. São Paulo: Cultrix, 1993, p.435.

[12] OGAWA, Y. E HAYASHI, D. (org.). Nihongo Kyôiku Jiten. Tóquio: Taishûkan, 1982, p. 78.

[13] Kokugogakkai. Kokugogaku Jiten. Tóquio: Tôkyô-dô shuppan, 1994, p. 215.

[14] Gakushû Shidô Yôryô-Ippan-hen. 1951, p.51.

[15] Shôgakkô, escola primária, para crianças de idade escolar entre 6 a 11 anos.

[16] Chûgakkô, escola média, para crianças de idade escolar entre 11 a 14 anos.

[17] Kôtôgakkô, escola correspondente ao 2o. grau, para jovens de idade escolar entre 15 a 17 anos.

[18] SHIBATA, T. A língua japonesa entre as línguas do mundo. In Iwanami Kôsa Nihongo I (Língua Japonesa I). Tóquio: Iwanami shoten, 1992, p. 3 e 4.

[19] NAGANO, M. Gakkô bunpô gaisetsu (Introdução à gramática escolar). Tóquio: Kyôbunsha, 1986, p. 33.

[20] NAGANO, M. Bunpô kenkyûshi-to bunpô kyôiku (História das pesquisas gramaticais e pedagogia da gramática). Tóquio: Meiji shoin, 1991, p. 259.

[21] HASHIMOTO, S. Kokugohô yôsetsu (Explanações sobre a gramática da língua nacional).

[22] UNESP - FCL Assis - Professora.

[23]  Coutinho (1969:169-73) admite a existência de 25 sufixos DIM: -aço/ -iço; -acho/-echo/-icho/-ocho/-ucho; -alho/-elho/-ilho/-olho/-ulho; -elo/el(o);-ico; -il; -inho/-im/-ino; -olo/-ol; -isco;  -icar/-egar;  -itar.

[24] UnB - Professor.

[25] UnB

[26] Para mais detalhes sobre o conceito de anti-crioulo, pode-se consultar Couto (1992b, 1996a, b e a sair)

[27] “o” = art. def. masc. sing.; “e” = art. def. fem. sing.; “le” = art. def. plural.

 

[28] Universidade do Vale do Paraíba - Professora.

[29] Universidade do Vale do Paraíba - Professora.

[30] Universidade do Vale do Paraíba - Professora.

[31] Para estudo mais detalhado consultar: PEREIRA DA SILVA,S.R.. A Prática Cotidiana do Ensino de Língua Portuguesa: o singular-plural. Dissertação de Mestrado, PUC-SP, 1992.

[32] UNESP-FCL Assis - Professora

 

[33] UNESP - FCL Assis - Professora

[34] UEM - Professora.

[35] UNESP - FCL Assis - Pós-Graduando.

[36]  É um item que não desclassifica a redação, que não atribui zero de pontuação, como os itens tema e tipologia textual (Zanini e Menegassi, 1996; Zanini e Menegassi, 1997).

[37] UNESP- FCL Assis - Professora.

[38] UNESP - FCL Assis - Professora

[39] cf. Aurélio/1988

[40] cf., em anexo, enunciados do grupo 1 das redações.

[41] cf., em anexo, enunciados do grupo 2 das redações.

[42] cf., em anexo, enunciados do grupo 3 das redações.

[43] UNESP - FCL Assis - Professora

[44] USP - FFLCH - Professora.

 

[45] UFMT - Instituto Ciências Humanas e Sociais - Professora.

[46] idem.

[47] UFMT - Instituto de Ciências Humanas e Sociais - Bolsistas de Iniciação Científica - CNPq.

[48] idem.

[49] idem.

[50] Essa discussão foi desenvolvida pelos autores, em trabalho anteriormente apresentado pela equipe, durante o V Congresso da Associação Internacional dos Lusitanistas, Oxford, Inglaterra, 1996.

[51] EPAC = Escola particular central; EPUC = Escola pública central; EPUP = Escola pública periférica.

[52] Essa constatação somente poderia ser viável, caso os professores houvessem atendido à solicitação da equipe, em face de um instrumento específico que lhes foi entregue e cuja aplicação contava com a anuência desses mesmos professores.

[53] Faz-se alusão aqui aos resultados publicados pelo MEC, tendo em vista a avaliação aplicada a egressos do segundo grau de ensino e, ainda, aos resultados do teste de avaliação, aplicado aos concluintes de diversos cursos universitários no Brasil.

[54] UNESP - campus São José do Rio Preto - Professora.

[55] « Indivíduos » no sentido matemático do termo, ou seja, de « elemento de um conjunto ».

[56] R. Kocourek, em La langue française de la technique et de la science, apresenta uma lista interessante de trabalhos que tratam de modo direto ou indireto a relação nome próprio-línguas de especialidade.

[57] Alguns termos sintagmáticos-fonte podem ser representados por até duas formas abreviadas, cujos processos de formação são diferentes. É o caso de reserva biológica.

[58] « Funções » compreendidas aqui no sentido que lhes dá Hjelmslev,  fonctions e/e e não ou/ou.

[59] UNESP - FCL Assis - Professor.

[60] Greimas, A. J. e  Courtés, J. Dictionnaire raisonné de la Théorie du Langage. Paris: Hachette Université, 1979, p. 222.

[61] Termo emprestado de Levi Strauss.

[62] Dicionário Micro-Robert. Paris: SNL, 1971, p. 257.

[63] Courtés, J. Introduction à la Sémiotique Narrative et Discursive. Paris: Hachette, 1976, p. 127.

[64] Greimas, A. J. Maupassant. Paris: Editions du Seuil, 1976, p. 129.

[65] UNIMAR - Marília - Professora.

[66] FFLCH / USP - Professor

[67] UNESP - FCL Assis - Professor.

[68] UNESP - FCL Assis - Professor.

[69] Um aspecto curioso desta intervenção e que vem a corroborar a afirmação que faço a respeito da preocupação com o produto final que deve ser agradável aos ouvidos do público, está no fato de o poema ser dedicado ao próprio José da Cunha Cardoso e receber dele uma intervenção desta natureza.

 

[70] Parafraseando, aqui, a epígrafe empregada por Hansen em seu livro Sátira e Engenho (op. cit.).

[71] UEM - Professor.

[72] FEMA - Instituto Municipal de Ensino Superior de Assis - Professora.

    UNESP - FCL Assis - Pós-Graduanda.

[73] A professora já ministrou aulas nesse mesmo curso na Universidade de Marília.

[74] Tem sido utilizado, para nortear o trabalho com a redação, o livro Técnicas de Redação, de Magda Becker Soares, o qual vem sendo complementado com conceitos teóricos da gramática tradicional, a lingüística textual, os manuais de redação dos meios de comunicação de massa - Folha de São Paulo, O Estado de São Paulo, Editora Abril e outros livros que tratam de correção gramatical.

[75] Para esse trabalho, têm sido utilizados os manuais de redação dos meios de comunicação de massa já citados acima.

[76] Para expor esse conceito nos baseamos, principalmente, em Othon M. Garcia, Comunicação em prosa moderna, p. 6-16.

[77] - UNESP - FCL Assis - Professora.

[78] - A partir de agora SN

[79] Universidade Estadual de Ponta Grossa - Professora.

[80] O presente trabalho é parte da dissertação de mestrado “O caráter não-reprodutivo e não-aleatório das auto-repetições na fala inicial”, desenvolvida sob orientação da professora doutora Ester Mirian Scarpa e defendida em dezembro de 1994, no Instituto de Estudos da Linguagem,  Unicamp.

[81] Universidade Federal de Mato Grosso do Sul - Professora.

[82] Vázquez, A.S. Filosofia da praxis. Rio de Janeiro:Paz e Terra, 1990, p.283-284.

[83] Gomes, M. J. T. - Aspectos Sociolingüísticos da Alfabetização de Indígenas em Idade Escolar na Escola Municipal “Francisco Meireles”. Curitiba, Universidade Católica do Paraná, l983.

[84] Camara Jr., J.M. História e estrutura da língua portuguesa.Rio de Janeiro:Acadêmica, 1995 e Coutinho, I.L. Pontos de gramática histórica. 2ª ed., Rio de Janeiro:Ao Livro Técnico, 1984.

[85] Além das técnicas estabelecidas por Labov, a organização do roteiro de entrevistas levou em conta os procedimentos utilizados por Weinberg, M.B.F de. em sua Tese de Doutorado Dinámica social de um cámbio linguístico: la reestruturación de las palatales en el español bonaerense. México, D.F., Universidad Nacional Autónoma de México, 1979.

[86] Ferreira, A.B. de H. Novo dicionário da língua portuguesa.1ª ed. 5ª impr., Rio de Janeiro:Nova Fronteira.

[87] No momento em que fizemos essa solicitação, o Departamento não dispunha de vagas para Monitoria regular, remunerada. A atividade de Monitoria Voluntária tem essa designação na UFMS porque o aluno não recebe nenhum tipo de retribuição financeira pelos trabalhos que desenvolve com o professor da disciplina.

[88] O projeto de pesquisa que visa à elaboração do Atlas Lingüístico de Mato Grosso do Sul, planejado e coordenado inicialmente pela Drª Albana Xavier Nogueira/UFMS, encontra-se atualmente em fase de reorganização da etapa de coleta de dados e tem por consultor científico o professor Dr. Pedro Caruso/UNESP/Assis.

[89] Aspectos Lingüísticos do Português de Fronteira na Região de Dourados(MS), devidamente aprovado pelo Departamento de Comunicação e Expressão do CEUD e cadastrado na Coordenadoria de Pesquisa/PROPP/UFMS.